Editorial do SAVANA
Depois de um braço de ferro de três meses, parece agora mais desanuviado o ambiente entre o governo de Moçambique e os seus principais parceiros no Orçamento Geral de Estado.
De um lado fala-se de moderado optimismo. Cuareneia, o ministro negociador, mesmo de cara crispada, lá foi dizendo que se conseguiu uma solução satisfatória.
Quando ainda é temerário fazer-se um balanço do que realmente foi ganho com o cerrar de posições em torno dos principais desembolsos para os gastos correntes de Estado para o presente ano, mais importante ainda é apurar-se se toda a crise não poderia ter sido evitada.
O ano passado, em duas ocasiões distintas e em plena crise económica mundial, o embaixador irlandês, quando se anunciavam os fundos alocados para 2010, deixou claramente entender a fadiga dos doadores perante a falta de respostas do lado Moçambique e, a oportunidade perdida, de maiores cometimentos financeiros perante o jogo de avanços e recuos protagonizado pelo país recipiente.
Para não haver falsas questões de patriotismo e perda de soberania tão ao gosto dos sectores mais retrógrados e conservadores no establishment moçambicano, o que estava em discussão em cima da mesa não era uma agenda oculta ou um plano inconfessável de subjugação ao estrangeiro. As frustrações das contrapartes dos moçambicanos têm a haver com a deficiente prestação de contas dos montantes entregues, a lentidão na implementação de programas acordados por todas as partes e alvo de matrizes com planos, responsáveis e prazos, a melhoria do clima de negócios, o reforço da democracia e da boa governação.
Claro que democracia e boa governação são jargões suficientemente amplos para aí se discutir tudo. Não se trata de discutir directamente a constituição do MDM em grupo parlamentar ou a eliminação das células da Frelimo no Aparelho de Estado, como tem especulado a imprensa, mas estabelecer-se uma plataforma de entendimento em que os moçambicanos não sejam prejudicados na sua progressão profissional por força das suas convicções políticas e, por outro lado, assegurar uma sociedade mais inclusiva, diversa e pluralista através da participação de grupos cívicos, de pressão, de interesse, de partidos políticos. Dir-se-á que é o mesmo por outras palavras.
Por estas ou outras palavras, as ansiedades dos contribuintes do Orçamento de Estado aumentaram a meio do ano. O governo é pela democracia e pela boa governação mas o percurso conducente às eleições foi demasiado sinuoso, deixando claramente de fora da participação eleitoral, forças políticas que demonstraram, aritmeticamente, que poderiam atingir outros resultados se não fosse o barramento inexorável imposto pela CNE(Comissão Nacional de Eleições). Independentemente dos pronunciamentos na altura de grupos cívicos, igrejas e também dos doadores, tinham sido estabelecidas aberturas legais à altura, passíveis de superar o braço de ferro de então. A opção foi fechar-se a porta à conciliação e manter a exclusão de partidos políticos.
Em privado, o governo e sectores chaves nos órgãos de decisão do país foram avisados de que a factura vinha a caminho.
Mesmo assim, a mensagem não foi entendida em Dezembro quando o embaixador finlandês entregou uma carta curta enfatizando a insatisfação de questões adiadas. O governo respondeu com uma nota burocrática, complementada depois em Fevereiro com novo relatório de 17 páginas “para adormecer o boi” e um esquadrão de tropas de choque enviados para a comunicação social pública em acção de agit-prop(agitação e propaganda).
A tensão pública e a conjuntura fez o dólar e o rand disparar, o prazo final para o fim dos subsídios aos combustíveis aumentou o nervosismo, sucedendo-se as declarações de vários ministros reconhecendo que a torneira dos fundos estava maioritariamente fechada quando, formalmente, os montantes de apoio para 2010 já tinham sido acordados em Maio do ano transacto.
É neste contexto que o governo faz o “volte face” pondo em cima da mesa, a semana passada, uma nova proposta com detalhes e prazos de execução que deixou os seus parceiros de olho arregalado. Como diz o ditado, “quando a esmola é muita até o pobre desconfia”. Neste caso os desconfiados são os ricos, os que têm o dinheiro para desembolsar.
Há agora luz no fundo do túnel, mas nada garante que o futuro seja o regresso ao antigamente da vida. Há desconfianças e feridas que foram abertas. Há energias gastas de duvidoso proveito.
Há dúvidas mesmo se a bonança veio para ficar ou vai ser contratualisada a prazo.
Fonte: SAVANA - 19.03.2010
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