Por Jafar Gulamo JafarMatola (Canal de Moçambique) - Qual proprietário rural dos tempos do feudalismo, o tio Afonso continua a fazer e desfazer das pessoas, troçando dos princípios mais elementares da convivência democrática, da liberdade de reunião e dos estatutos do Partido. Já nos habituámos à sua pretensa eternidade, à necessidade que o Partido tem dele (e não ele do Partido), como aquele rei Francês que dizia «L`État Cèst Moi».
Habituámo-nos, mas estamos fartos, e de nada lhe vale afastar os melhores, porque a razão tem muita força, e esta, tal como a verdade, se imporão um dia.
Vem este desabafo a propósito dos afastamentos de quadros, da anterior proibição a algumas pessoas de ir à Sede do Partido, da nomeação do Manuel Pereira para candidato a Presidente do Conselho Municipal da Beira e consequente expulsão de Deviz Simango do Partido, das frequentes substituições de delegados a todos os níveis, da nomeação de Isabel Rupia para o Conselho Constitucional, etc., etc., etc.
O que vos escreve, foi um dos primeiros a sofrer nas mãos do Grande Afonso, sem que lhe tivessem sido dadas a conhecer as razões. E foi afastado duas vezes, e preterido uma!!!
Militante da Renamo desde 1983, o signatário foi convidado a integrar a lista de candidatos a Deputados da Assembleia da República em 1994.
Modéstia à parte, desempenhou com brilhantismo, dedicação à causa da democracia, da liberdade e da justiça social, empenhando-se, nas funções de Relator da CAJDHL da A.R., e ainda, nas de Relator da Comissão Ad Hoc para a primeira Revisão Constitucional e em outras Comissões de curta duração.
Tendo consciência da qualidade do seu trabalho, ficou, obviamente indignado ao ser relegado para quarto lugar da lista candidatos a deputados nas eleições de 1999.
Convém que se diga que tal «despromoção», a favor de pessoas com muito menor qualidade técnica e muito menos tempo de militância no Partido, se deveu, tão simplesmente, à falta de sentido patriótico, de sentido de Estado e de responsabilidade política do Afonso. Explico: a ira do chefe foi provocada pelo facto de o signatário se ter abstido de votar no mesmo sentido que a bancada, o projecto de revisão da Constituição.
Tal projecto, de autoria da Renamo, havia sido apresentado em 1995, preconizando uma modernização radical na nossa Lei Fundamental, com a introdução de um sistema semi-presidencialista, um aumento significativo do elenco dos direitos fundamentais, com mexidas importantes nos órgãos de soberania, e por aí fora.
Na altura, a bancada da Frelimo, pretendendo uma alteração meramente cosmética, provocou um impasse que durou mais de um ano, vindo posteriormente a acatar, após muito trabalho na Comissão Ad Hoc, muitos consensos e muitos dissensos, grande parte das propostas da Renamo. Quando tudo parecia indicar que o País teria nova Constituição, eis que o Chefe, sem qualquer motivo, decide dar o dito por não dito e fazer exigências de última hora. Em resultado dessa peregrina posição, a proposta de Constituição não foi aprovada na Assembleia da República, tendo a Bancada da Renamo votado contra a sua aprovação, apesar de ser a autora da proposta e de mais de noventa por cento do texto.
O signatário, por coerência e respeito pelo trabalho que havia desenvolvido, decidiu não acatar a ordem relativa ao sentido de voto e absteve-se. Resultado: foi relegado para quarto lugar da lista – 1º afastamento.
Por altura do Congresso de Nampula, na preparação do qual trabalhou arduamente, foi o primeiro membro da Comissão Política Nacional do Partido a ser eleito. Não se passaram nem dois meses e foi sumariamente afastado sem qualquer explicação pelo Afonso, na sessão do Conselho Nacional realizada na Beira.
Até hoje ignora porque motivo foi afastado, embora tenha ouvido as mais diversas e absurdas explicações (era do grupo de Lisboa, tinha contactos com o Joaquim Vaz, ia para o partido do Raul Domingos, um sem número de baboseiras sem sentido).
Tentou pedir explicações, marcou um número infindável de audiências, e nada resultou – 2º afastamento.
O signatário, consciente do seu contributo para o enriquecimento do texto constitucional, candidatou-se a membro do Conselho Constitucional, assim que soube que tão importante órgão iria nascer. Aí, foi preterido a favor de outros colegas.
O ser preterido é natural, não merece qualquer reparo, apesar dos pesares (um dos membros do Conselho Constitucional foi recentemente afastado e substituído pela Dra Isabel Rupia, que nunca foi membro da Renamo, tem um comportamento social duvidoso e é crente da seita dos dízimos...).
Quanto ao ser afastado da Comissão Política Nacional do Partido, isso já é outra história, e demonstra bem o tipo de senhor feudal que governa a Renamo. A Comissão Política nacional, tendo sido eleita pelo Congresso, só podia ser destituída pelo Congresso, pelo que o afastamento foi ilegal e violador dos estatutos.
A troca de posições na lista de candidatos, à revelia da Bancada Parlamentar, foi um acto de prepotência, inqualificável.
Inqualificável, igualmente, foi o afastamento de Deviz Simango da candidatura a Presidente do Conselho Municipal da Cidade da Beira, mas este acto, por ter sido tão estranho, levantou suspeitas na opinião pública e há quem diga que foram ordens que o Afonso recebeu do partido Chefe!!!
Não admira que isto seja verdade, a julgar pelo comportamento do Afonso de há uns anos a esta parte. O líder de um partido como é a Renamo, não intervém nas grandes questões nacionais, passa clandestinamente ao lado de todos os debates importantes, não visita os eleitores, não vai às sedes Provinciais (abandonadas à sua sorte, sem luz eléctrica, sem computadores, papel, material de propaganda, sem reuniões, etc.), não visita os edis eleitos pela Renamo, nem os membros das Assembleias Municipais.
Mais grave do que isso, não presta contas aos militantes do dinheiro que recebe do Estado para custear as despesas do Partido.
O presidente não assistiu a uma única sessão da Assembleia da República!!!
Não preside às sessões da Comissão Política nacional, como é sua obrigação, e, consequentemente, recebe relatórios deturpados e intrigas de comadres.
Impunemente, apoderou-se do dinheiro do partido, e dos órgãos sociais. De tal maneira que o Conselho Fiscal e Jurisdicional nunca funcionou (duvida-se que alguém seja membro de tão importante órgão), e, mais grave ainda, que esteja a agir sem mandato dos militantes.
É grave que, três anos depois de expirado o seu mandato, ainda se intitule presidente, que continue a tomar decisões em nome dos militantes, num partido que lutou pela democracia, pelos direitos humanos, pela liberdade e pela justiça.
Justiça essa que é exercida pelo executivo, isto é, por ele, que dirige, acusa, julga e aplica as sanções.
Quem é ele para expulsar membros? Quem é ele para não prestar contas? Onde é gasto o dinheiro do Partido? Lá chegará o dia em que terá que justificar os seus actos.
Engana-se, se pensa ser um favor que faz aos militantes quando exercem cargos no Parlamento, ou em qualquer outro órgão. Eles não são seus funcionários, são tão militantes quanto ele.
Com os telhados de vidro que tem, deveria ter cuidado com o que faz, mesmo na sua vida privada.
Cultivou, no seio do Partido, uma política de afastamento dos intelectuais, sistematicamente.
Não consegue aprender com os erros dos outros, mas corre o risco de ser ridicularizado nas eleições que se avizinham, correndo o País o risco de regressar ao monopartidarismo.
Qual dono da bola dos jogos dos bairros, tão grande é a ganância e o individualismo que vai ficar a jogar sozinho, porque a falar sozinho já ele está há muito tempo.
(Jafar.G.Jafar, Matola, Março de 2009)
Fonte:
Canal de Mocambique