O Vice-presidente do Instituto Sul Africano para as Relações Internacionais (SAIIA), Moeletsi Mbeki, lançou na tarde de Quarta-feira, no Instituto Real Para Assuntos Internacionais, Chatham House, o livro “Arquitectos da pobreza”. Porque o capitalismo africano deve mudar’. Mbeki, que é também irmão do ex-presidente sul-africano, Thabo Mbeki, usa o caso da Africa do Sul e do Zimbabwe, onde viveu durante o exílio, para discutir e ilustrar, as razões que levam a que alguns países africanos se desenvolvam, ao mesmo tempo que outros se ‘sub-desenvolvem’.
Na opinião de Mbeki, os estados pós-coloniais em Africa herdaram dois tipos de elites nacionalistas: as elites detentoras de propriedades e as não detentoras de propriedade. No caso em apreço, as elites detentoras de propriedade, ao receberem a gestão dos respectivos países dos colonizadores, utilizaram o estado para rentabilizar as suas propriedades, vivendo dos lucros aí produzidos. No caso concreto da Africa do Sul, a elite Afrikaner que recebeu o estado sul africano dos britânicos, nos primórdios do século XX, usou o estado para rentabilizar o bem que detinha, a terra e as farmas. Para tal, usando fundos de investimento, receitas do estado, empréstimos, ajuda e poupanças individuais, construiu infra-estruturas, incluindo um sistema de estradas, telecomunicações e serviço ferroviário, que é um dos maiores de Africa.
Tal sistema ferroviário, por exemplo, destinava-se a possibilitar o escoamento do seus produtos das farmas, para os centros industriais de Johannesburg e a cidade mineira de Kimberly, os maiores centros de consumo da época. Essas elites viviam do lucro dos seus investimentos, possibilitando ao estado a angariação de impostos necessários para a realização de mais investimentos e reabilitação de infra-estruturas, o que facilitou o processo de industrialização na Africa do Sul. O caso das Maurícias também foi citado como fazendo parte deste cenário.
Por outro lado, as elites não detentoras de propriedade, como o que aconteceu na maior parte da Africa sub-Sahariana, incluindo Mocambique, quando chegou ao poder, substituiu os colonizadores e priorizou a sua própria capitalização, usando fundos do estado, que deveriam ser utilizados para a construção ou manutenção de infra-estruturas indispensáveis para a industrialização. Para satisfazer as suas bases de apoio, tais elites ao invés de investir na criação da riqueza, apostando no empreendorismo e na criação ou manutenção de infra-estruturas que criassem empregos, aumentou as despesas sociais (saúde, educação, expansão do acesso a electricidade), o que criou uma situação crónica de deficit nas contas nacionais, levando seus países numa espiral de consumo crescente sem produção ou manutenção das infra-estruturas de produção. O resultado e o enriquecimento exponencial da elite no poder, ao mesmo tempo que cresce o empobrecimento das massas rurais, daí o surgimento de greves dos trabalhadores, da policia, militares, conflitos armados, fome e até guerras.
Para ilustrar sua teoria, Mbeki comparou a estratégia das elites post-coloniais africanas com a das elites Sul-Asiaticas, citando os casos paradoxais entre o Ghana e a Coreia do Sul. Por exemplo, em 1965, o Ghana possuía um rendimento por pessoa superior ao da Coreia. Em 1972, os níveis de rendimento por pessoa na Coreia eram quarto vezes mais altos que os do Ghana. Entre 1965 e 1995 as exportações Coreanas aumentaram 400 vezes, enquanto que as do Ghana cresceram apenas 4 vezes!
Outro exemplo citado por Mbeki e o caso da elite sul-africana do ANC que uma vez no poder usou o estado, através de politicas de acção afirmativa, para criar uma elite negra parasita, que não produz riqueza mas em contrapartida tem consumos excessivos. O recente caso dos multimilionários 'Mercedes Benz' dos ministros do governo do ANC foi citado como um dos exemplos do consumismo da nova elite. e a recente greve dos militares do exército sul-africano, bem como os ataques xenófobos aos estrangeiros na africa do Sul. como o resultado do crescimento do fosso entre a elite cada vez mais rica e as bases cada vez mais pobres.
A recente crise de energia na Africa do Sul, também serviu de ilustração à tese de Mbeki. Preocupado com seus apetites consumistas, a elite do ANC pos-1994, ‘convenientemente esqueceu-se de investir’ no sector energético, mas lembrou-se de alargar o acesso de energia distribuição de rações às camadas mais pobres. O resultado não se fez esperar, foram os apagões eléctricos nas maiores cidades do país, consequência do deficit energético que hoje invade a Africa do Sul, e a que Moçambique não ficou imune, e originou o adiamento da construção da Mozal III. Um cenário semelhante ocorreu na Nigéria, onde as elites pós-coloniais convenientemente se ‘esqueceram de investir' naquela que era uma das maiores redes ferroviárias do país, e que hoje colapsaram, fazendo com que um quarto da produção agrícola se perca no campo, por falta de transporte para os centros de consumo.
Manuel de Araújo
In Diálogo sobre Mocambique - 02.01.2013
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