O TRIBUNAL Judicial Distrital de Muecate, em Nampula, condenou um cidadão que responde pelo nome de Aiuba Assane, um mecânico de profissão, a uma pena de quatro meses de prisão, por alegadamente ter sugerido, em público, a transferência do administrador local, Adelino Fábrica, para um outro ponto. O tribunal considerou a atitude de Aiuba Assane como difamação e desonra ao bom-nome do governante.
O caso, que está a ser largamente comentado desde que se tornou público um pouco por toda a província, é igualmente visto como a expressão máxima de uma situação gritante de prepotência e abuso de poder por parte do administrador e de excesso de zelo dos órgãos da Justiça, que para além da pena de prisão arbitrada fixou a indemnização a favor do ofendido no valor de 1500,00 meticais.
O Tribunal Judicial do Distrito de Muecate considera haver matéria suficiente para condenar o cidadão Aiuba Assane à pena suspensa de quatro meses de prisão, pagamento de 3500,00 meticais de despesas judiciais, 100,00 meticais ao seu defensor oficioso e 1500,00 meticais ao senhor Adelino Fábrica, administrador do distrito de Muecate, por cometimento do crime de difamação contra uma autoridade administrativa do Estado – este foi em parte o teor da sentença dos juízes locais do “casoFábrica”, como localmente está a ser rotulado e comentado.
Tudo começa em finais do ano passado, segundo consta da acusação do Ministério Público (MP). O cidadão Aiuba Assane, estando na data em alusão na sua oficina de reparação de motorizadas, com “terceiras pessoas não identificadas”, teria lançado palavras difamatórias contra a honra do administrador do distrito de Muecate, Adelino Fábrica.
Do conjunto de palavras difamatórias figuram expressões como, o administrador Fábrica deve sair do distrito porque ele é indesejável e ainda... Fábrica já foi transferido daqui mas não quer sair... – lê-se na acusação do MP.
De acordo com aquele documento, o comportamento de Aiuba Assane teve como propósito final a difamação do administrador distrital, o que constitui crime de injúria contra a autoridade pública.
O referido arguido não confessa, e nos termos estabelecidos no artigo 408 do Código Penal não é admissível prova alguma sobre a verdade dos factos imputados ao arguido - lê-se na nota.
Assim sendo, de acordo com a acusação, o mecânico teria cometido o crime de difamação, punível pelo artigo 407 do Código Penal, em concurso real de crime de injúria contra as autoridades públicas, artigo 181 do mesmo diploma legal.
Alegadamente, para não perturbar as investigações que se mostravam necessárias, o Ministério Público ordenou, a 22 de Janeiro do ano em curso, a detenção imediata do mecânico de motorizadas, tendo sido liberto condicionalmente a 16 de Fevereiro findo, por ordem do juiz do Tribunal Judicial local, depois do julgamento, aguardando pela sentença em liberdade.
A sentença do caso foi inicialmente marcada para o dia 8 de Março, o que não se concretizou devido à ausência do ofendido, tendo passado para 11 do mesmo mês, mesmo assim sem a presença do ofendido.
FUI DETIDO NO GABINETE DO ADMINISTRADOR
A NOSSA Reportagem esteve na vila-sede do distrito de Muecate, a cerca de 80 quilómetros da cidade-capital provincial, para conversar com Aiuba Assane, o arguido do “caso Fábrica”.
Segundo ele, no dia 22 de Janeiro teria sido solicitado pelo administrador do distrito, Adelino Fábrica, para comparecer no seu gabinete de trabalho. A primeira impressão que lhe ocorreu foi de que estava sendo solicitado para ser “abençoado” com uma parte dos “sete milhões” para incrementar o seu negócio, uma vez que dias antes havia feito uma solicitação ao fundo.
Ao pensar assim enganei-me redondamente. Quando lá cheguei o senhor administrador começou por me dizer que eu andava a falar mal dele e que tinha conhecimento disso. Que eu devia dizer o nome das outras pessoas, pois se assim não fosse poderia mandar-me prender – explicou Assane, acrescentando que dali não voltei mais para casa. Sai do gabinete dele para a cadeia.
IPAJ DIZ QUE FEZ O POSSÍVEL
A CÓPIA do despacho do juiz-presidente do Tribunal Judicial sobre a acusação do Ministério Público, datada de 2 de Fevereiro, marcava o julgamento do Processo nº 18/2010 para o dia 16 de Fevereiro de 2010 e designava a assistente Mariamo Braimo, representante do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) como defensora oficiosa de Aiuba Assane, já que este carecia de recursos para constituir um advogado.
Segundo Mariamo Braimo, o julgamento comparava-se a uma sessão do Governo distrital, por o ofendido, Adelino Fábrica, aparecer como principal orientador em pleno tribunal.
Pedi em vão à parte ofendida para que apresentasse as provas ou testemunhas que sustentassem a alegada violação que o meu cliente cometeu, a ponto de se considerar as palavras por ele pronunciadas como difamatórias e injuriosas contra a figura do administrador do distrito - explicou.
Por se tratar de uma figura pública, segundo foi explicado na ocasião, o administrador não precisava de apresentar testemunhas.
Mariamo Braimo assegurou à nossa Reportagem que fez o máximo para provar a inocência de Assane, mas da maneira como o senhor administrador se exaltava em pleno tribunal e face à apatia da sala fiquei com medo e deixei de dizer qualquer coisa que fosse - explicou.
Porém, ela teria assegurado à nossa Reportagem que recorreria da sentença, mas no dia da leitura desta ela esteve ausente por ter a criança doente, segundo ficámos a saber do tribunal.
Aiuba Assane foi, assim, condenado a quatro meses de pena suspensa. Porém, não poderá escapar ao pagamento de 3500,00 meticais pelas despesas judiciais, 100,00 meticais à sua defensora oficiosa, bem como 1500,00 meticais ao ofendido.
A nossa Reportagem procurou ouvir Mário Burasse, do Ministério Público, sobre as razões que levaram à sua ausência na sala no decurso da leitura da sentença, tendo apenas referido que tinha outras actividades naquela data e hora.
Quanto a eventuais imprecisões e eventual excesso de zelo por parte dos órgãos da Justiça neste caso, o nosso interlocutor explicou-nos que o acusado tem o direito constitucional de recorrer da sentença.
Se ele não percebeu o que se disse na sala que contacte o IPAJ para os devidos efeitos. Para nós o assunto está encerrado - disse.
Este pronunciamento deixou a sala gelada, com os residentes de Muecate receosos sobre a legalidade desta decisão, bem como na incerteza sobre o que futuramente poderá vir a acontecer. Para eles, mesmo que o cidadão Assane tivesse proferido tais palavras, num país democrático, onde existem princípios constitucionais, como a liberdade de expressão, tal não justificaria qualquer motivo de prisão.
Por que é que eu como cidadão não posso expressar a minha opinião sobre o desempenho de um administrador? Ele é uma figura pública, sim. Não se falou da vida privada dele, mas sim do seu desempenho como servidor público. Onde está a difamação? – questionou um jurista da praça, que preferiu não ser identificado.
Fonte: Jornal Notícia - 24.03.2010
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