A tomada da cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo (RDC) pelo grupo rebelde M23 no dia 20 deste mês despoletou uma preocupação geral com as ramificações da crise humanitária na região, que já anda a braços com os deslocados e com os conflitos armados e ataques a civis.
Por isso, cinco líderes dos 11 países membros da Conferência Internacional da Região dos Grandes lagos (ICGLR) reuniram segunda-feira em Kampala, capital do Uganda, para debater a crise.
Os confrontos nas cercanias de Goma levaram ao cancelamento da missão de avaliação das necessidades de serviço humanitário na província do Kivu-Norte – cuja capital é Goma – programada para 19 de Novembro.
O porta-voz dos rebeldes, Vianney Kazarama, aconselhou os residentes, numa mensagem radiodifundida, para continuarem a sua vida normal, dizendo que o M23 veio para garantir a sua segurança. Ele até lhes deu o seu número pessoal de telefone e o de oficiais de serviços secretos para os cidadãos ligarem em caso de alguma preocupação.
Kazarama também apelou aos soldados governamentais e a polícia para se reunirem num estádio no dia 21 de Novembro para um processo de identificação.
Jean Baptiste Musabyimana, um residente de Goma, disse à IRIN que o M23 parece estar a controlar Goma. “Podemos ver o M23 a patrulhar as principais avenidas nos bairros,” disse.
Um outro residente, Florentin Baruti, disse que no bairro de Bwirere, onde os confrontos ocorreram no dia 20 de Novembro, a maioria das pessoas continuavam confinadas nas suas residências mas alguns jovens andavam nas ruas para ver o que estava a acontecer.
“É um alívio que os confrontos tenham terminado logo,” disse Baruti, “mas estamos preocupados com a possibilidade de um contra-ataque das FARDC (forças governamentais).
Uma das principais preocupações das agências humanitárias na região é com 60 mil residentes do campo de Kayarucinya para deslocados internos no norte de Goma pouco antes da chegada do M23 aos arredores da cidade. O campo é um dos cindo à volta da cidade de Goma, que têm uma população combinada de 95 mil pessoas.
“Um dos problemas é que muitas famílias deslocadas foram separadas segunda-feira, dia 19 de Novembro, quando tentavam fugir dos confrontos,” disse Tarik Riebel, coordenador da Oxfam em Goma. “Quando falamos com as pessoas elas dizem que não sabem onde se encontram alguns membros da sua família.”
Ele acrescentou que “de momento alimentos são uma das principais necessidades, e outro são artigos que não são alimentares, e habitação. Tem que haver distribuição destes artigos.”
Crianças deslocadas em risco
O Centro de Monitoria de Deslocados Internos (IDMC) e o Conselho Norueguês para os Refugiados (NRC) alertaram que crianças deslocadas agora “enfrentam o risco de violação, abuso e recrutamento.”
Ao que estamos agora a assistir é uma luta entre o grupo rebelde e o exército está a deslocar os já deslocados, aumentando a dificuldade de assistência de uma comunidade já exausta,” disse Sebastian Albuja, chefe do departamento da IDMC para África.
“Crianças deslocadas internamente, principalmente os rapazes no Kivu Norte, estão particularmente expostas ao risco de serem recrutadas por uma variedade de grupos,” disse Olicia Kalis, Conselheira para Políticas e Advocacia para a NRC no país.
“Os deslocados internos fecham as crianças em casa ou escondem-nas com receio de ataques e recrutamento forçado das raparigas e rapazes pelos actores armados,” disse ela.
Uma outra ONG, a Visão Mundial, exprimiu as mesmas preocupações, estimando em cerca de 200 mil o número de crianças em risco em Goma apenas.
Têm se formado campos espontâneos de famílias deslocadas à volta de Goma, que fogem do conflito. Através dos seus parceiros, a Visão Mundial recebe informações de que na confusão, crianças separam-se dos pais – e as implicações são devastadoras,” disse a agência.
“Nós sabemos de recentes práticas dos grupos envolvidos nos últimos confrontos que crianças não acompanhadas nesta parte da RDC são imediatamente recrutadas pelos grupos armados,” disse Dominic Keyzer, da Visão Mundial, na cidade Gisenye, na fronteira do Ruanda.
Keyzer acrescentou que a violência tinha impedido a resposta humanitária e que a Visão Mundial tinha suspendido alguns programas no leste da RDC.
Aumenta insegurança
O Grupo Crise Internacional (ICG) disse que a “capitulação do governo para o M23 pode ter repercussões nos Kivus e relançar uma guerra aberta entre a RDC e o Ruanda”- que foi acusado de apoiar o movimento rebelde, uma acusação que o Ruanda nega.
A ICG também alerta que a queda de Goma pode levar a ajustes de contas “ou mesmo a execuções extrajudiciais contra as autoridades e activistas da sociedade civil que se posicionaram contra o M23 desde o início da crise.”
A vizinha província do Kivu Sul “foi também afectada pela deterioração da segurança que ameaça milhares de civis e que levou à suspensão ou redução das actividades humanitárias na região,” diz o Gabinete da ONU para os Assuntos Humanitários (OCHA).
O Kivu Sul foi severamente afectado por repetidos confrontos entre vários grupos armados e entre grupos armados e o exército congolês desde Outubro último. Várias aldeias foram atacadas nas últimas semanas, obrigando a fuga de mais de 30 mil pessoas e mais de 300 casas foram destruídas ou incendiadas nos ataques. A violência actual, primeiramente nos territórios de Kalehe e Shabunda, diz-se que matou mais de 160 pessoas nos últimos 10 dias e houve uma séria violação dos direitos humanos. Tensões intercomunitárias complicaram ainda mais a tensão,” disse a OCHA.
Há mais de 1,6 milhões deslocados nas duas províncias do Kivu (norte e sul).
Entretanto, os líderes dos países da Região dos Grandes Lagos reuniram-se esta segunda-feira em Kampala, a capital do Uganda, num esforço para pôr fim aos ciclos de violência no leste da RDC.
Na cimeira estiveram presentes o presidente da RDC, Joseph Kabila, do Ruanda, Paul Kagame, da Tanzânia, Jakaya Kikwete, do Burundi, Pierre Nkurunziza, e do Sudão do Sul, Salva Kiir.
Em Julho último, Kabila e Kagame, juntamente com outros líderes da região dos Grandes Lagos assinaram um acordo que preconiza a criação de uma força internacional neutra para combater os rebeldes nas províncias do Kivu Norte e Kivu Sul.
O acordo apela aos líderes dos Grandes Lagos para trabalharem com a União Africana (UA) e as Nações Unidas “para o estabelecimento imediato de uma força internacional neutra para erradicar oi M23 e as Forças Democráticas para a libertação do Ruanda (FDLR) e todas as outras forças negativas no leste da RDC, e patrulhar e a assegurar as fronteiras.”
No encontro de segunda-feira, os líderes da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (ICGLR), analisaram as recomendações produzidas em encontros anteriores, mas que até agora mostraram pouca implementação, para “estabelecer uma força internacional neutra” para intervir naquela conturbada região.
“Esta força internacional neutra deverá erradicar todas as forças negativas que operam no leste da RDC,” disse em comunicado a ICGLR.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon enviou uma mensagem aos líderes no encontro de Kampala para clarificar “o conceito e modalidades operacionais” da força internacional neutra e decidir como ela se vai enquadrar na MONUSCO, a força da ONU que já tem cerca de 19 mil soldados na RDC.
“Eu continuo profundamente preocupado com a segurança e as condições humanitárias, que continuam a deteriorar-se e representam uma ameaça à estabilidade na região dos Grandes Lagos,” disse Ki-Moon
“Todo o apoio ao M23 e a outros grupos armados no leste da RDC devem cessar permanentemente,” disse ele aos líderes.
Esta é a quarta cimeira em três meses, organizada pela ICGLR.
Desde princípios de Maio, mais de 220 mil civis abandonaram as suas casas no leste da RDC. A maioria deles encontraram refúgio no interior do país, mas dezenas de milhares atravessaram a fronteira para os vizinhos Ruanda e Uganda.
Os rebeldes do M23 desertaram do exército congolês em Abril em protesto contra alegados maus-tratos no exército. Eles tinham antes sido integrados no exército nos termos de um acordo de paz assinado em 2009.
A rebelião está a ser liderada pelo General Bosco Ntaganda, que é procurado pelo Tribunal Criminal Internacional, acusado de recrutar soldados para a guerra.
Fonte: AIM - 21.11.2012
Sem comentários:
Enviar um comentário