Os esforços que a administração portuguesa desenvolveu em Moçambique entre 1966 e 1973 para alinhar as comunidades muçulmanas com o lado português evitou que a guerra "tivesse corrido pior", afirma o principal responsável dessa estratégia.
Fernando Amaro Monteiro foi o principal responsável pela concepção e condução do programa destinado à política islâmica que o poder colonial português levou a cabo em Moçambique para atrair e alinhar as comunidades muçulmanas, e cuja história agora é retratada no livro "Moçambique: Memória Falada do Islão e da Guerra", que hoje é apresentado em Lisboa.
O trabalho é composto por uma série de entrevistas que AbdoolKarim Vakil, professor no King's College de Londres, fez a Fernando Amaro Monteiro em 2004, e, que, entre outros, descrevem detalhadamente os múltiplos esforços que o poder constituído desenvolveu durante a guerra colonial em Moçambique para evitar que as comunidades muçulmanas passassem para o lado da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A política adoptada para com o Islão em Moçambique, precisa Amaro Monteiro, foi iniciada em 1965-66, tendo ganhado principal relevo a partir de 1968 com a chegada ao território de Baltazar Rebelo de Sousa como governador-geral, o qual abraçara todas as principais linhas de orientação do chamado "Plano de Acção Psicológico".
De acordo com Amaro Monteiro, a acção de Rebelo de Sousa - que tinha um "talento de relações públicas e uma capacidade de comunicação espantosos" - foi preponderante para o estabelecimento desse diálogo.
"Num contexto de guerra, este plano - através do qual se procurou o estabelecimento de um diálogo, de um entendimento e de uma interlocução com os muçulmanos no país (na altura cerca de 1.2 milhões de pessoas) - foi fundamental", visto que várias áreas estratégicas do território eram ocupados por estas comunidades, explica Amaro Monteiro.
Se esse plano de aproximação - que teve "grande sucesso mas que devia ter sido implementado mais cedo" - não tivesse existido, garante, essas zonas estratégicos teriam caído nas mãos da FRELIMO e ali "as coisas no terreno teriam corrido pior".
"Não vamos dizer que se isto tivesse sido feito antes tínhamos ganhado a guerra porque termos perdido a guerra globalmente como país foi uma coisa que aconteceu por força de uma situação histórica especial e de uma conjuntura internacional muito própria", realça Monteiro, que no período retratado no livro era adjunto dos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Moçambique e consultor dos Governadores-gerais daquele território (1970- 1974).
"Não era o conhecimento desta massa [da comunidade muçulmana] antecipado e devidamente accionada que faria com que tivéssemos ganhado a guerra", reitera, salientando, contudo, que se essa massa tivesse sido accionada antes o "rendimento que ela deu a favor da administração portuguesa podia ter sido muito maior e teria começado muito antes".
O livro, da autoria de Abdoolkarim Vakil, Fernando Amaro Monteiro e Mário Artur Machaqueiro e editado pela Almedina, fornece informações sobre diversos protagonistas centrais do período histórico referido e retrata também a postura da hierarquia católica perante a religião islâmica em Moçambique as comunidades muçulmanas.
Fonte: (RM/Lusa) - 20.09.2011
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