O mediador católico do Acordo Geral de Paz em Moçambique Jaime Gonçalves atribui ao ex-presidente norte-americano George Bush influência decisiva junto do Governo moçambicano para que aceitasse o diálogo com a oposição no entendimento histórico de Roma em 1992.
Em entrevista à Lusa, o arcebispo emérito da Beira e figura central dos acordos de Roma, que, a 04 de outubro de 1992, encerraram 16 anos de guerra civil entre Governo moçambicano e Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), afirma que, perante a oposição do partido dominante, Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ao diálogo direto, era preciso alguém com poder sobre o então Presidente Joaquim Chissano e "quem tinha esse poder era Bush".
Segundo Jaime Gonçalves, os mediadores da primeira abordagem entre as partes, nos embrionários encontros de Nairobi (o ex-presidente queniano Daniel Moi e o chefe de Estado do Zimbabué, Robert Mugabe), concluíram que a paz só chegaria com diálogo directo, o que colocou o religioso no caminho de Roma e de um encontro com o antigo chefe da diplomacia italiana.
"'Olha [Giuliu] Andreotti, nós precisamos de alguém que possa convencer o Presidente Bush a fazer Chissano aceitar o diálogo. Você pode fazer'", afirmou à Lusa Jaime Gonçalves, mediador do Acordo Geral de Paz pelo Vaticano e Conferência Episcopal moçambicana, reproduzindo a conversa que disse ter mantido com o antigo ministro italiano.
Do mesmo modo, recordou, fez igual pedido ao Vaticano, com vista a envolver Bush no sentido de levar a Frelimo e Renamo à mesa das negociações.
Chissano, nas palavras do arcebispo emérito, acabou por "suavemente levar o partido" a aceitar o diálogo, o que acabou por acontecer, na capital italiana e sob mediação da organização católica Comunidade de Santo Egídio, uma circunstância histórica e até então marcada pela impossibilidade.
O autor do livro "A Paz dos Moçambicanos" lembra que a Igreja começou a abordar a guerra em Moçambique, em 1982, num encontro do ex-Presidente Samora Machel com confissões religiosas, falando sobre a necessidade de entendimento.
O Presidente da República, descreveu Jaime Gonçalves, "não gostou da piada, porque falando da concórdia entre moçambicano, falava-se na hipótese de diálogo entre Governo e Renamo e colocá-la era crime de segurança contra o Estado".
Apesar da resistência do Governo e do então partido único, segundo o arcebispo, a Igreja insistiu e dedicou 21 cartas pastorais apelando para o fim da guerra por via do diálogo.
Com o então arcebispo de Maputo, Alexandre dos Santos, os dirigentes católicos procuraram o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, em Nairobi e Nova Iorque, mas ele estava na Gorongosa, base histórica da guerrilha.
Jaime Gonçalves, no seu relato, foi levado de avioneta por um jovem piloto português até uma pista sinalizada por militares da Renamo de fachos na mão e o próprio Dhlakama apareceu de moto para transportar o religioso e dizer as palavras que ele mais queria ouvir.
"Admiravelmente, ele aceitou o diálogo", lembra o antigo arcebispo da Beira, que levou depois a mensagem à Presidência moçambicana, já com Chissano no poder, de que a Renamo não acreditava numa solução militar e propunha o Governo do Quénia para mediar as conversações.
Apesar dos encontros de Nairobi terem sido inconclusivos, com o Governo a participar com "uma delegação sombra" e a cúpula da Renamo nas matas da Gorongosa, foram o início de uma aproximação entre as partes.
Jaime Gonçalves considera que os dirigentes católicos precisaram de "muita imaginação, muito trabalho e muito risco" e não tem hoje dúvidas sobre os dois grandes êxitos desses esforços.
"O primeiro sucesso foi termos conseguido que o Vaticano desse 'sombra' às negociações", assinalou, o segundo foi o Presidente moçambicano ir a Roma, porque, antes desse ponto de chegada, "o partido e Chissano não queriam brincadeiras de diálogo".
Fonte: LUSA – 18.02.2016
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