sábado, junho 14, 2014

A nossa ditadura multipartidária

Por Adelino Timóteo

Caro confrade Eduardo White,
 
Concordo que há, no país, uma oposição armada, mas é também verdade que temos um Governo da Frelimo armado até aos dentes contra o seu próprio povo. Em 2001, as tropas do Governo armado mataram 140 presos numa cadeia em Montepuez; em 2005, mataram seis pessoas em Mocímboa da Praia; nas manifestações em Maputo, em 2010, as mesmas tropas mataram nove civis; nas eleições de 2013, mataram sete civis. O mundo lembra-se disso? Isso é democracia multipartidária ou ditadura multipartidária?

Em 2012, as tropas armadas do Governo prenderam, numa eleição em Inhambane, quarenta membros dum partido da oposição; em 2009, três membros dum partido da oposição foram atacados na sua sede, em Gaza. Nas eleições de 2013, as forças armadas do Governo atacaram um candidato da oposição na Beira, e mataram o músico Max Love, em Quelimane, a tua terra.
 
Em 2013, as forças armadas do Governo atacaram duas sedes de outro partido político, o que resvalou na presente guerra civil.

Neste contexto, temos umas forças da Frelimo armada a serem agredidas pelas forças armadas dum partido da oposição, que, em 2012, em Nampula, viu a sua sede assaltada, o seu presidente a viver em prisão domiciliária, facto praticamente que vinha acontecendo desde 2009, perante o silêncio de todos os que agora falam de mortes de civis.

Precisamos dum momento de lucidez para dizer que não queremos nenhumas forças armadas, nem da Frelimo nem da Renamo.
 
Precisamos de ter a lucidez para dizer que, em 1975, as forças da Frelimo produziram traumas. Prenderam muitos destes renamistas que no estado de necessidade objectivo voltaram a pegar em armas, porque esta Frelimo dos últimos dez anos tem sido muito violenta com o povo, no recurso que faz às suas forças armadas para atacarem sedes de partidos, proibir actividades e reuniões políticas, em todo o país.

As forças armadas da Frelimo não estão só de “Kalashnikov” em mão. As forças armadas a soldo do Governo operam através da burocracia, da administração, como o fizeram em 2009, ao proibirem 12 partidos de concorrerem às eleições.

Temos que ter a coragem suficiente não só para pedirmos o desarmamento das forças da Renamo, como também as do Governo. Temos que ter a coragem de exigir que doravante nenhuma sede de partido político da oposição seja vandalizada pelas tropas armadas do Governo.
 
Temos que ter a coragem de exigir que as forças armadas do Governo que assaltaram alguma “mídia”, através do seu braço armado, vulgo G40, permitam que os jornalistas da “Miramar”, “Notícias”, TVM, “Público” sejam verdadeiramente livres no usufruto da liberdade de imprensa.


Caro poeta,

Estarás lembrado que Uria Simango, Joana Simeão, Lázaro Kavandame, Unhai, entre outros, eram civis e foram fuzilados pelas tropas armadas do Governo da Frelimo? Estarás lembrado que, em Murrupula, no ano passado, foram fuzilados três membros da oposição por essas mesmas forças que matam tanto como as que acusas de matar? Estarás lembrado que Marcelino dos Santos gaba-se de ter matado Uria Simango e outros? Estarás lembrado que a nossa justiça doméstica não é flexível em mexer um processo para exumar mais de 1700 civis que a Frelimo matou em M'telela, para devolvê-los aos familiares, por forma que possam ter um funeral condigno?

Temos que ter olhos não só para ver os males do vizinho, como os males que passam em nossa própria casa.

Um país justo e pleno só sairá da vontade de os dois beligerantes se regenerarem e reconhecerem os males que têm causado a todo o povo. Repara que disse dois.
 
Caro poeta, temos que pedir o desarmamento da Frelimo não só no exército, como também na economia, para que todos os moçambicanos tenham oportunidades iguais, para que os recursos de Cabo Delgado não sejam apenas para os generais que incitaram esta nova guerra, porque não querem dividir nada nem com os indigentes.

Agora que se recolhem a assinaturas de candidatos, nenhum notário está cheio de membros da Frelimo, mas os membros da oposição são obrigados a se apinharem lá, sob o risco de serem de novo excluídos pela Comissão Nacional de Eleições.
 
Há que humanizarmos o nosso Estado, claro sem um partido que se mantém armado dentro das instituições e que não permite que seja um verdadeiro e viável Estado.

O motivo desta guerra civil e das mortes a que assistimos todos os dias é único: há “patriotas” insaciáveis que compraram armas para negociar a paz, e dizem que os outros são inimigos da paz. Pensemos na canalhice desta forma de patriotismo.
 
Se somos todos filhos inscritos e proscritos desta pátria, porquê uns são filhos da pátria e outros enteados? (Adelino Timóteo)

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