Em Moçambique, o raciocínio dos académicos moçambicanos face a determinados assuntos é frequentemente associado à sua apetência por projeção política. Esta é uma opinião que os visados contestam.
Nos últimos anos, Moçambique vive momentos marcantes de debate público sobre assuntos importantes do país, com a sociedade civil, académicos e intelectuais a assumir um papel de destaque.
A par deste cenário, um fenómeno, para muitos fora do comum, tende a emergir com a adesão de respeitados académicos e analistas a cargos, direta e indiretamente, ligados à atividade política.
Do ano passado a esta parte, pelo menos seis académicos, analistas e jornalistas assumiram responsabilidades políticas e outros exercem-nas de forma indireta, através de opiniões públicas que muitas vezes favorecem os seus partidos políticos.
Adriano Nuvunga, do Centro de Integridade Pública (CIP), considera que o cenário pode contribuir para o retrocesso do país, "porque os académicos são a massa crítica, a massa pensante, e, por causa de pão e manteiga, ficam limitados. Isso, na verdade, corta a possibilidade de um debate público crítico."
O outro lado da moeda
Venâncio Mondlane, analista político e agora membro sénior do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), concorda com o perigo que esta tendência representa, mas afirma que continua a escrever de forma independente.
"Tive outros textos também que escrevi. Alguns até achavam que eu devia ter consultado primeiro o presidente e eu acho que não há necessidade. Eu sou colunista, sou analista e não vou deixar de sê-lo porque hoje estou no MDM," revela.
Mondlane acredita que é possível ser bom político e académico, simultaneamente. Mas, considera, "a única restrição que existe, falando de forma sincera, é nos momentos da campanha eleitoral. Às vezes, agimos mais por convicção. Mas fora isso, é possível. É possível, é desejável e é assim que tem que ser."
Entretanto, Adriano Nuvunga discorda desta posição. Para o representante do CIP, "ou você é académico e mantém-se numa área que te permita desempenhar isso. Ser político significa tomar partido daquilo que é o jogo político. Só o fato de você dizer que não, ‘eu sou dos verdes’, significa que você, tudo quanto fala, é naquela matriz de ver o mundo dos verdes."
Novas tendências
Mas como explicar a razão desta tendência? De acordo com o sociólogo João Miguel, ocampo político tornou-se um lugar atrativo "por causa das condições que este tem estado a oferecer que, na maioria das vezes, são algumas condições que são um pouco diferentes das outras áreas. Neste sentido, o campo político acaba se tornando um lugar de atração, por parte dessas pessoas que deveriam hostentar esse sentido crítico."
Para resolver o dilema, diz o sociólogo, seria necessário se "criar condições para que a academia seja um lugar atrativo, para que de fato aqueles que têm vocação para a área académica possam de fato fazer a sua missão com alguma isenção, com alguma objetividade e cientificidade."
João Miguel considera que a massa intelectual moçambicana perde referências, com a aparente fraqueza deste grupo face às pressões e tentações do poder político, mas refere que observa-se a emergência de novas mentes, de novas possibilidades que vão enriquecer o debate. "Até porque, hoje em dia, nós temos um espaço público a partir das possibilidades tecnológicas. Tem havido um espaço onde muitas vozes têm estado a circular, muitas pessoas têm estado a apresentar as suas opiniões diferentes,” revela. “Então, eu acredito que o contraditório, o diferente, ainda é possível, sim," conclui.
Se a nova geração de analistas e académicos de Moçambique pode ser a salvação para a promoção de um debate público franco e isento, as nossas fontes consideram também importante a definição e implementação de estratégias claras que estimulem o desenvolvimento da massa crítica sem influências partidárias.
Fonte: Deutsche Welle – 07.10.2014
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