Editorial
Temos estado a acompanhar, com bastante interesse, o debate em curso sobre o tipo, funções e composição da futura Comissão Nacional de Eleições (CNE).
[30-03-2006]
Trata-se de um debate confragedor, se tivermos em consideração que Moçambique discute a mesma coisa desde 1993, portanto, antes da realização das primeiras eleições gerais e presidenciais, que tiveram lugar em Outubro de 1994.
Do tempo que transcorre desde que o País diz estar à procura de uma CNE ideal, fica claro que não existe vontade política de se encontrar uma solução nacional para o assunto, havendo claros indícios de que cada um dos principais partidos políticos continua a querer ter maior protagonismo na arbitragem do processo eleitoral.
Não é que haja falta de modelos apropriados para se constituir uma CNE realmente independente e funcional. Modelos existem aos magotes, mas escasseia a vontade e coragem de enveredar por esses modelos. Prevalece a intenção oculta de controlar e manipular o processo, a favor dos próprios jogadores.
Em nosso modesto entender, os partidos políticos não deveriam ser os protagonistas principais da CNE, uma vez que eles são os principais jogadores do processo eleitoral. Eles deveriam sentar no banco de trás da CNE, como observadores com direito a palavra, mas sem poder de voto.
A composição da CNE deveria ser por concurso público aberto a figuras consensuais e organizações cívicas idóneas, sem ligações, nem subserviências político-partidárias, mas patrióticas e com credenciais públicas de bom serviço à nação.
Os termos de referência para esse concurso deveriam ser elaborados pela comissão parlamentar encarregue de rever o pacote eleitoral, aceitando propostas de perfil de candidatos vindas da sociedade civil.
A escolha dessas figuras e organizações deveria constituir o momento mais alto de exercício de cidadania por parte de todo o povo moçambicano, que a partir dos distritos identificaria e seleccionaria os prováveis integrantes da CNE, os quais, depois, passariam por níveis cada vez mais apertados de escrutínio público até terminar num painel multissectorial de selecção, que os entrevistaria e os recomendaria à designação pela Assembleia da República, através de uma resolução.
Os cidadãos seleccionados tomariam posse perante o Parlamento, assinando um juramento público e um código de ética sobre a condução transparente e independente do processo eleitoral, devendo obediência apenas à Constituição da República e à Lei eleitoral.
Os cidadãos designados escolheriam, dentre si, um deles para o cargo de Presidente da CNE, que tomaria posse perante o Presidente da Assembleia da República.
O número dos integrantes dessa CNE poderia variar entre nove e 11 membros.
Para além da CNE, a Lei eleitoral deveria prever mecanismos flexíveis de gestão e resolução de conflitos eleitorais, antes de eles chegarem aos órgãos judiciais, normalmente lentos, e que se pronunciam, via de regra, fora do prazo do processo em causa.
Aqui, nos países vizinhos, existem painéis civis de intermediação e resolução de conflitos eleitorais, os quais são integrados por personalidades aceites pelos próprios partidos jogadores como tendo prestígio suficiente para interpelar os órgãos eleitorais, para os levar a observar determinadas regras de funcionamento e/ou a abster-se de praticar determinadas actos que possam resultar em injustiça para certos intervenientes do processo eleitoral.
O objectivo deste exercício todo é afastar as equipas jogadoras da prerrogativa de escolher os árbitros do jogo, uma vez que a experiência tem demonstrado que elas apenas escolhem árbitros das suas fileiras, os quais não possuem independência nenhuma para arbitrar, com isenção e transparência, o jogo, resultando daí reclamações, injustiças e uma sensação geral de que o jogo foi conduzido de forma preconceituosa e os resultados foram manipulados e fabricados na secretaria.
Pretende-se que o País tenha um processo eleitoral credível e sadio e que se liberte de processos eleitorais obscuros e conduzidos a partir das sedes partidárias. Pretende-se que Moçambique seja uma democracia exemplar em que, efectivamente, ganhe quem for escolhido pelo povo e não quem for escolhido pelos árbitros por si nomeados. Sem pretender dizer que a nossa proposta é a mais válida, gostaríamos de sublinhar que o objectivo primordial da mesma é afastar os partidos políticos concorrentes da prerrogativa de decidir quem deve arbitrar o jogo.
Se, na Europa, quem organiza o processo eleitoral são os governos, aqui ainda não estão criadas as condições políticas para o governo organizar de forma isenta e credível o processo eleitoral. A experiência passada ensina-nos isso, pelo que urge afastar o governo e os partidos concorrentes dessa prerrogativa, delegando essa responsabilidade ao próprio povo eleitor, através das suas lideranças formais e informais.
É que a ninguém dignifica um processo eleitoral sem transparência e credibilidade pública.
E Moçambique tem idade suficiente para ter órgãos eleitorais da confiança dos eleitores.
Salomão Moyana
Zambeze
Tensão alta na RENAMO em Manica e Inhambane
Há 3 horas
Sem comentários:
Enviar um comentário