Por Pedro Nacuo
“…POIS
tudo, Senhor, é transformado em objecto de compra e venda, os serviços, o
trabalho, a terra, o corpo humano, os órgãos, o sangue, as pessoas, as
crianças, as mulheres, o tempo, a educação, as notas, os votos, os próprios
eleitores, a consciência dos cidadãos…até as religiões entram no circuito de
compra e venda. É
caso para perguntar, o que não se vende em Moçambique” Dom Ernesto Maguengue,
ex- bispo de Pemba, exaltando a vida e obra de Samora Machel, no dia 25 de
Setembro de 2012.
Terá sido das mais famosas declarações do prelado,
antes de apresentar o seu pedido de renúncia, que para o justificar, acaba de
pôr à disposição, uma carta de 53 páginas, onde escorrem, agradavelmente, os
seus feitos, as suas obras. Bonito para se ler. Mas também, a carta está à
venda!
Do que se pode encontrar na leitura da brochura, cujo
título é Chamados a fazer memória de Cristo em Pemba, sobre tudo o que
aconteceu, para que o prelado tivesse decidido, pelos vistos, com muita mágoa,
a sua renúncia, ressalta o carácter ingovernável que a Igreja, em Pemba, tem-se
agarrado nos últimos tempos.
É de triste memória, lembrarmo-nos que durante cinco
anos, a Diocese de Pemba viveu sem bispo, estava sob a direcção de um
administrador apostólico, no caso, o Arcebispo de Nampula, Dom Manuel Vieira
Pinto, que, de quando em vez, tinha que se deslocar a esta região para celebrar
missas e gerir o que havia por gerir.
Tudo porque, o anterior bispo, Dom Januário Nhancumbe,
teria decidido, voluntariamente, sair, alegando motivos de doença, podendo
haver outras motivações que desfilaram intramuros. Levou
tempo para que se resignasse oficialmente, daí ter deixado a diocese órfã
durante muitos anos.
Dom Januário ainda está vivo. Quem veio cortar o ciclo
de orfandade, foi o Dom Tomé Makweliua, que depois veio a ser substituído por
Dom Francisco Chimoio, este que veio dar lugar ao jovem bispo, ora
demissionário e que deixa bastas recordações em Pemba.
Mas no fundo, no fundo, há algo que não se diz: que
existe certa resistência da Igreja local (falamos de padres, sobretudo) de se
submeterem a uma autoridade representada por uma pessoa que não seja de Cabo
Delgado. É o que se ouve, por cá! Sabendo-se embora, que, por outro lado, há
igualmente rixas internas decorrentes da origem dos padres existentes. Chega-se ao localismo!
É assim:
a Igreja historicamente radicou-se no distrito de Namuno (Sul da província),
onde nasceu a primeira missão, em 1922, depois veio a de Nangolo (distrito de
Muidumbe, norte da província), vem Mahate, arredores da capital provincial, a
seguir Mbuo, distrito de Mueda e mais tarde o resto das que se sucederam. Aqui
nasce a outra dificuldade (quase artificial) de indicar quem seja de Cabo
Delgado para assumir as mais altas funções da Diocese, reconhecidas que são as
diferenças de carácter étnico que imperam.
É dizer: aquilo que em política tem sido, algumas vezes
discutido, nalguns casos abertamente, a etnicidade, sabe-se lá, tribalismo ou
regionalismo, na Igreja está incubado e as reacções surgem sob forma de cabala,
como esta de que terá sido vitima o Dom Ernesto Maguengue.
O sacerdote sacramentino, Padre Christopher Mahendra,
autor da carta, considerada difamatória contra Dom Ernesto Maguengue e o
ministério sob a sua responsabilidade, que terá sido largamente publicada, é de
origem indiana e passou por Pemba por pouco tempo. Encontrou
o terreno fértil para a intriga, fez o que fez e foi-se em boa hora. Numa palavra: destruiu e se foi!
Como é fácil…
Agora? De novo mergulhados na orfandade, que pode ser
igual ou pior que daquele lustro sem pastor directo, planos e projectos
adiados, não sendo de todo valorizável, a ideia de que tenha havido uma
interferência política, em virtude das posições consideradas controversas e
aparentemente alinhadas, do Bispo Dom Ernesto Maguengue...
O que ressalta é que a Igreja, em Pemba, claro,
dizendo por dizer, está quão frágil quanta divisão reina nela própria. Qualquer
mal intencionado não precisa de muito trabalho para baralhar as cartas e ficar
a rir-se. Atenção, estava a dizer por dizer!
Fonte. Jornal Notícias – 10.11.2012
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