sábado, junho 18, 2011

Como a Burka virou pão

DIZER POR DIZER

Por Pedro Nacuo

JÁ entrou nas refeições dos pembenses, a problemática à volta da burka, da menina Fátima Califa. Está a ser permanentemente mastigada, não há café sem burka ao lado, nenhum carro transporta mais de uma pessoa sem ela ao lado, nos restaurantes, dos mais luxuosos às barracas ao longo das estradas e ruas dos bairros da cidade de Pemba, na escola da noite, nos serviços e em eventos públicos, sejam eles políticos ou doutra índole, ela entra em surdina e se posiciona, faz conversa, mas sempre dividindo opiniões.

É por isso que nós também não resistimos a repetir o tema, que voltou a ser mais quente com a última intervenção da ministra da Justiça, Benvinda Levi, que foi dar mais razão ao seu colega, Zeferino Martins, da Educação e Cultura, ao dizer categoricamente que não se deve usar a burka nas escolas, como se a seguir apontasse algum dispositivo legal.

Aliás, nunca a questão da burka foi tão badalada!

Está-se numa altura em que se quer dizer que valeria a pena que o problema fosse deixado à mercê das estruturas locais, como tentou a directora da cidade de Educação e Cultura da cidade, Cristina Manuel, que ao invés de recorrer às leis inexistentes para proibir a Fátima e mais outras oito, de trazerem as suas burkas à escola, preferiu ir conversar com elas, tendo conseguido convencer a todas, menos a menina mais famosa dos últimos dias, pelo menos por cá, onde a burka é pão de cada dia e refeição.

Ora, a Cristina acaba de deixar de ser o que era, pode ser que esse facto não tenha nada a ver com isso. Seria bom que não tivesse!

Em finais da década 70, depois da passagem duma severa depressão tropical, a que se deu o nome de ANGEL, que afectou grandemente o distrito costeiro nampulense de Angoche e uma parte de Moma, o saudoso Presidente Samora Machel, foi para lá e quis ouvir da população local, maioritariamente muçulmana, a sua ideia das prioridades da reconstrução do que havia sido destruído, sobretudo as escolas e as mesquitas.

O povo disse, em uníssono MESQUITAS! Com todo o rigor de Estado e Governo que trazia, o Presidente contradisse frontalmente e explicou as razões que lhe assistiam, mas a sua atitude foi “lida” como um anti-muçulmanismo feroz. Ficou a ferida que fez de Angoche o que veio a ser, onde sempre se associa o Governo da Frelimo a um partido contra a religião muçulmana.

Quase na mesma altura, mulheres e homens de Nampula, pediram ao governador provincial, então, Daniel Mbanze, para que as suas filhas fossem autorizadas a irem de capulanas e lenços na cabeça às escolas. O pedido não foi satisfeito, muito embora tivesse havido um grupo de professores que para eles não fazia diferença fossem ou não tal como queriam, por culturalmente se justificar. Mas por causa disso houve punições, que incluíram a colheita de algodão, na altura, na farma estatal de Metocheria e outros campos.No quadro do Plano Prospectivo Indicativo, caiu mal a Montepuez, ter sido indicado como local aonde se instalaria um complexo de criação de porcos, alegadamente para alimentar os operários que trabalhariam numa grande fábrica têxtil que se projectava, que não chegou a iniciar, devido à contingência que veio mutilar o sonho, do que restou hoje a pensão GEPTEX, que serviria de dormitório para os já referidos operários. Montepuez é como é!
Nessa altura os afectados com a medida, de que não poderiam contrariar, lembraram-se da razão porque os seus filhos não estudaram, porque sendo as missões os únicos estabelecimentos de ensino aonde se dirigiam os filhos dos indígenas, entretanto lá se obrigava que eles comessem a carne de porco.

Hoje nasce o problema da burka da menina Fátima Califa, que foi sendo mastigado, primeiro a nível local, aqui onde isso é de facto grande problema (que não nos enganemos) porque toca sensibilidades, numa escola que não é do Governo, mas comunitária, da pertença duma associação de cariz religiosa. Os ministros vieram, não amainar o problema, mas sim, atiçá-lo. É verdade que nós (Imprensa) forçámo-los!

Mas nenhum dos ministros, em minha opinião, mediu o alcance da medida, numa província onde a Escola Comunitária Maria Auxiliadora, a directora é uma irmã de caridade, e como em todo lado, incluindo quando elas são enfermeiras, vai de vestes religiosas. É na mesma cidade de Pemba, frente ao “Pemba Beach Hotel”.

Os ministros não sabem que o marido da Fátima Califa, foi polígamo até há bem pouco tempo, sendo que a primeira mulher, é enfermeira e tratava doentes, vestida de burka, no centro de saúde do bairro de Muxara, à entrada da cidade de Pemba, e a Fátima, que é esposa do mesmo homem, deveria ir à escola, igualmente vestida.

Está-se a dizer que não foi por vestir burka que não tratou doentes conforme a sua formação e não entrando isso em contradição com nada, lá estava! Só entrou em contradição na escola, onde um punhado de professores disse não, alegando que não poderiam ensinar a uma pessoa que não conseguem ver.

Mas a Fátima é conhecida por todos eles, pois ela não estava a frequentar a mesma escola pela primeira vez, sendo que, o que mudou foi o ter-se entregue a uma religião ou modo de estar cultural. O que diriam esses professores dos mais variados cursos que se realizam no país e num mundo, mas à distância? Consegue-se ver quem é o aluno, nem pela sombra ou voz?

Tal como disse, no sábado passado, neste lugar, os matsai estão em Pemba. Daqui a pouco farão filhos de mães moçambicanas, provavelmente obrigarão que sigam a sua forma de viver, a sua cultura, assim como quererão que estudem em escolas de que têm direito. Penso ser aí onde os ministros devem se deter, tentando ver como vai ser no futuro, num mundo cada vez mais global.

Tudo isso para que amanhã não venham a ficar surpreendidos como no caso de Fátima Califa, que aproveitou todas as lacunas que as leis não preencheram para hoje se apresentar como vítima de discriminação governamental, a ponto de estudar um semestre inteiro sem ser avaliada. É só dizer por dizer, se calhar!

Fonte, Jornal Notícias - 18.06.2011

2 comentários:

Heyden disse...

It is as simple as that:
"Cumpram com as leis dum estado democrático e laico" (Sebastiao Cardoso, 2011).

Nelson disse...

I wish it was really siple as that Heyden