Na sequência das declarações do deputado Mateus Katupha, porta-voz da Comissão Permanente da Assembleia da República, à Comunicação Social, segundo as quais a Lei da Revisão da Lei do Estatuto, Segurança e Previdência do Deputado e a Lei da Revisão da Lei 21/92, de 31 de Dezembro, recentemente devolvidas pelo Presidente da República, merecerão um reexame, as Organizações da Sociedade Civil (OSC) pedem ao Parlamento para que dê prioridade a outros assuntos prementes e seja equitativo, socialmente justo, transparente, ético e observe os princípios de austeridade que têm sido propalados pelo Governo.
Relativamente aos princípios da equidade e justiça social, as OSC consideram que os salários praticados nos cargos referidos não revelam alguma intenção de assegurar esse princípio. A relação entre os salários das funções de um deputado e do Presidente da República e os vencimentos de várias profissões, bem como o ordenado mínimo e o rendimento médio por habitante (PIB per capita) revela clamorosas discrepâncias.
Ademais, mais de 50 porcento dos 23 milhões de moçambicanos, dos quais os deputados representam e defendem os seus interesses, vivem em situação de pobreza extrema, deplorável e humilhante. São exemplos:
i. Cerca de 11 mulheres morrem por dia por falta de maternidade e assistência médica e medicamentosa;
ii. A vacina contra o cancro do útero foi introduzida apenas em três distritos de três províncias, nomeadamente Maputo, Manica e Cabo Delgado porque o país não dispõe de recursos financeiros para expandir para outras zonas. De referir que o cancro do útero está entre as três principais causas de morte da mulher em Moçambique.
iii. Algumas regiões de Moçambique tais como Chókwè, Beira, Matola (Liberdade), afectadas pelas calamidades naturais permanecem em situações deploráveis e desumanas, há mais de seis meses, por alegada falta de condições adequadas e atempadas.
Por exemplo, existem escolas que servem de Centros de Acolhimento que, para além de não proporcionarem condições de habitabilidade, impedem centenas de crianças de terem acesso à educação;
iv. A menos de 40 km dos centros urbanos existem crianças que ainda estudam sentadas no chão, de debaixo do sol, da chuva, de tempestade, de todo o tipo de barulho e de distracções, situação que se agrava nas zonas rurais.
Para além disso, sob o argumento de falta de recursos financeiros, materiais e humanos, as crianças com necessidades educativas especiais continuam sendo excluídas e discriminadas quanto ao acesso a educação;
v. Existe uma grande discrepância entre os salários dos dirigentes e quadros superiores do Estado e da Administração Pública e os salários médio e mínimo do cidadão. Por exemplo, o salário mínimo nacional de vários Sectores não é suficiente para adquirir uma cesta básica para uma familia média de cinco pessoas;
vi. As pessoas continuam a ser transportadas em camiões, vulgos “Ver Moçambique”ou “My Love” como se de mercadoria se tratassem. Entretanto, o Governo argumenta não ter recursos para o efeito conferir alguma dignidade para as pessoas que necessitam de se descolar diariamente para diferentes locais para os seus locais de ensino e aprendizagem e de trabalho que tem contribuído para o crescimento e desenvolvimento do país;
vii. Os jovens continuam sem habitacão e oportunidades de emprego que lhes possa conferir a dignidade humana, ora invocada pelos ilustríssimos deputados;
viii. O subsídio social básico para a terceira idade que é distribuído de dois em dois meses ronda entre os 280 meticais (para uma pessoa) e 550 meticais (para cinco pessoas). Este valor só chega para comprar apenas um pão durante a 11 dias;
ix. Existe, no ponto de vista da Sociedade Civil, outra lei mais premente que carece de sua aprovação e que jazem na casa do povo há mais de 07 anos, nomeadamente a Lei de Direito à Informação.
a) Princípio da Austeridade. A evolução dos salários dos funcionários tem sido rápida e o volume de salários do Estado representa, neste momento, quase 11 porcento do total da riqueza gerada na economia moçambicana, uma das facturas mais elevadas do mundo.
Em 2014, o aumento da massa salarial de funcionários públicos aumentou em 13 porcento, acima do crescimento económico e mais de duas vezes a inflação esperada para este ano. Esta evolução é similar ao aumento rápido dos gastos públicos do Estado, tanto em termos absolutos como em proporção do Produto Interno Bruto. Existe um evidente despesismo e incremento da dívida pública, atingindo níveis de elevado risco de sustentabilidade.
i. Aprovando-se a proposta de Lei sobre os Deputados a situação irá se afigurar da seguinte forma: O salário de um deputado será 23 vezes superior ao salário mínimo na agricultura. O chefe de bancada possuirá rendimentos 46 vezes superior ao salário mínimo na agricultura.
ii. Um deputado aufere um salário três vezes superior ao de um professor e investigador auxiliar (que deve possuir o grau de doutor), 10 a 11 vezes mais que o salário de um docente com a categoria N3 (nível 3 - escola secundária), quatro vezes o salário de que um médico assistente de um hospital e entre 16 e 18 vezes o salário de um assistente técnico de saúde.
2. Na eventualidade dos Representantes do Povo (Parlamentares) considerarem pertinente e incontornável a discussão destas leis, nós, a Sociedade Civil propomos que os debates decorram tendo em conta os princípios ulteriores:
a) Princípio da Transparência. As decisões sobre os salários, benesses e garantias constituem um peso substancial no Orçamento do Estado que por sinal é igualmente suportado pela contribuição das cidadãs e dos cidadãos.
Nestes termos e por respeito a estes contribuintes, entendemos que a discussão das referidas leis deve ser ampla estendendo-se à sociedade em geral e as Organizações da Sociedade Civil de forma específica que, desde já, se prontificam a intervir dando o seu contributo através de pareceres, tal como tem acontecido em outros processos legislativos;
b) Princípio da Ética. Neste domínio específico, referimo-nos à Lei de Probidade Pública, (Lei número 15/2012 de 14 de Agosto) que se aplica aos Servidores Públicos com vista a assegurar a moralidade, a transparência, a imparcialidade e o respeito na gestão do Património do Estado.
À este respeito, e seguindo o espirito e a letra deste importante diploma legal, os funcionários são servidores públicos, pagos pelos impostos que advém também da contribuição das cidadãs e dos cidadãos, e que por isso, devem manter profundo respeito na utilização dos recursos públicos.
Este princípio é ainda mais afincado, porque cerca de 45 porcento das despesas do Estado ainda são suportadas pelos impostos de cidadãs e cidadãos de outros países no âmbito de uma cooperação solidária. Agradecemos, desde já, a atenção de V. Excias, confiantes de que o nosso posicionamento merecerá a devida atenção, e colocamo-nos à disposição para qualquer questão concernente ao assunto vertente.
As organizações subscritoras: Centro de Integridade Pública (CIP), Fórum Mulher, Fórum Nacional de Rádios Comunitárias (FORCOM), Liga dos Direitos Humanos (LDH), Liga de ONGs de Moçambique (JOINT), Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), Comunicação para a Saúde (N’weti), Rede de Homens pela Mudança (HOPEM), Marcha Mundial das Mulheres, Rede de Organizações da Sociedade Civil que trabalha na área da Criança (ROSC), Mulher e Lei na África Austral/Moçambique (WLSA), Comunicação para o Desenvolvimento (SEKELEKANI), Centro de Estudos e Promoção de Cidadania, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CODD), Fórum das ONGs de Gaza (FONGA), Observação de Meio Rural (OMR) Rede Uthend (RUTH), Fórum Moçambicano do Orçamento, Fórum Moçambicano das Mulheres Rurais (FOMMUR), Grupo de cidadãos/indivíduos comprometidos com a Justiça Social.
Fonte: @Verdade - 30.06.2014
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