Por Pedro Nacuo
Estivemos em Muade, no dia 17 de Março, a fim de presenciar o ponto mais alto da homenagem ao herói Robati Carlos, que alguma corrente diz ter sido inventado, o que não me parece verdade.
Desconhecido, sim, por razões que a sua própria história explica, nomeadamente, que era de uma aldeia rústica, lutou, enquanto esteve na sua área de residência, na clandestinidade e clandestinamente ficou preso, tendo clandestinamente fugido para a Tanzania.
Como se vê, houve muitas clandestinidades em Robati Carlos. Por isso, a maior parte dos seus conterrâneos, hoje velhos, mas que dizem que eram mais novos que ele, não percebeu como aquele ficou preso, depois fugiu e, finalmente, foi na frente do Niassa, não de Cabo Delgado, onde esteve a maioria dos conhecidos.
Nem os estudantes das escolas-piloto da Frelimo, que hoje são adultos e convivem connosco, tinham ouvido falar de Robati Carlos, precisamente porque a sua história teve muitas passagens ocultas e foi para uma frente de que pouco se ouve falar, porque o primeiro tiro, atribuído a Cabo Delgado, acabou subalternizando os outros tiros e as mentes dos que contestam Robati ou dizem ter sido inventado, ficaram formatadas por aquele tiro do Chai.
Um dia havemo-nos de surpreender quando mais heróis aparecerem, com maior entrega ainda e que tenham sido decisivos para as conquistas que hoje estamos a desfrutar. Se calhar tenhamos errado em decidir escolher os heróis, porque, na verdade, eles são tantos, aliás, já se disse, este país é de heróis.
Por aí, acredito que ninguém inventou nenhum herói, mas sim apercebemo-nos da existência de mais um herói, que era de alguma maneira desconhecido e fez-se como tal, primeiro clandestinamente e depois foi combater numa frente que a história fê-la secundária. Por isso, o deponente que melhor conheceu Robati Carlos teve de ser “importado” do Niassa, onde, tal como em Cabo Delgado, havia, sim, bases centrais, de avanços e lutou-se, no sentido de combater-se!
Mas estávamos a falar de como Fernando Natal salvou a muitos de uma possível “porrada” presidencial. Estava-se à espera que o Chefe do Estado, depois de cumprir os passos que vinham no programa, que o levavam a visitar a casa e cemitério familiares do herói, fosse descerrar a lápide junto ao monumento erigido em memória de Robati Carlos.
Entre as conversas que iam qualificando o acto de reabilitação de uma casa de pau-a-pique para servir a filha do herói e o facto de, na verdade, não pertencer à ela mesma, por ser do marido, e por aí os mais pessimistas concluírem que, então, não é da sua pertença, alegadamente porque numa situação de divórcio ela voltará a ficar sem casa. No meio de tudo isso, assistia-se a uma azáfama que poderia estar ligada à aproximação da hora da chegada do presidente ao local do comício.
Todos posicionados, dois alpendres opostos, punham o palanque presidencial ao meio. Dum lado os membros do governo provincial, administradores distritais e outros quadros seniores de diferentes áreas, incluindo das ONG's e empresários. Do outro lado, eram os jornalistas, juntos a 12 líderes tradicionais, bem uniformizados, de um fardamento que, parecia, ter sido distribuído naquele dia ou especificamente para pô-lo pela primeira vez na cerimónia de Robati.
Entretanto, a maioria dos régulos, cerca de 50, igualmente “uniformizadinhos” estiveram sentados no chão, no chão, de verdade, com pernas estendidas ou anguladas. Ali não dependeu nem de escalão nem de idade. Os “nangolos” (velhos) estiveram sentados no chão, ponto final!
Eis que, Fernando Natal, administrador de Mocímboa da Praia, achou caricato e numa louca coragem, sem receio de ser apanhado pela comitiva a chefiar um movimento aparentemente de desordem, desata a corrigir a vergonha, começando por pedir a todos os membros do governo provincial e os seus colegas administradores que dispensassem as cadeiras para os régulos, que ele próprio começou a transportar para distribuí-las àqueles que pela idade e influência político-administrativa são considerados os melhores parceiros da governação em Moçambique.
Seguiu-se-lhe o protocolo, que às correrias ia transportando todas as cadeiras dos senhores directores e administradores para os régulos, como quem diz, que se organizassem melhor, pois os líderes tradicionais não tinham culpa do nível de distracção a que se haviam permitido.
Assim, mesmo, rapidamente nasceu outra ideia, de ir buscar as cadeiras que já se encontravam na tenda onde se iria servir o almoço, depois do comício, desde que a flexibilidade emperrasse tanto na ida como na devolução, pois imediatamente a seguir seriam necessárias para os convidados à refeição-mor.
Terá sido o antídoto que fez com que o Presidente da República não se confrontasse com cerca de 50 régulos sentados no chão, à sua frente ou com mais de 30 directores, administradores e outros quadros, nas mesmas condições, no alpendre do seu lado esquerdo, embora ainda houvesse quem assistiu a todo comício, desse lado, a pé. Já não havia mais tempo de ir buscar mais cadeiras, o chefe tinha chegado!
Fernando Natal, o salvador! Mas como o presidente não deve ficar definitivamente enganado de que tudo havia corrido a contento, estamos a contá-lo, mas contar-lhe apenas, no nosso estilo de dizer por dizer!
Fonte: Jornal Notícias 24.03.2012
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