quarta-feira, abril 03, 2013

É preciso despir-se do medo da mudança


EDITORIAL

Nestes próximos seis meses que precedem as eleições autárquicas de Novembro, veremos mais das mesmas figuras que depois de eleitas em 2008, remeteram-se à sua importância, deixando os seus eleitores a tentarem adivinhar qual é a importância do seu voto.
Durante estes seis meses, aparecerão em mercados, em comícios populares e em tudo quanto é espaço público, todos sorridentes, cara de simpáticos, num esforço para conquistar o voto. Mas chega o dia da tomada de posse, e logo a seguir desparecerão da arena pública. Estarão tão ocupados que já não lhes restará nem um minuto para se encontrarem com as mesmas pessoas de quem agora esperam o seu voto.
E como tem sido hábito para seres mais importantes neste nosso canto do mundo, lá estarão de novo nas suas limousines de vidros fumados, circulando pelas ruas e avenidas das suas respectivas jurisdições, escoltados por homens armados até aos dentes, cujo único contacto que têm com o público é a sua voz autocrática e ameaçadora a gritar: “afastem-se, afastem-se”!

Estes seres importantes (mas também mortais) precisam, através destes homens armados, de se proteger contra qualquer atentado à sua integridade física que possa ser orquestrado por estas mesmas pessoas que lá os colocaram no poder. Se necessário, mesmo em contra-mão, violando o Código de Estrada.
É o mesmo ritual todos os cinco anos, desde que em 1998 o país introduziu o sistema de eleições municipais.
As eleições autárquicas foram introduzidas em Moçambique como um mecanismo de governação participativa, através do qual os cidadãos devem assumir um papel de liderança sobre assuntos que lhes dizem respeito ao nível dos seus locais de residência.
Mas, cedo o processo transformou-se num sistema anacrónico, um mecanismo de clientelismo, o formato mais requintado da corrupção. Se os há, são poucos os líderes autárquicos que se identificam e interagem com os seus eleitores, num processo que lhes permita buscar soluções criativas para os problemas que os afectam no seu dia-a-dia.
Antes pelo contrário, a maioria dos dirigentes autárquicos tornaram-se arrogantes e sem nenhum respeito para com os seus eleitores, a quem deviam, por uma questão de convenção e de lógica, prestar contas.
Logicamente que a questão a levantar é como é que indivíduos eleitos pelo voto popular, e que periodicamente precisam deste voto para se fazerem reeleger, irão ter o mesmo tipo de comportamento que em futuras eleições lhes pode custar votos.
A resposta reside no sistema de governação prevalecente em Moçambique, onde dirigentes eleitos devem obediência aos seus padrinhos políticos e não necessariamente aos eleitores. Neste sistema, os eleitores são simplesmente um agente passivo, cuja utilidade consiste em aceitar ir votar para legitimar os que depois passam a assumir o poder.
E isso pode ser testemunhado pelo processo de avaliação do desempenho dos municípios actualmente em curso. Não é aos eleitores que os dirigentes municipais se dirigem para tal exercício. É aos dirigentes dos seus respectivos partidos, de onde sabem que deriva o seu verdadeiro poder.
A deficiência deste sistema parte de dentro dos próprios partidos políticos, onde a escolha dos candidatos não é sujeita a processos democráticos de livre escolha ou a critérios de competência.
Através da manipulação e de intrigas internas, candidatos são impostos aos restantes membros dos partidos, para depois se manipular um eleitorado pouco exigente a endossar uma decisão com a qual não se identifica, mas a qual é obrigado a endossar para não sofrer represálias.
Tomemos o caso da cidade de Maputo, como exemplo. Contra qualquer sentido de lógica, Eneas Comiche foi humilhado num processo de “eleição” interna que se sabia que estava viciado do princípio ao fim.
A maioria dos eleitores, incluindo de dentro do próprio partido Frelimo, estava ciente do nível de competência de Comiche na gestão do município, e do facto de que o seu afastamento era um ignóbil acto de injustiça.
Em condições normais, os eleitores teriam manifestado o seu desagrado votando contra o desconhecido candidato que a Frelimo lhes impôs. Mas não; os eleitores foram endossar a decisão superior do partido, mesmo quando cientes de que não concordavam com ela. Por uma questão de masoquismo? Não parece que seja o caso. O que aconteceu é que o nobre objectivo de uma democracia participativa foi subvertido por um sistema político que necessita do clientelismo e da corrupção para se replicar. E é a esta coabitação com valores nocivos e anti-democráticos de governação municipal que os eleitores deverão em Novembro dizer “NÃO”! Mas para isso, terão que se despir do medo da mudança.

Fonte: Savana – 29.03.2013

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