terça-feira, novembro 06, 2012

Paz inseparável da justiça - defende Raul Domingos


A PAZ não é algo separado da justiça, verdade, solidariedade, equidade e liberdade. É um processo que leva tempo para se enraizar. Ela não envelhece e é essencial para a democracia e desenvolvimento. Quem assim o afirmou foi Raul Manuel Domingos, líder do Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD), negociador do AGP, na conferência nacional sobre “a consolidação da paz e democracia em Moçambique: O papel dos partidos políticos”, cujos trabalhos terminaram ontem em Maputo.


Orador do tema “20 anos de paz: Ganhos, constrangimentos, desafios e lições aprendidas”, Raul Domingos afirmou que o Acordo de Roma deu início ao processo de construção duma sociedade assente na paz, liberdade, justiça, harmonia, respeito pelos direitos humanos e o Estado social de Direito democrático.


Disse que a paz alcançada na capital italiana, Roma, pelo povo moçambicano não visava apenas o silêncio das armas e outros artefactos de guerra, e muito menos um intervalo para, de seguida, se iniciar um outro conflito.

“É comum designar-se a paz que se limita ao calar das armas como uma paz mínima, ou seja, uma paz negativa que se traduz apenas no aquartelamento dos militares e introdução de paliativos de mudanças”, declarou, acrescentando que em Roma foi acordado construir um Moçambique unido e próspero, no qual reine a igualdade de oportunidades, a primazia da lei, o diálogo, a inclusão e a participação política através de uma democracia representativa e participativa efectiva, conforme documentam os protocolos I a VII do AGP.

Para o líder do PDD, a letra e o espírito do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma entre o Governo de Moçambique e a Renamo a 4 de Outubro de 1992, obtiveram a admiração, simpatia e o acolhimento do povo moçambicano e de muitos outros povos, nações e organizações amantes da paz no mundo. O testemunho dado pelos moçambicanos com a assinatura do AGP e a sua efectiva implementação trouxe a Moçambique vários políticos, estudiosos e admiradores ávidos em apreender da experiência dos moçambicanos pelos sucessos alcançados.

Segundo o orador, volvidos 20 anos, o povo moçambicano regozija-se pelos ganhos conseguidos e que são frutos da paz. Apesar de ténues avanços, disse, lamenta-se e deplora-se a insensatez de certos políticos que à luz do dia gritam e clamam pela paz, mas em privado conspiram contra a paz, aprovando leis, regulamentos e normas que promovem a exclusão, a discriminação e a repressão de milhões de moçambicanos sob o argumento de que o AGP já é um instrumento caduco e fora de uso.

Raul Domingos afirmou que esta dura realidade mostra que nem sempre a paz tem amigos e apoiantes, pois são enormes as ameaças à sua manutenção e consolidação. Disse que os funcionários públicos, os aldeões, os estudantes, os detentores de cargos de chefia e direcção na Administração Pública estão continuamente a serem coagidos a ostentarem um cartão de filiação ao partido do Governo, sob pena de perderem seus empregos e suas bases de sustento, em clara violação da Constituição e da lei.

“A negação e ou sonegação da Constituição e das leis atinge o seu auge quando as instituições vocacionadas a fazerem justiça se mantém ou permanecem indiferentes às violações à lei, desde que a vítima da injustiça seja tido como apoiante de um outro partido e não o partido do Governo, ou desde que não tenha laços de parentesco com quem governa”, afiançou.

Disse que nos anos recentes, o advento e ou a retoma da exploração do carvão e dos hidrocarbonetos trouxeram desafios aos quais os moçambicanos não podem permanecer indiferentes, perante as acções intolerantes de usurpação da riqueza nacional em benefício de um determinado partido político e seus seguidores.

“Estas e outras lições impelem-nos a relembrar que a verdadeira paz deve ser acompanhada da igualdade, verdade, justiça e solidariedade. A paz é inseparável da liberdade e da democracia participativa. O medo e a violência não coabitam com a verdadeira paz”, afirmou.

Disse ser imperioso que se façam esforços para implantar a paz nas mentes dos homens, tendo presente que são as mentes dos homens que criam as guerras. Segundo Raul Domingos, daqui resulta a urgência de se ensinar a paz e os direitos humanos nas escolas para que as crianças e jovens que não experimentaram os horrores das guerras vividas no país cresçam como verdadeiros embaixadores da paz em Moçambique.

Defendeu, aliás, que o futuro da paz no país depende dum forte investimento na educação da população sobre os princípios da paz e direitos humanos. A outra área preocupante é que Moçambique deve ser apoiado para introduzir uma reforma aos seus servidores públicos, estabelecendo uma clara diferença entre o partido no poder e o Estado, em que os funcionários públicos devem ser neutros, apartidários e proibidos de se envolver em actividades políticas nos seus locais de trabalho.

O presidente do PDD afirmou que a classe política governante continua obstinada em construir uma sociedade dividida e orientada para a discriminação política, económica, cultural e social, corroendo deste modo e por opção própria a unidade nacional, a harmonia, o prestígio e o sucesso outrora alcançados. Também são frequentes, no país, os casos de limitações dos direitos e liberdades fundamentais.
Persistem ainda a intolerância, a exclusão social, a partidarizaçao da Administração Pública, que é reflectida pela falta de respeito pelas leis e pela justiça, bem como a multiplicação de células partidárias nas repartições públicas para exercer a vigilância ideológica de funcionários e demais colaboradores.

Raul Domingos afirmou que esta situação da partidarizaçao da Função Pública goza de apoio e silêncio cúmplice de académicos e destacados intelectuais a quem competia ensinar a toda a sociedade que ela tem a função de servir a todo o povo e não um partido político. Lembrou que a Função Pública guia-se pelos princípios de legalidade, igualdade, imparcialidade, continuidade, celeridade e neutralidade política, o que significa que o funcionário não deve, no seu local de trabalho, exercer qualquer actividade política e nem beneficiar, prejudicar e perseguir alguém por razoes políticas ou outras similares.

“Nós acreditamos nos valores e benefícios da paz, da liberdade, da democracia, justiça, verdade e da solidariedade. Apelamos, por isso, a todo o povo moçambicano a contribuir, de forma resoluta, para que a paz e a reconciliação se tornem realidade e não sejam ameaçados e nem postos em perigo no nosso país”, disse.

Afirmou que na óptica dos amantes da paz, o processo de reconciliação, de diálogo permanente, de busca do consenso em questões de interesse nacional e de participação efectiva são essenciais para que se prepare o futuro com optimismo, pois aos 20 anos de paz não é tolerável que se tenha no país uma Lei Eleitoral e organismos de administração eleitoral que não promovam a competição entre candidatos com regras de jogo iguais, transparentes e válidas para todos.

Assim, segundo Raul Domingos, para o bem da paz positiva, é importante que nos próximos pleitos eleitorais, todos os actores interessados possam conhecer os detalhes da nova Lei Eleitoral e os mecanismos de funcionamento dos órgãos de direcção do processo eleitoral, para que se erradiquem as práticas de fraude e ilegalidades que desde 1999 ameaçam o processo eleitoral no país.

“Convida-se a todos os moçambicanos a se envolverem com afinco na preparação dos 25 anos de paz, com a firme convicção de que, unidos, somos capazes de construir em Moçambique um Estado social de Direito democrático, erradicar as desigualdades e as assimetrias, fortalecer a unidade e a identidade nacionais, adoptar como prática corrente a neutralidade na Função Pública, a igualdade de acesso à riqueza nacional, a cultura de paz e de democracia social de direito”, disse.

Dos protocolos do AGP

Numa análise aos protocolos I (dos princípios fundamentais), II (sobre os partidos políticos) e III (sobre a Lei Eleitoral), Raul Domingos afirmou que a situação é que o Governo de Moçambique governa o país sob os princípios de exclusão social e económica, discriminação política, supremacia das instituições partidárias sobre o Estado, uso ilimitado dos fundos públicos para as iniciativas internas do partido no poder e a criação de células do partido em todas as instituições públicas para monitorar a lealdade dos funcionários.

Segundo o orador, sobre as eleições, a conclusão que se tira é que em certas circunstâncias, elas são realizadas para satisfazer a comunidade doadora. Não são realizadas para promover a democracia, uma ampla participação da população, mas apenas uma falsidade para transformar um sistema autoritário de partido único num sistema autoritário multipartidário.

“O autoritarismo eleitoral é uma forma comum de autocracia em que as eleições são realizadas e que nunca permite a alternância do poder”, disse, acrescentando que as eleições devem orientar-se por regras e normas iguais para todos os candidatos, igual acesso ao financiamento, liberdade de associação, expressão, opinião, voto, movimento, acesso igual à imprensa e acesso igual ao direito de protecção pelas autoridades.

No concernente ao Protocolo IV, sobre questões militares, Raul Domingos disse lamentar que o objectivo de constituir um exército nacional com 30 mil soldados, sendo 50 por cento de cada parte, não foi alcançado. Quanto ao SISE e a Polícia Pública, não houve nenhumas mudanças.

Um outro nó de estrangulamento é que o acordo para formar um pequeno número de militares para garantir a segurança da liderança da Renamo como polícias não foi implementado. Disse não ser verdade que a Renamo mantém um exército escondido em Marínguè, pois o Governo está na posse de listas contendo os nomes de todos os soldados indicados pela Renamo para o efeito.

Moçambicanos fizeram a paz

A Embaixadora dos Países Baixos, Fréderique de Man, disse, na abertura da conferência, que apesar de a paz ter sido possível porque houve desenvolvimentos externos, mudanças a nível da região e contado com apoio de vários amigos, deve-se reconhecer, no fim da história, que foram os moçambicanos que fizeram a paz para o seu país.

Fréderique de Man disse haver muitas mudanças no país, mas é óbvio que permanecem desafios enormes. “Temos a paz, mas a sociedade moçambicana ainda tem muitos elementos de violência social, violência entre pessoas, violência doméstica, pobreza, desemprego. Não posso deixar de enfatizar que há um aumento da desigualdade social, económica e política. E isto é um assunto preocupante. Esta desigualdade num país onde as pessoas lutaram tanto para um país melhor e livre. Contrariamente ao passado, agora os moçambicanos têm o destino nas suas mãos”, afirmou.

Disse que todos os partidos políticos, confissões religiosas, académicos e a sociedade civil em geral desempenham um papel fundamental na consolidação da paz.

Fonte: Jornal Notícias – 06.11.2012

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