Reflexão de Adelino Buque
O assassinato, recente, do nosso concidadão Mido Macia, taxista de profissão, em serviço na África do Sul, criou em mim, acredito que em outros moçambicanos, um sentimento de revolta e, quiçá, da necessidade de fazermos algo em nossa defesa porque os canais da diplomacia governamental parecem estar a falhar. Esse falhanço não se deve atribuir ao actual titular da pasta em Moçambique, mas a toda estratégia das relações externas do nosso país. Definitivamente é um falhanço, pelo menos no que é do interesse do cidadão, ver os seus direitos respeitados.
Voltando ao “caso Mido Macia”, é revoltante saber que os instrumentos que reprimiam os cidadãos sul-africanos, que eram tidos como "nada" no seu próprio território, entretanto Moçambique ajudou a libertarem-se dessa masmorra do apartheid, são usados contra nós, moçambicanos, por aqueles que eram objecto dessa repressão.
O que eram aqueles seis ou oito polícias durante os anos 80? Trata-se de gente estúpida que nem sabe dizer um simples "obrigado”a quem a ajudou.
Existe um princípio chope que diz “se ajudares a salvar a vida a alguém, deixe-lhe com uma marca de modo a servir de lembrança sobre o momento que passou". Nós não o fizemos, ajudámos e não os marcámos, como diz a sabedoria chope.
Isto é revoltante. Revoltante é vermos do nosso lado símbolos a serem erguidos de luta contra o apartheid e a brindarmos com gente que, de regresso ao seu território, promove a carnificina ou fica indiferente em relação aos que a promovem contra os nossos cidadãos. Que diplomacia é esta? Por que devo partilhar sonhos com alguém que não tem consciência do seu próprio ser!
A forma como as coisas acontecem, parece-me faltar o amor-próprio dos moçambicanos, simbolizado pelos instrumentos da diplomacia. Na verdade, Mido Macia morreu arrastado por uma viatura policial, portanto do Governo da África do Sul. É o Governo da África do Sul, através dos seus agentes, que matou Mido Macia.
Neste momento vivemos a pior tragédia de inundações na província de Gaza, muito concretamente, no distrito do Chókwè. As águas que inundaram a cidade de Chókwè não são da chuva, mas resultam da sua libertação a montante para evitar estragos lá e adequar a capacidade de encaixe que as barragens possuem. Esta libertação das águas poderia acontecer na mesma, com aviso prévio sobre os impactos na cidade e em Gaza, no geral; poderiam ser faseados de modo a permitir que as pessoas se recolham para locais seguros sem grandes percas de bens. Neste caso específico, nem precisamos de recorrer ao sacrifício deste povo para a libertação desses estúpidos do apartheid, basta recorrer àquilo que são as convenções internacionais sobre a partilha de águas. Nada disto é observado. Inundam-nos de água e depois mandam alguns helicópteros para nos "salvarem" das águas que propositadamente libertaram sem aviso prévio. Ainda assim, o nosso Chefe do Estado vai agradecer!
Onde está a auto-estima?
Sim porque, ao invés de agradecer, deveria ser enviada uma equipa técnica para exigir responsabilidades sobre esta tragédia nacional. Moçambique não tem de agradecer nada, tem é de ser indemnizado pelos danos causados pelas águas libertas do lado sul-africano.
Acima dizia que a estratégia geral da diplomacia moçambicana está a falhar. O caso da África do Sul é gritante, mas não é o único. Temos o caso das relações Moçambique/Portugal, onde para um moçambicano deslocar-se a Portugal precisa de fazer um exercício e rezar por todos os santos para que seja autorizado. Temos moçambicanos que não conseguem sequer um visto de trabalho como futebolistas, contudo, os portugueses entram como se estivessem a entrar na casa da sogra e ainda maltratam os nossos compatriotas em seu próprio território. Os casos recentes de recambiar portugueses mal documentados quase despoletava uma crise por parte dos portugueses que exigiram explicação. Do nosso lado, nunca exigimos explicação, talvez porque pensamos que é nosso destino sermos discriminados. Mais uma vez, onde anda a auto-estima?
O caso de Angola, outro país dito “irmão”,é outro.
Que o digam os nossos concidadãos músicos a forma como o seu trabalho é tratado oficiosamente naquele território. Ficamos quietos ou indiferentes.
Que diplomacia é esta?!
Definitivamente, o capítulo de diplomacia moçambicana ou seja as relações de Moçambique com a região e o mundo devem ser seriamente debatidas a nível da sociedade e serem destacadas nos manifestos eleitorais. É preciso que se torne claro o papel do estado na defesa do cidadão. E são necessários exemplos claros sobre o enunciado. Se a nossa diplomacia não fizer nada, os estrangeiros podem começar a sentir-se inseguros no nosso território, sobretudo os sul-africanos. Nós merecemos mais respeito!
Basta!
PS1
Estimado leitor, terá notado que ao longo do texto usei uma linguagem que não é habitual em mim, é sinal indelével da revolta que sinto, custa-me o que está a acontecer sob o olhar sereno e impávido das nossas autoridades. Para além das declarações de apoio que são bons, o que está sendo feito pelo Governo para que o “caso Mido” seja de facto punido? Retornamos à diplomacia silenciosa? Qual é o preço dessa diplomacia para o cidadão moçambicano?
PS2
Manifesto a minha solidariedade para com a família do Mido Macia e tantos outros Midos Macias que são vítimas de repressão no território sul-africano e desejar que isto tenha os dias contados, sob pena de perdermos a paciência!
Fonte: Correio da Manhã – 11.03.2013
2 comentários:
De que diplomacia fala o senhor Buque?
Do lucro ou do tempo de Machel?
Uma estátua para Macie.
Zicomo
Eu também estou muito revoltado.
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