Através da instituição da Presidência Aberta e Inclusiva (PAI), o chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, propõe-se a viajar pelo próprio país durante o mandato presidencial, para contactar directamente as populações e os órgãos administrativos a nível local e regional. A prática tem os seus críticos, que receiam o desperdício de dinheiro e a consolidação do poder do partido governamental, a FRELIMO, que em Moçambique cada vez mais se confunde com o Estado. O Instituto Alemão para a Política de Desenvolvimento (DIE) concluiu, a propósito, um estudo, apresentado na quinta-feira (26/5), em Bona.
Em Moçambique, o grupo de seis investigadores alemães, que teve a oportunidade de acompanhar o presidente Armando Guebuza a vários distritos, contou com o apoio de parceiros no terreno. Para além do Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento e do Centro de Integridade Pública, esteve envolvido também a MAP Consultoria, do analista José Macuane, analista político e consultor, que resume assim os objectivos do estudo: “Primeiro, a contribuição desta Presidência Aberta para o desenvolvimento, segundo, a contribuição desta prática para o reforço dos processos de governação democrática”.
A importância da responsabilização dos governantes
A coordenadora do projecto, Julia Leininger, do Instituto Alemão de Desenvolvimento, DIE, defende que o potencial da instituição da Presidência Aberta como instrumento para reforçar as instituições locais ainda não está a ser devidamente aproveitado. Pelo contrário, diz, neste momento a PAI ainda contribui mais para a recentralização do Estado do que para o processo de descentralização. O presidente aparece como único interlocutor capaz de resolver os problemas da população, minando a autoridade da administração local. Esta ideia é reforçada: “Porque a prestação e contas é vertical, quer dizer, a administração local presta contas ao presidente. Ao mesmo tempo, o presidente não presta contas aos níveis mais baixos. Se o presidente também tivesse que prestar contas, o povo poderia aprender que, a crítica também é possível", diz Leininger.
Para José Macuane, trata-se de um indício do muito que ainda há para fazer em Moçambique para enraizar a ideia da responsabilização incontornável dos governantes numa democracia. Porque os cidadãos deste país dependentem de ajudas externas passam para segundo plano na mente dos governantes quando chega a hora de prestar contas, afirma Macuane: "Em vez do governo prestar contas, seja à Assembleia Nacional ou órgãos internos, tende a prestar mais contas de forma sistemática aos doadores do que à sociedade."
Mais autonomia para os poderes locais
Acresce que a chegada do presidente muitas vezes causa uma certa confusão. Por exemplo, explica Julia Leininger, onde estava previsto furar poços, decide-se espontaneamente que é preciso construir uma estrada. Os recursos à disposição não costumam chegar para novos projectos, obrigando a colocar novas prioridades ou pedir mais dinheiro aos doadores. E a população não tem forma de fiscalizar se o que foi decidido também é implementado, diz Julia Leininger, até porque não se faz ainda o aproveitamento de estruturas como os conselhos consultivos, criados em 2005, para representar os interesses da população: "Se se pudesse integrar estes conselhos até na preparação da PAI, aí sim, seria uma grande vantagem porque se poderia integrar os temas políticos e as demandas mais de forma sistemática".
No entanto, os autores do estudo discordam com as críticas, feitas sobretudo pelos países doadores, segundo as quais a Presidência Aberta é apenas um desperdício de dinheiro que podia ser melhor aplicado noutras áreas. A PAI leva aos moçambicanos a noção de que a opinião deles também conta, mesmo se estão longe do centro decisor, Maputo .
Mas algumas criticas da oposição política e das organizações da sociedade civil são válidas, por exemplo, à exclusão dessas forças da sociedade do processo da Presidência Aberta. Há, por isso, quem receie que a PAI sirva, sobretudo, para ancorar no poder a FRELIMO, uma vez que o partido se confunde cada vez mais com o próprio Estado.
Os investigadores constataram que, na realidade, há algumas falhas sobretudo nos comícios, nos quais a população tem, teoricamente, acesso directo ao presidente. Mas, critica Julia Leininger, para isso é preciso "não pré-seleccionar as pessoas, para poder ouvir todos os sectores da sociedade".
Progressos no processo de democratização
É que a transparência na selecção dos intervenientes populares nestes comícios ainda deixa bastante a desejar. Muitas vezes eles são escolhidos a dedo pelas autoridades locais, precisamente para impedir críticas demasiado contundentes. Mas o politólogo Henrik Maihack ressalva que não se deve generalizar. Afinal, ele teve a oportunidade de verificar pessoalmente que existe uma vontade de mudança a todos os níveis da administração: "Porque em Moçambique existem muitas dinâmicas interessantes. A perceção entre os doadores e os países europeus é que Moçambique é um país muito controlado, muito centralizado. Mas nos 18 anos desde que terminou a guerra, o governo conseguiu implementar algumas políticas importantes. Tem problemas, mas tem alguns sucessos também".
Em todo o caso, diz Julia Leininger, o estudo da DIE vai ser analisado atentamente pelos países doadores, que daí tirarão as suas conclusões. Mas os doadores não são os únicos interessados. O Gabinete da Presidência em Moçambique quer uma cópia do relatório. É que a administração moçambicana, que facilitou o trabalho dos investigadores, também está atenta às conclusões, diz o analista José Macuane: "Porque é um estudo pioneiro e que aborda um assunto muito debatido, mas do qual se sabe pouco, certamente que alguma coisa vai inspirar ao nível de tomada de decisão”.
Até que ponto, confessa Macuane, não sabe dizer, “mas o interesse demonstrado prova que se sente alguma necessidade de um conhecimento mais profundo do processo por parte do Gabinete do Chefe do Estado. Isso já é um grande passo.”
Autor: Cristina Krippahl (Deutsche Welle)
Fonte: Rádio Moçambique - 30.05.2011
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