- O juiz negou recursos aos advogados do MDM
- 30 dos condenados já estão nas cadeias e 7 não comparecerem ao julgamento
Um julgamento político na cidade de Inhambane saldou na condenação de 37 membros do partido Movimento Democrático de Moçambique (MDM), num caso pouco fundamentado pelo tribunal, em que inclusive os réus foram vedados o direito ao recurso contra a sentença.
O juiz da primeira secção do Tribunal Judicial da Cidade de Inhambane, Alexandre João Ndlovu, proferiu na passada sexta-feira a sentença do processo “act 333/12”, julgado na quarta-feira da mesma semana. Os 37 membros do MDM eram acusados de ter feito campanha eleitoral na boca das urnas, durante a votação para as eleições autárquicas intercalares de 18 de Abril do ano em curso. É um assunto muito polémico e não divulgado por grande parte dos meios de comunicação social, com excepção da Rádio Moçambique.
A leitura da sentença deste julgamento político durou cerca de seis horas, e todos os 37 acusados foram condenados a dois meses de prisão e ainda o pagamento de uma multa de dois mil e oitocentos e cinquenta meticais (2.850,00MT) por cada réu.
Na leitura da sentença, o juiz disse que os cidadãos que estão condenados são acusados de não cumprir com a lei eleitoral, pois eles sabiam que não é permitido fazer mobilização eleitoral perto das mesas de assembleias de voto. Consta nas acusações que os membros do MDM interpelavam pessoas, perto das assembleias de voto, mobilizando-as para votarem no seu candidato Fernando Nhaca, que veio a perder eleições por números muito elevados.
Réus negam todas as acusações
Todos os réus que compareceram ao julgamento negaram as acusações do Ministério Público. Disseram que estavam a fazer a logística do partido, como fornecer alimentação aos delegados do partido às mesas da Assembleia de Voto, mas o Tribunal não considerou os argumentos de defesa e condenou os trinta e sete réus.
“Nós estávamos muito longe das escolas onde decorriam a votação numa distância de mais de trezentos metros da mesa de voto, um grupo da Força de Intervenção Rápida (FIR) chegou onde nós estávamos e bateram-nos, algemaram-nos e levaram-nos para a esquadra, onde nada nos perguntaram. Daí transferiram-nos para a BO, onde passamos alguns dias e fomos para a cadeia civil”, disse um dos réus em defesa do grupo.
Detidos pela Força de Intervenção Rápida
Os membros do MDM, ora condenado, foram detidos no dia de votação para as eleições autárquicas intercalares em Inhambane, pela Força de Intervenção Rápida (FIR). No mesmo dia foi detido o advogado e activista dos Direitos Humanos, Custódio Duma, agora presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos. Duma, que contou com solidariedade de quase toda a sociedade civil, só permaneceu algumas horas na esquadra e foi libertado. Os membros do MDM ficaram detidos até terminar todo o processo de votação e contagem dos resultados. Foram libertados, mas depois julgados em processo sumário crime.
Na altura, o porta-voz da Polícia em Inhambane, Vagomar Armindo, convocou a Imprensa para tentar justificar as detenções que na altura foram consideradas arbitrárias, e disse na altura que os detidos seriam julgados e condenados. Foi no dia 19 de Abril de 2012, um dia após a votação. “ Dos 37 detidos já abrimos processos onde estes vão responder em tribunal”, disse na altura o porta-voz da Polícia nesta província, justificando que os detidos “andavam a mobilizar cidadãos para votarem no seu partido, que é o Movimento Democrático de Moçambique, MDM”, no dia da votação.
Não houve nenhuma prova que fundamentasse tal mobilização. Apenas era a palavra da Polícia contra a palavra dos acusados, que se defendiam dizendo que estavam a fazer logística do partido e sequer estavam trajados em material de propaganda do partido apelando a votos.
No julgamento do processo “333/12”, a co-ré Osvalda Gabriel, de 34 anos, disse em tribunal que não estava a fazer campanha eleitoral e nem estava vestida de camiseta ou capulana que ostentava alguma informação sobre MDM. “Eu estava na Escola Primaria Completa de Mahila, junto com as minhas colegas numa distância de mais de trezentos metros da mesa de voto. Chegaram polícias à paisana e pediram para que afastássemos mais daquele local e nós acatamos às ordens. Fomos para mais longe, mas passadas duas horas veio um grupo da Força de Intervenção Rápida (FIR) e bateram-nos, algemaram-nos e levaram-nos para a Primeira Esquadra, nada nos perguntaram. Daí transferiram-nos para a BO, onde passamos um dia, sendo que no dia seguinte levam-nos para a cadeia civil”, contou durante o julgamento.
O juiz quando estava a julgar o caso questionou se “foram explicados os motivos da vossa detenção”, e a co-ré Osvalda disse que “até hoje não nos esclareceram”.
Ouvido também no dia do julgamento, Aida Raposo, sem muitos comentários, disse que “todos nós estávamos a ajudar na parte da logística os nossos colegas que eram delegados nas mesas de voto”.
Comandante da Polícia e agentes da FIR desobedecem ordem do Tribunal
Durante o julgamento foi ouvido um membro da Polícia da República de Moçambique (PRM) chamado Timóteo Calisto que era oficial de permanência na Primeira Esquadra, no dia em que o grupo foi detido. Questionado pelo Ministério Público sobre os autos que escreveu, qual era o motivo da detenção destes membros, o oficial foi bem claro que “eu recebia ordens dos meus superiores e as razões só podem perguntar ao meu comandante e aos agentes que trouxeram lá no comando”, disse.
Face a estes depoimentos, o Ministério Público requereu neste processo “333/12” para estar presente no julgamento, em sessão de audiência, o comandante da Primeira Esquadra da cidade de Inhambane para além de alguns membros da Polícia de Protecção (PP) e da Força de Intervenção Rápida (FIR), o Tribunal deferiu o pedido do Ministério Público, mas nem o comandante da Esquadra, nem os agentes da FIR compareceram em Tribunal. Igualmente a defesa da co-ré Isabel Joaquim, solicitou a presença no Tribunal dos agentes da FIR que detiveram o grupo, mas apesar da autorização do Tribunal, estes não vieram.
Negado o recurso aos réus
Contactado o Delegado do MDM na província de Inhambane, Feliciano Machava, disse ao Canalmoz que o partido iria emitir um posicionamento público este semana, especificando “terça-feira”, amanhã. Entretanto, Machava disse que aos membros do partido, ora condenados, foi negado o recurso à sentença do juiz Alexandre João Ndlovu. “O juiz disse que não valia a pena recorrer porque para julgamentos de processo sumário crime o recurso deve ser interposto antes do julgamento. Foi esta artimanha que encontrou para negar o recurso aos nossos colegas”, disse lamentado.
Machava repisou que esta é uma sentença injusta. Disse que não há provas de que os seus colegas estavam a fazer campanha. “Estavam a fazer logística”, disse. Machava explicou que dos 37 condenados, 30 já recolheram às cadeias e outros sete ir-se-ão apresentar ao Tribunal e para cumprir com o mandado de busca e captura emitido pelo Tribunal. Aquando do julgamento estes não se fizeram presentes, disse Machava explicando que são pessoas que vivem fora do município de Inhambane.
“Todos estão na cadeia. Quando foram julgados estavam em liberdade, a aguardar pelo julgamento. Dos 30, 10 estão em Maputo, na cadeia Feminina de Ndlavela, porque são mulheres. No mesmo dia da leitura da sentença, foram transferidos para Maputo. Os restantes estão distribuídos pelas cadeias de Inhambane. Cinco estão na cadeia provincial. Cinco estão na Maxixe, cinco estão em Homoíne e outros cinco em Morrumbene 5”, disse.
Alguns dos réus condenados:
Sérgio Dique, Sara Manuel, Jorge André, Samito Nelson, Augusto Mandinga, Eugénio Fiel, Hélder Benjamim, Samo Martinho, Paulo Mabunda, Marcos Albino, Arlindo Pedro, Frederico Ernesto, Alfredo Paulo, Hélder António, Gonçalves Francisco, Samuel Armindo, Alcides dos Santos, Benedito Matsinhe, Feliz Alexandre, Gerson Mário, Frank Mário, Duduque dos Anjos, Zubir Luís Boaventura, Zamir Luís, Raimundo Pitágoras, Raimundo Fernando, Elídeo José, Nelson Almeida, Ainda Raposo, Fátima Adolfo, Isabel Joaquim, Lucinda Samossone, Laura Armando, Joana João, Margarida Gabriel e Osvalda Gabriel, Flora Imputa (esta com 2 meses e 15 dias), Ivone Rosa e Julieta Zangado.
Frelimo mantém a campanha eleitoral até hoje
Enquanto os membros do MDM são condenados em Tribunal por alegada campanha eleitoral depois do seu término oficial (48 horas antes da votação), o partido no poder, a Frelimo, mantém na cidade de Inhambane a campanha eleitoral de Benedito Guimino, em muitos cantos da cidade. Na praça da OMM, para quem sai da cidade em direcção à praia do Tofo, existe até hoje um outdoor publicitário da Frelimo apelando “vota Guimino”.
Mas isto sucede um pouco por todo o país. Mesmo em Maputo está cheio de outdoor publicitário pedido voto a Guebuza, que remontam das eleições de 2009. O Canalmoz já questionou a respeito desta situação o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Paulino, e o Presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), João Leopoldo da Costa, sobre a legalidade da manutenção da propaganda eleitoral da Frelimo de uma forma permanente. Ambos disseram que isto era ilegal, conforme manda a lei, mas ninguém dos dois pôde ousar a acusar criminalmente a Frelimo pela campanha eleitoral fora do período. (Luciano da Conceição/Redacção)
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