Responsabilidade social por
definição, é a reposição ex post (depois do facto), a um indivíduo, grupo de
pessoas (comunidades) ou ao conjunto da sociedade, dos efeitos negativos
provocados pela intervenção de uma pessoa, empresa ou do Estado num determinado
local ou na sociedade ou, evitar ex ante (antes do facto), que determinados
efeitos negativos económicos, sociais ou ambientais sejam produzidos.
Referindo-se aos casos das explorações mineiras, está devidamente estudado em várias partes do mundo, incluindo em Moçambique, acerca dos múltiplos efeitos negativos produzidos. Destacam-se os seguintes:
- Efeitos sobre o ambiente:
• Desflorestação, perda de biodiversidade, de fertilidade dos solos, de pastagens, da fauna, da flora e mudanças climáticas.
• Poluição dos solos, do ar e das águas.
• Exploração não sustentável com delapidação dos stocks.
- Efeitos sócio-económicos
• Afectação da saúde pública com maiores probabilidades de determinadas doenças profissionais, sobretudo dos trabalhadores.
• Reassentamentos acompanhados de perdas de património
(habitação, terra para a agriculturas e pastagens currais, etc.), redução de
acessibilidades aos mercados, serviços e à rede social e de outros não
tangíveis.
• Maiores dificuldades de comunicação e transporte e
custos acrescidos de mobilidade.
• Piores condições de produção, menores oportunidades de
realização de negócios, maiores custos de transacção.
• Distanciamento das relações antropológicas e
sociológicas, com os espíritos e os mortos, a organização social da família e
clã, os hábitos e costumes das famílias e das comunidades.
Esta complexidade de efeitos interrelacionados só poderá ser compreendida
com abordagens interdisciplinares, não politizadas e não influenciadas por
interesses económicos nem partidários. E isso falta em Moçambique. Rapidamente
pessoas são chamadas de “anti patriotas”, restos do “comunismo”. Pessoas que
“não sabem o quanto de bom se está fazendo por esta terra” ou “que estão a
cumprir agendas externas”. São frases que soam em várias instâncias, incluindo
ao mais alto nível do poder governativo.
Muitas empresas e a governação referem e mediatizam algumas
acções/actividades que designam por responsabilidade social. Geralmente é um
posto de saúde, uma escola, um poço de água, uma viatura para “reforço
institucional” e, quando muito, algum apoio à produção agrícola. Quando se
trata de reassentamentos, como no caso de Tete, a globalidade dos aspectos
implicados ficam perversamente polarizados na questão das casas.
Governação e empresas fazem a propaganda dos méritos dessas actividades. As
empresas porque minimizam a responsabilidade social com acções de baixo custo
se comparado com o volume de investimento e os sacrifícios dos afectados. A
governação porque vê reduzida ou mesmo desresponsabilizada (passando o ónus
para as empresas) pela prestação de serviços públicos. Em muitas ocasiões, as
comunidades aceitam e contentam-se porque vêm resolvidos alguns dos problemas
então sentidos (escola, posto de saúde, poços de água, apoio na produção
agrícola).
Em resumo, as três partes interessadas ficam satisfeitas. As comunidades
porque não têm formação e conhecimento sobre o valor económico dos bens
tangíveis e não tangíveis que perdem e agradecem, por exemplo, a escola, o
posto de saúde e o poço de água. A governação porque se desresponsabiliza,
baixa os custos orçamentais e captura a actividade como se fosse sua, aumentado
a legitimidade junto dos beneficiários. As empresas porque transmitem uma boa
imagem, fica barato e pensam ter assegurado dessa forma a “boa relação com as
comunidades” e com o governo, mesmo que no dia seguinte surjam protestos
populares. Governo e multinacionais cobertos por acordos políticos
compreendem-se entre si e aceitam favores mútuos, como por exemplo, por um
lado, a internalização de determinados custos “sociais” nas empresas ou
pagamentos antecipados e empréstimos ao governo e, por outro, facilidades
acrescidas de operação.
A governação e as empresas sabem que não estão sendo socialmente
responsáveis, sabem que estão instrumentalizando um conceito, que estão fazendo
propaganda e publicidade enganosa e, finalmente, porventura, ficam descansados
pelo engano. A população está em enorme desvantagem negocial pela grande
assimetria de informação e de conhecimento, está sendo enganada, na maior parte
dos casos sem o saber. Isto é, enganam, sabem que enganam, ficam satisfeitos
por enganar e, depois, porventura, ainda dizem que as comunidades são
ignorantes (“burras”), isto é, terminam por rir-se do engano praticado.
Porém, em muitas ocasiões, os acordos estabelecidos com as comunidades não
são ou são parcialmente ou enganosamente cumpridos. Casas mal feitas são
propagandeadas com um misto de prepotência, e “chico espertismo” como o melhor
reassentamento do mundo (ouvi eu e outras pessoas de um responsável da Vale
aquando da visita às minas em Moatize). Diz-se que não há efeitos ambientais
negativos quando as salinas da Matola ficam poluídas e interditado o consumo do
sal aí produzido. Distribuem-se papéis rasgados e não assinados nem carimbados,
onde se escreve à mão o valor a receber por alguma indemnização nos
reassentamentos. Diz-se que se fornecem milhares de refeições por dia quando
isso é a única alternativa das empresas para manter o trabalhador ao serviço e
dele exigir maior produção. Levanta-se a bandeira da formação profissional,
incluindo no exterior, quando essa é uma estratégia de reduzir custos do
trabalho, comparativamente com a contratação de expatriados. Cortam-se árvores
para exportação de madeira sem que exista alguma plantação. Sabe-se que existe
perda de fertilidade dos solos sem que haja acções de reposição do potencial
produtivo da terra.
Tudo isto se sabe e existe identificação dos locais, dos agentes e de pelo
menos parte das consequências sociais e ambientais. A governação diz-se
defensora dos interesses do “povo” sem que existam acções nesse sentido,
sobretudo quando a aliança com o capital pode ficar comprometido.
Numa perspectiva de longo prazo, estas práticas são contra os interesses da
governação e do capital, porque existem dinâmicas económicas e sociais sem
efeitos imediatos. Esse prazo está para além da gestão dos actuais políticos e
gestores e “quem vier que feche a porta” ou, “que se aguente”. Entretanto, as
multinacionais acreditam na cobertura política entre governos (moçambicano e o
da origem do capital) para que sejam criadas condições de operação, mesmo que
através da repressão policial. A governação está ciente da falta de formação,
de conhecimento e de informação e, sobretudo, da capacidade de organização e
reivindicação das comunidades. Também por isso a aversão às organizações da
sociedade civil e em particular das que actuam ou têm influência no terreno
apelidando-as de anti patriotas.
Anti patriotas é um slogan muito usado como forma de pressão e repressão
psicológica e como forma de criação do medo social. Isto como se a FRELIMO e a
sua governação fossem os monopolistas do patriotismo de uma nação que
ultrapassou os limites do nacionalismo enquanto sinónimo de independência
nacional, do monopartidismo ou de considerar os cidadãos como objectos e
submissos às vontades de pequenos grupos de poder em nome do povo e do
interesse colectivo em relação ao qual a maioria nunca acreditou mas muito
discursou. Anti patriotas são os que autorizam, sabem o que se passa e nada
fazem para terminar com as práticas irresponsáveis acabando por ser eles
próprios, conscientemente ou não, com ou sem interesses promíscuos, socialmente
irresponsáveis.
Fonte: SAVANA - 18.05.2012
Fonte: SAVANA - 18.05.2012
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