O arcebispo emérito da Beira Jaime Gonçalves, mediador do acordo que selou em 1992 o fim da guerra em Moçambique, defende que o documento ainda é a solução para os conflitos no país e deve ser revisitado pela Igreja.
"O documento do Acordo Geral de Paz continua a ser o mais actual e ainda é a luz para a solução dos conflitos em Moçambique", disse em entrevista à Lusa o mediador da Conferência Episcopal moçambicana e do Vaticano no entendimento alcançado a 04 de outubro de 1992 em Roma entre Governo e Renamo (Resistência Nacional Moçambicana).
Mais de duas décadas após o acordo histórico, que marcou o fim de 16 anos de guerra civil em Moçambique, o país vive sob ameaça de novo conflito entre os mesmos protagonistas e Jaime Gonçalves entende que a Igreja Católica não a pode ignorar.
O povo Moçambique espera um novo diálogo mas também questiona "onde estão aqueles que fizeram a reconciliação", segundo o prelado, destacando que os acordos de Roma "foram obra da Igreja Católica".
"É nesse sentido que se fala de que a Igreja Católica deve renovar o compromisso de reconciliar o povo moçambicano", sustentou Jaime Gonçalves, lembrando ao mesmo tempo que estes processos têm "a sua lentidão".
A oposição da Renamo não reconhece os resultados das eleições gerais de outubro de 2014, ganhas pela Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), no poder desde a independência, e ameaça tomar pela força seis províncias do centro e norte do país, tendo pedido mediação do Presidente sul-africano, Jacob Zuma, e da Igreja Católica.
Para Jaime Gonçalves, as raízes do agravamento da violência política em Moçambique começaram, no entanto, mais cedo.
Após o Acordo Geral de Paz, as Nações Unidas aconselharam a que existisse apenas um exército sob ameaça de nova guerra, integrado por homens dos dois lados e que a Renamo poderia manter uma segurança armada para protecção dos seus dirigentes até às primeiras eleições democráticas, em 1994.
O problema da segurança, segundo Jaime Gonçalves, "permanece até hoje", argumentando que a entrada de Armando Guebuza, em 2004, para a Presidência moçambicana, substituindo Joaquim Chissano, que vê como "um moderado", conduziu à discriminação dos homens da Renamo.
Guebuza, chefe dos negociadores do Governo em Roma, "nunca aceitou o diálogo" e, com sua subida ao poder, disse o arcebispo emérito, "os homens da Renamo que tinham sido integrados pelas Nações Unidas para unificar o exército foram todos postos fora" e a segurança armada da oposição nunca foi desmantelada.
Neste cenário, segundo o mediador de Roma, a Renamo ficou "um movimento descamisado", com os seus homens em casa e que "Guebuza não aceitou", numa política que classifica de "astúcia e contemporização" até que a oposição "começou a perguntar? Que brincadeira é esta?'".
De acordo com o religioso moçambicano, os graves confrontos em 2013 em Maringué, no norte de província de Sofala, foram provocados por homens que deviam estar nas forças de defesa e segurança "mas retirados de lá" e que Jaime Gonçalves situa como um marco do reinício da violência política no país.
"Não se pode perceber a dificuldade do diálogo, não se pode entender este problema sem Maringué", observou.
Para antigo mediador, os acontecimentos recentes deixam claro que "o Acordo Geral de Paz não está a ser praticado pela Frelimo" e que os incidentes envolvendo Afonso Dhlakama são a demonstração de que prevalece uma linha dura no partido no poder e o objectivo de eliminar o líder da oposição.
"Para mim foi uma humilhação terrível o Presidente da República [Filipe Nyusi], o mais alto magistrado da nação, ir a Angola aprender como mataram Savimbi", disse ainda o autor do livro "A Paz dos Moçambicanos".
Fonte: LUSA – 18.02.2016
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