sexta-feira, dezembro 14, 2012

"A não ser que esse teatro da incompreensão se destinasse apenas a dar tempo à maioria parlamentar da Frelimo para aprovar, na Assembleia da República, o pacote eleitoral, criando assim um facto consumado"

MARCO DO CORREIO por Machado da Graça
Meu caro Adelino Buque
Espero que esteja de saúde. Eu, felizmente, estou bem.
Escrevo-lhe hoje por causa da crónica que publicou, no Correio da manhã do passado dia 10.
E não me refiro ao PS, provocatório, que me dirige mas sim à própria crónica. Sobre o PS fique com as suas apreensões e, se elas o não deixarem dormir, o melhor é ir a uma farmácia e comprar comprimidos daqueles que facilitam o sono. Não lhe sei indicar nenhuma marca porque tenho a sorte de dormir bem.
Em relação à crónica, o que tenho a dizer é que fiquei bastante surpreendido.
Na verdade, enquanto um ministro, dois vice-ministros e um outro cidadão que desconheço andavam por aí a dizer que não percebiam o que a Renamo reclama e a exigir àquele partido que fosse mais claro para o Governo poder entender as reclamações, o Adelino Buque, militante do mesmo partido daqueles quatro cidadãos, mostra, na sua crónica, que entendeu perfeitamente as exigências da Renamo e até avança com interessantes propostas sobre como elas podem ser construtivamente encaradas.
O que me leva a perguntar porque será que o Governo destacou para as negociações com a Renamo aquelas quatro nulidades e não gente como você e outros, que sem dúvida também perceberam as questões e sobre elas se debruçaram, em vez de andarem a armar em parvos por não perceberem as questões, ou por fingirem que as não perceberam.
Tinha-se poupado tempo, diminuído o risco em que estamos de confrontos e poupado o dinheiro dos contribuintes que está a ser gasto neste exercício.
A não ser que esse teatro da incompreensão se destinasse apenas a dar tempo à maioria parlamentar da Frelimo para aprovar, na Assembleia da República, o pacote eleitoral, criando assim um facto consumado.
Só que, meu caro Buque, se foi essa a manobra, ela pode levar a consequências gravíssimas.
A minha percepão é que, neste momento, não é Afonso Dhlakama quem controla a Renamo. São os generais. Isto a partir do encontro da cúpula partidária em Setembro, em Quelimane.
Ora Dhlakama é um mau político mas é um político. Os generais não são. São gente que pensa com as armas que tem nas mãos. E que, quando lhes fazem brincadeiras dessas, às vezes perdem a paciência e carregam nos gatilhos.
A situação em que nos encontramos neste momento exige serenidade e um encarar das questões postas na mesa com seriedade e espírito construtivo.
O tempo não está bom para golpes de xicos-espertos.
O Governo e a Frelimo escudam-se na Constituição para dizer que nada pode ser alterado. Só que se estão a esquecer que, durante as conversações de Roma, o país redigiu uma Constituição completamente diferente da anterior para acomodar as exigências dessa mesma Renamo e dos seus apoiantes.
A diferença entre o que se passa agora e o que se passou há 20 anos é que, agora, as negociações estão a decorrer sem que haja combates. Mas, se elas não forem conduzidas com a devida seriedade, arriscamo-nos a que elas continuem quando já houver sangue a correr no nosso país.
Um abraço para si do
Machado da Graça
Fonte: CORREIO DA MANHÃ  in Mocambique para todos – 14.12.201

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