Por Alfredo Manhiça
A ideia de elaborar uma “Carta Aberta” não é original. Já
houve “Cartas Abertas” dirigidas ao Chefe de Estado, aos “libertadores” da
pátria, aos líderes políticos, ou a muitas outras personalidades “importantes”.
A novidade da presente Carta consiste no facto dela ser
dirigida – não aos altos dirigentes políticos, nem a um determinado partido ou
grupo político – mas sim, a todos os moçambicanos “prejudicados”:
-
é a vós, vítimas do sistema clientelar de governação
instaurado no País, a quem dirijo esta Carta;
-
vós, utentes dos Hospitais e Centros de Saúde públicos,
para quem aqueles lugares deixaram de ser inspiradores de esperança e passaram
a ser símbolos de morte certa, devido à precariedade dos serviços que lá se prestam;
-
vós que no vosso dia a dia pagais com o suor do rosto o
preço da corrupção ao alto nível;
-
vós, proprietários e utentes dos transportes
semicolectivos, vítimas do roubo institucionalizado dos polícias de Trânsito;
-
vós, cujos filhos ou maridos só servem para combater as
guerras todas as vezes que os grupos políticos adversários entram em conflito
armado;
-
vós que aprendendo a comprar as notas para passar de
classe aprendestes também a vender a própria consciência;
-
vós que sois continuamente violentados pelo exibicionismo
dos que vivem, desonestamente, do luxo, enquanto vós passais toda a vossa existência
no lixo, vendendo e comprando nos mercados informais das periferias das grandes
cidades;
-
vós, ex-agentes do Serviço Nacional de Segurança Popular
de Moçambique (SNASP) que continuais a exigir o pagamento de pensões e a
regulamentação do que chamais “desvinculações ilegais”;
-
vós que, para acomodar a ganância impiedosa de acumular
riquezas, da parte dos dirigentes políticos do dia, tivestes que assistir
impotentemente à expropriação das vossas terras e a sua subsequente alocação às
multinacionais;
-
vós que em troca de uma posição privilegiada no circuito
do poder, ou em troca de certos ganhos económicos, estais dispostos a dizer
publicamente o contrário daquilo que vos vai na alma;
-
vós que obedecendo do modo servil os autores morais da
opressão tornastes-vos cúmplices do sangue e do suor explorado dos vossos
próprios compatriotas;
-
vós que sois pagos para participar na campanha dum
determinado partido político e obrigados a reproduzir o que os outros querem
que seja dito;
sois os
destinatários privilegiados da presente Carta.
Não há nenhum “deus” que vos possa libertar ou resgatar-vos
da sorte a qual sois condenados. Vós mesmos, e só vós podereis ser autores do
próprio resgate.
Em cada cinco anos tendes uma só e única vez para
exercerdes livremente e responsavelmente o vosso inalienável direito de
participar na tomada de decisões sobre a vossa sorte. Portanto, o próximo dia
15, é o único dia em que tendes a possibilidade de influenciar decisivamente o
modo em que sereis governados nos próximos cinco anos. É um dia crucial aquele
dia! É proibido cometer erro naquele dia porque as consequências de tal erro são
fatais: a possibilidade de sairdes da condição de cidadãos de segunda classe poderá
ser procrastinada por outros cinco anos. Em contrapartida, se naquele “único
dia” sereis capazes de estruturar de modo coordenado o vosso voto, fazendo com
que ele exprima os vossos anseios como classe – a classe dos “prejudicados” –
então, aquele único e aparentemente simples ato de votar, poderá mudar a vossa
sorte e a sorte dos vossos filhos. Não vos esqueçais que os partidos políticos
e as classes dirigentes dos partidos políticos têm as próprias agendas
inconfessadas. Diante destas agendas inconfessadas os “prejudicados”
simpatizantes de um ou do outro partido são todos iguais: nunca um partido se
ocupará dos “prejudicados” porque são seus simpatizantes. Dos “prejudicados” os
políticos só precisam do voto. Mas os eleitores podem utilizar estrategicamente
o próprio voto para obrigar os políticos a ocuparem-se deles. E é precisamente
isso que se pretende.
Aqueles que vivem do vosso sangue e se servem da vossa
penúria para o próprio enriquecimento, ensinam-vos que o “voto é secreto”. É
uma farsa! Eles nunca votam secretamente antes de se consultar. Esta teoria é a
fonte da vossa ruína! Os que vos ensinam a vós esta teoria não a põe em prática
nas suas ações políticas. Eles nunca agem individualmente e de modo
descoordenado. Todas as suas ações são bem coordenadas e a coordenação é o seu
ponto de força. Eles são um punhado de elite numericamente muito
insignificante, em comparação com a maioria esmagadora de seus compatriotas que
se sujeitam “impotentemente” à sua tirania. A sua força não está no número,
está na capacidade de coordenar a própria ação. Vós sois numericamente muito
mais do que eles mas, poucos que eles são, conseguem subjugar-vos porque vós
agis individualmente e de forma desorganizada. Eles agem como grupo organizado
e com um objectivo bem definido. A teoria do “voto secreto” faz-vos pensar que
os interesses e as aspirações dos “prejudicados” apoiantes da Frelimo são
contrários aos interesses e aspirações dos “prejudicados” apoiantes da Renamo
ou do MDM. É uma farsa! Todos os “prejudicados” estão no mesmo saco. Ou se
resgatam conjuntamente ou perecerão conjuntamente.
Se quiserdes que os políticos tenham em conta e respeitem
o vosso voto, vós não deveis agir isoladamente. Continuando, todavia, secreto,
o vosso voto deve exprimir a vontade de uma classe – a classe dos “prejudicados”.
Se as bancadas parlamentares dos partidos políticos votassem de modo desconexo
e descoordenado, seria impossível atuar um programa político que fosse coeso e
funcional.
Os partidos políticos de oposição e muitos moçambicanos “prejudicados”
costumam acusar o partido no poder de servir-se do controlo da máquina
administrativa/institucional para viciar os resultados das eleições e, apontam
a fraude como a razão que explica a perpetuidade da Frelimo no poder. Esta
acusação pode ter um certo fundamento mas não deve ser vista como a principal
razão que explica a permanência da Frelimo no poder. A principal fragilidade
dos partidos políticos de oposição moçambicanos reside na sua incapacidade de
coordenar e orientar o voto dos eleitores, em função dos cruciais problemas que
o País enfrenta.
Além da incapacidade dos partidos de oposição para promover
a coordenação da ação política dos eleitores, os que vivem do sangue dos
“prejudicados” contam também com os próprios aliados no seio de vários grupos e
camadas sociais dos “prejudicados”. Trata-se dos homens e mulheres carentes de
autoconfiança; aqueles que são incapazes de caminhar com os próprios pés e
julgam que o único modo para chegar aos patamares que aspiram é perpetuar o
sistema desonesto e os seus direitos responsáveis. São estes grupos e pessoas
singulares os principais responsáveis pela fraude eleitoral. Perpetuando o
dirigente político desonesto, estas pessoas asseguram as posições que ocupam dentro
do sistema. Eles são também responsáveis pela desorientação dos eleitores “prejudicados” menos avisados e
pouco informados. São as pessoas que estão dispostas a enganar os outros porque
eles mesmos foram enganados: receberam algumas migalhas e por isso estão
dispostas a percorrer as aldeias, os bairros urbano e as artérias das cidades para
distribuir capulanas e T-shirts, reproduzindo os discursos vazios que os
mentores do sistema opressivo e seus maiores beneficiários querem que sejam
proclamados.
Compatriotas, os que se servem da vossa miséria e
ignorância para o próprio enriquecimento e bem estar, ensinam-vos a quem votar.
A lição sobre a quem votar é uma outra farsa. É contrária às vossas aspirações.
O que precisais não é saber a quem votar, mas o que votar. Precisais de votar
um programa político que venha ao encontro das vossas aspirações e propósitos,
enquanto classe dos “prejudicados”. A lição sobre a quem eleger só vos ajuda a
escolher o vosso tirano. A única diferença entre este vosso tirano e os outros
tiranos é porque este tereis sido vós que o escolhestes. Contrariamente, a
lição sobre o que escolher abre-vos as portas para ir ao encontro das vossas
aspirações: as aspirações da vossa classe dos “prejudicados”. Quem vos ensina a
quem devem escolher, ensina-vos a marcar na vossa própria baliza. Estareis a
marcar na baliza do adversário se aprendereis a lição sobre o que votar.
Nenhum eleitor entre os “prejudicados” deveria dirigir-se
às urnas, no dia 15, antes de saber o que vai eleger. Por isso, os próximos
sete dias que nos separam do “grande dia” deveriam ser dias para a
“concertação”: debater os programas políticos que os partidos e os candidatos
propõem para a governação do país nos próximos cinco anos. O candidato Filipe
Jacinto Nyusi mostra-se relutante em relação à ideia do debate dos programas
políticos entre os candidatos à presidência. É daqueles políticos que está
preocupado a ensinar os eleitores “prejudicados” a quem votar. Não permitais
que o vosso voto seja comprado a preço de uma capulana. Para vós os “prejudicados”,
o critério para julgar a bondade de um programa político é a sua coerência com
os vossos anseios e aspirações. O candidato ou o partido, por si só, jamais
representarão as vossas aspirações. Eles representam os interesses daqueles que
se servem da vossa miséria para o próprio enriquecimento.
Estimados “prejudicados”, durante os próximos sete dias
que nos separam do dia das eleições, os aparelhos electrónicos e os programas
informáticos que utilizais para comunicar-vos com os vossos amigos/amigas,
familiares, namorados/namoradas, colegas de serviço, etc, deveriam ser utilizados
para amadurecer o que quereis escolher para o vosso (nosso) País para os
próximos cinco anos, e o porquê! Acertar na escolha do que se pretende é já
meio caminho andado na construção de uma sociedade sem turbulências. Os
partidos políticos e os candidatos à presidência já tiveram tempo suficiente
para fazer as próprias campanhas. Daqui até o dia 15 seria tempo útil para vós
analisardes os seus discursos, pensando na vossa situação atual e naquilo que
pretendeis.
Estimados destinatários da presente Carta, considerai que
o vosso papel é crucial no inteiro processo que visa lançar os fundamentos do
progresso das instituições políticas moçambicanas. Os verdadeiros construtores
da justiça social não são os detentores do poder porque esses tendem sempre a
multiplicar as injustiças para promover e estender os próprios privilégios. Os
obreiros da justiça são os prejudicados e vós “prejudicados” de Moçambique,
tendes a missão e a chance de instaurar um Moçambique novo. A vossa posição é a
mais privilegiada porque não tendes nada a perder, tudo quando tendes é ganhar.
O vosso ganho é o ganho de todos. A vossa auto-libertação será também a
libertação daqueles vossos compatriotas que julgam-se felizes e realizados
servindo um sistema clientelar injusto que sobrevive sugando das
potencialidades desperdiçadas de todos os “prejudicados” condenados à
marginalização.
Alfredo
Manhiça
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