terça-feira, março 05, 2013

Moçambique: Entrevista exclusiva ao líder do MDM, Daviz Simango

Maputo - «Moçambique deve aproveitar as capacidades e oportunidades da crise na Europa para promover incentivos ao investimento privado português», refere Daviz Simango (DS), Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), em entrevista exclusiva à PNN.

O líder do terceiro maior partido da oposição reconhece que Portugal enfrenta vários problemas internos, típicos da conjuntura da União Europeia, que o MDM tem esperança que irá, com tempo, ultrapassar.

PNN – Qual é o posicionamento do MDM face à situação da Renamo, ao negar participação nas Eleições Autárquicas de 2013?

DS - Os partidos políticos regem-se por princípios próprios, equipam-se e montam estratégias próprias para atingirem os seus objectivos e planos, por isso, penso que eles sabem o que fazem.

PNN - Se o MDM está preparado para ocupar a posição de maior partido da oposição em Moçambique, que estratégias e planos pensa realizar nesta condição?

DS - Constituímos o partido para chegar ao poder e o compromisso que temos é ajudar os nossos concidadãos a atingirem um Moçambique para todos. Por isso, quando me pergunta se estamos preparados para sermos o maior partido da oposição, diria que ultrapassámos já essa distinção dado que somos, até hoje, o único partido que em tão pouco tempo conseguiu estar na Assembleia da Republica e quebrar a bipolarização.

Isto aconteceu mesmo com a exclusão a que fomos sujeitos nas Eleições de 2009. Somos o único partido da oposição que governa território e que pode oferecer alternância ao poder instalado. Por isso, o que vale para nós é a contribuição que temos dado para a construção da sociedade moçambicana, dai que estamos preparados para estar no poder.

Continuaremos a guiar-nos pelas decisões que foram tomadas no congresso, cujas estratégias estão a ser implementadas pelos órgãos do partido a vários níveis, incluindo as ligas.

PNN – Que objectivos concretos estão estabelecidos para as Eleições Autárquicas? (cidades, vilas a concorrer e municípios que o partido pretende conquistar)

DS - O MDM tem uma dimensão nacional, tem a consciência de que a descentralização é uma força motriz para atingir o desenvolvimento sustentável, o exercício da cidadania e, naturalmente, os nossos membros nas autarquias têm ambições de elegerem e de serem eleitos independentemente da distribuição geopolítica.

Vamos exercer o nosso direito constitucional, com esperança de que a situação vergonhosa de Inhambane não se repita nem inspire os que procuram a todo custo perpetuar no poder em nome do povo, com a capa de que são libertadores e detentores dos órgãos do Estado, violando os direitos humanos.

PNN – Que comentários tem a fazer sobre a situação política do país?

DS – Moçambique tem uma Constituição e nela afirma-se como um Estado Democrático, de Justiça Social e de Direito Democrático. Sobre os direitos fundamentais (incluindo a liberdade de participação política) a Constituição ordena que sejam interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (CADHP).

Por outro lado, o Estado é uma instituição juridicamente organizada, ocupando um território definido onde a lei máxima é a Constituição da República, dirigida por um Governo que possui soberania reconhecida, tanto interna como externamente. Portanto, um Estado soberano é sintetizado pela máxima «um Governo, um povo, um território».

Para se aperceber de como a Constituição moçambicana não passa de uma simples folha de papel, dado que o Governo do dia não respeita o espírito nele consagrado, importa revisitarmos o Estado de Direito, o Estado de Direito Democrático, o Estado da Justiça Social e o conteúdo da DUDH, bem como da CADHP.

Daí que nós, do MDM, consideramos o Estado de Direito como um dos principais pilares de um regime democrático e uma ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força, o que permite a protecção dos direitos fundamentais, que justifica a limitação dos poderes do Estado através de sua sujeição ao Direito.

Desta análise pode concluir-se que, embora Moçambique formalmente se afirme como um Estado de Direito Democrático, tal está muito longe de se concretizar, na medida em que vivemos uma democracia incipiente, de fachada, uma democracia amputada.

A maioria do povo carece de bens vitais. As instituições do Estado, incluindo a polícia, a justiça e a Administração Pública em geral, são usados como instrumentos ao serviço de um partido político que governa só porque está no poder, o que contraria o previsto nos artigos 1º, 2º, 3º e 249º, da Constituição da República.

A Polícia em Moçambique é usada contra a Oposição no país, como está a acontecer todos os dias, particularmente contra os militantes, bens e símbolos do nosso partido, o MDM.

Trata-se de uma manobra que periga a construção do Estado de Direito
Democrático e visa consolidar e formalizar as manifestações de partido único, que têm sido seguidas pelo Governo do dia em Moçambique.

Lembremos que foram estas atitudes totalitárias que empurraram o país para uma guerra civil sangrenta e sem precedentes, ou situações recentes vividas no norte de África, que estão bem vivas nas nossas memórias.

A discriminação contra cidadãos que não são membros da Frelimo é endémica e não contribui para a construção da tão propalada unidade nacional que o regime sempre pronuncia. O acesso aos empregos na Administração Pública e no Estado em geral é condicionado pela situação de membro do partido Frelimo. Cidadãos são coagidos a aceitarem ser membros do partido no poder, ou então a morrer à fome. Trata-se de uma grave injustiça que vai contra a dignidade da pessoa humana.

O Estado moçambicano para que seja verdadeiramente um Estado de Direito Democrático, que respeite os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos, precisa de ser emancipado. Precisa de ser livre! Ele precisa de se desacorrentar das amarras partidárias a que foi submetido desde a nascença, em 1975. Apesar de se chamar e estar inscrito na Constituição como Estado de Direito, ele, efectivamente, não existe como tal.

O partido Frelimo, que governa desde a independência, é mais forte que o Estado e tudo faz para destruir a Oposição política, exactamente usando o Estado para se manter ilegitimamente no poder.

Nas últimas eleições intercalares Autárquicas em Inhambane, onde o nosso partido foi o único da oposição a concorrer, a Frelimo usou a polícia para prender, sem justa causa, os nossos membros de apoio logístico aos delegados de candidatura.

A polícia moçambicana está e vai continuar a ser usada pela Frelimo para garantir vitórias ilegítimas e se manter no poder, o que contraria o artigo 249º e seguintes da Constituição, bem como todo o espírito de direito democrático previsto e inscrito.

As políticas nacionais de gestão de recursos naturais servem ao interesse de um punhado de governantes em detrimento dos moçambicanos. A negação ou a sonegação da transformação interna destes serve exactamente para consolidar o tráfico de influências e a rede criada, trazendo os resultados que temos, como a ausência de pequenas e médias empresas, a ausência de incremento de emprego e de transmissão de tecnologia e de profissionalismo aos jovens moçambicanos, o crime organizado com interesses económicos e a partida deste para atingir e perpetuar os interesses políticos. Assistimos a constantes violações de direitos humanos e a um Governo que não responde pelos seus actos.

PNN- Em que nível está a estratégia de relacionamento do partido relativamente à cooperação com Portugal?

DS - Dentro das relações entre os dois Estados, temos esperança que ambos devem cultivar o respeito mútuo no âmbito das nações. O MDM, chegado ao Governo, respeitará os acordos, os dois povos, a soberania dos mesmos e promoverá a abertura de interesses privados e de cooperação entre os dois Estados e povos.

PNN – E quanto ao desenvolvimento das relações entre Portugal e Moçambique?

DS – Dentro do que se torna público ou é do domínio público, parece-nos ser saudável ou, pelo menos, aparenta ser.

PNN - Acha que o Governo português pode fazer mais para melhorar o relacionamento com Moçambique?

DS - Portugal enfrenta vários problemas internos típicos da conjuntura dentro do estado da União Europeia e temos esperança que irá, com tempo, ultrapassar, o que seria bom. De certo modo, a situação deixa o país numa posição desconfortável para dar atenção a outras nações, por isso, não se pode esperar muito de Portugal como Governo nos dias de hoje. O razoável é Moçambique aproveitar as capacidades e oportunidades da crise na Europa para promover incentivos ao investimento privado português, que pode impulsionar algumas áreas da nossa economia.

PNN – Quer partilhar alguma informação sobre a zona franca de Manga-Mungassa, na cidade da Beira?

DS - Eles pretendem transferir grande potencial comercial, turístico, de transporte e de exposição de produtos chineses, tendo a Beira como polo organizacional, o que é bom para o progresso económico da Beira e do país em geral, com uma grande vantagem pelo facto de o porto da Beira estar em superioridade com países da interland, em relação a outros portos da região.

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