quarta-feira, julho 11, 2012

Sobre Provedor de Justiça e ética de governação (Concl.)

Por João Baptista André Castande

Em intervenções públicas e ressalvadas raríssimas excepções, hoje em dia muitos dirigentes só sabem “publicitar” maravilhas decorrentes nos respectivos sectores quando, no fundo e na verdade, escondem ou escamoteiam ilegalidades e graves problemas profundamente preocupantes na gestão da coisa pública. Fica-se com a impressão de que estamos diante duma traição colectiva à memória de Samora!

Os nossos dirigentes deviam ter sempre presente que uma análise honesta e crítica do trabalho realizado, contribui sobremaneira para a elevação da confiança dos cidadãos na Administração Pública e na sua justiça, legalidade e imparcialidade.

Já agora, recordo-me que no momento da investidura como Presidente da República de Moçambique, no dia 2-2-2005, Armando Emílio Guebuza disse que “o Governo vai exigir dos funcionários públicos uma melhoria da sua postura e atitude perante o trabalho” visto que, na sua óptica, “a dinâmica que se pretende empreender na prestação dos serviços públicos ao cidadão não se compadece com o burocratismo e o espírito de deixa-andar que caracteriza a atitude e postura de alguns funcionários do Estado.”

Ainda segundo Guebuza, “não estamos a exigir nada de novo. No passado, os nossos funcionários públicos conseguiram garantir um serviço exemplar para os cidadãos, apesar dos constrangimentos profissionais e materiais então prevalecentes.”

Compatriota Guebuza, no passado aos funcionários públicos exigia-se a experiência e a competência técnico-profissionais, observância escrupulosa da ética e deontologia profissionais, o saber fazer e trabalhavam sempre inspirados nos ricos ensinamentos de Samora e dos demais altos dirigentes de então, enquanto hoje exige-se-lhes em primeiro lugar o diploma académico, que na minha opinião é exageradamente sobrevalorizado.

E o resultado dessa prática é o que está à vista de todos nós e só não vê quem não quer ver. Reuniões, reuniões e mais reuniões, nepotismo, compadrio, proliferação de postos de direcção e chefia, ladroagem, etc., etc., em prejuízo do trabalho, da produção e da produtividade, o que não significa que nada mudou na nossa Administração Pública!...

Todavia, este parece ser o momento certo para organizar simpósio em que, tal como os combatentes da luta de libertação nacional, os funcionários públicos de então teriam a oportunidade de narrar os seus feitos que permitiram que, muito embora semianalfabetos e profissionalmente mal formados, conseguissem garantir um serviço exemplar para os cidadãos.

Antes de terminar, apenas dizer que são os seguintes os instrumentos de garantia dos direitos e das liberdades fundamentais que o número 1 do artigo 18 da Lei 14/2011, de 10 de Agosto, põe à disposição das pessoas singulares ou colectivas: 1) O requerimento; 2) A reclamação; 3) O recurso hierárquico; 4) O recurso hierárquico impróprio; 5) O recurso tutelar; 6) O recurso de revisão; 7) A queixa; 8) A denúncia; 9) A petição, queixa ou reclamação ao Provedor de Justiça; e 10) O recurso contencioso.

Quer dizer, quando o cidadão tenha feito uso de qualquer dos instrumentos legais acima elencados, em defesa dos seus direitos e liberdades violados ou preteridos, a nenhum dirigente assiste o direito de o molestar, sob que pretexto for, posto que ser dirigente do Estado não é ser “dono” do ESTADO!!!

Ora, existindo no ordenamento jurídico moçambicano leis que protegem o queixoso ou denunciante, de modo que este não seja sujeito a medida disciplinar ou prejudicado na sua carreira profissional ou, por qualquer forma, ser perseguido em virtude da queixa ou denúncia, conclui-se que só um dirigente absolutamente desconhecedor desta realidade é que pode ser tentado pela veleidade de ridicularizar o cidadão denunciante ou queixoso, apenas porque exerceu, de boa-fé, o direito e o dever de cidadania em defesa dos seus legítimos direitos e liberdades, do interesse geral e da Pátria.

Ressalva-se que também existem leis pertinentes que estabelecem as formas e os processos de responsabilização dos cidadãos nos casos em que as denúncias ou queixas apresentadas o sejam de má fé.

Por todas as razões acima expostas, julgo que é dever patriótico de todos os cidadãos em geral e da juventude em especial, repudiar veementemente uma Administração Pública em que impera a lei da selva ou a boçalidade, que alguns concidadãos supostamente “poderosos” tentam impor a todo o povo moçambicano, em pleno terceiro milénio!!!

Não foi por mero acaso que o artigo 256 da CRM de 16 de Novembro de 2004 criou a figura de Provedor de Justiça, cuja função é garantir os direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública.

Há cidadãos que acreditam que as recomendações do Provedor de Justiça e a promoção por este da divulgação da legislação relativa aos direitos, deveres e liberdades fundamentais dos cidadãos, nos termos das alíneas a) e e) do número 1 do artigo 15 da Lei 7/2006, de 16 de Agosto, podem contribuir imenso para a melhoria de prestação da Administração Pública.

Então, a LUTA CONTINUA pela criação duma Administração Pública cuja actuação obedeça à Constituição e à lei e com estrito respeito aos princípios da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça, firmemente convictos de que a prepotência ou arrogância, o arbítrio e os abusos de poder hoje prevalecentes, não se combatem com boçalidade, mas sim com a aplicação correcta e oportuna dos ditames da CRM e das demais leis avulsas. 

Fonte: Jornal Notícias – 10.07.2012

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