EDITORIAL do Savana
As
circunstâncias em torno da trágica morte do nosso irmão Emídio Macie, nas mãos
de oito agentes assassinos pertencentes à polícia sul-africana, trouxeram uma
rara expressão de unidade entre os moçambicanos, à medida que estes iam
manifestando o seu sentimento de revolta perante o triste acontecimento do
último dia de Fevereiro.
Mesmo
que o eleitoralismo também tenha mostrado a sua face oculta, foi fácil
compreender que é também nestes raros momentos de pesar, que os políticos
aproveitam para fazer as suas campanhas não solicitadas.
Os
familiares em luto, simplesmente pouco ou nada têm a fazer, ao ver a sua
tragédia transformada numa plataforma política para atrair votos.
Na
verdade as imagens de um vídeo amador que correram o mundo inteiro, deixaram
qualquer ser humano racional a questionar se aquilo não podia ser a cena de um
filme retratando algum episódio dos primórdios da colonização em África.
Ao mesmo
tempo que clamavam pela retaliação, alguns moçambicanos encontravam naquele
acto macabro mais uma evidência do sentimento de xenofobia que os
sul-africanos, com um prazer sádico, nutrem pelos moçambicanos.
Mas, é
preciso ir mais a fundo e tentar encontrar razões naquilo que pode ser descrito
como o sindroma de mudança sem transformação.
Apesar
da liberdade ter sorrido para a maioria da população da África do Sul em Abril
de 1994, algumas instituições do anterior regime do apartheid mantiveram-se
intactas do ponto de vista estrutural e nos seus métodos de actuação, como se
nada tivesse mudado.
Uma
dessas instituições é, sem dúvida, a polícia, incluindo a entidade governamental
a que ela se subordina, o Ministério do Interior, que também tutela os serviços
de migração. O modus
operandi da
polícia sul-africana continua a ser o mesmo daquela polícia que em 1960
massacrou 69 manifestantes negros em Sarpeville, dizimou cerca de 700 jovens
estudantes em 1976 no Soweto, aquela mesma polícia que em 1977, nas suas celas,
espancou até à morte o fundador e líder do Movimento de Consciência Negra,
Steve Biko.
Emídio
Macie não foi morto por ser moçambicano. Ele morreu nas mãos de uma força
policial que acredita nos velhos métodos de brutalidade como forma de afirmar a
sua autoridade. Não reconhecer este facto seria o mesmo que confundir os vários
casos isolados de extorsão de turistas sul-africanos pela nossa polícia como o
reflexo de uma pré-disposição generalizada dos moçambicanos contra os
sul-africanos.
Muitos
sul-africanos não confiam na sua própria polícia e a questão da brutalidade da
polícia está no topo da agenda das diversas organizações cívicas daquele país.
Testemunham isso as diversas manifestações populares de protesto, registadas na
sequência da morte de Emídio Macie.
Em 2011,
durante uma manifestação contra a fraca prestação de serviços municipais num
distrito de Bloemfontein, e numa cena reminiscente da morte de Emídio Macie, um
grupo de cerca de dez agentes da polícia foi filmado a agredir um indivíduo de
nome Andries Tatane, antes de o matar friamente a tiro.
Num dos
episódios mais emblemáticos da inexorável brutalidade da polícia sul-africana,
34 trabalhadores foram mortos em Agosto passado durante uma greve na mina de
platina do grupo Lomnin, em Marikana.
Evidências
recentes revelam que a maioria das vítimas foram colhidas de balas pelas
costas, o que significa que estavam a fugir, não representando, por isso,
qualquer perigo.
E muito
recentemente, não nos podemos esquecer do oficial da polícia inicialmente
encarregue de investigar o caso de homicídio envolvendo o atleta olímpico e
para-olímpico Oscar Pistorius e a sua namorada Reeva Steenkamp. O referido
oficial, Hilton Botha, esqueceu-se de usar as suas botas protectoras para
chegar ao local do crime. O seu acto ofereceu à defesa de Pistorius uma
oportunidade espectacular de tentar desacreditar todas as provas apresentadas
pela acusação.
O
oficial viria subsequentemente a ser afastado do caso, mas não antes de se
saber publicamente que ele próprio era arguido num processo-crime por sete
acusações de tentativa de homicídio, resultante de um incidente em que em 2011,
abriu fogo contra uma viatura transpotando sete pessoas.
Os nove
agentes acusados da morte de Macie dificilmente poderão escapar a uma
condenação que os manterá durante alguns anos privados de liberdade e obrigará
a corporação a pagar milhões de randes em indemnizações, mas enquanto as causas
deste e de outros incidentes similares não forem directamente confrontadas
pelas autoridades sul-africanas, o caso será apenas um episódio numa triste
longa metragem.
Fonte:
Savana – 16.03.2013
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