Por Carlos
Em quase 18 anos de uma legislatura
multipartidária, nunca se tinha ouvido antes coisas tão bizarras como as que
foram ditas nesta última sessão da Assembleia da República.
E não espanta que todas essas bizarrias tenham sido ditas em torno de uma proposta de Lei que impõe um certo comportamento de ética aos servidores públicos.
E tudo começou durante a abertura da sessão, quando a bancada da Frelimo,
na voz da sua presidente, enviou um recado em que tornava claro que não queria
ser pressionada a aprovar a referida proposta de Lei.
Claro que se trata de uma afirmação infeliz, que não se pode esperar de uma
pessoa eleita para representar os interesses do povo. Numa sociedade
democrática, há grupos de interesse e de pressão devidamente organizados, e que
tendo interesses específicos, podem exercer pressão ou influência junto das
entidades relevantes para ver as questões que são do seu interesse resolvidas.
Um político que pretenda estar imune a pressões tem a opção de não se
candidatar a cargos que pela sua natureza são sujeitos a pressões. E no caso
específico da Assembleia da República, ninguém foi obrigado a candidatar-se
para ser membro.
Mas o rol das absurdidades não parou por aí. Continuou, mesmo até à recta
final da sessão, quando por circunstâncias alheias à vontade da bancada
maioritária, havia interesses de Estado que seriam lesados se a atitude de
protelar a aprovação da proposta fosse mantida.
A proposta acabou sendo aprovada, mas não sem luta. O Presidente da
Comissão dos Assuntos Coinstitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade,
Teodoro Waty, foi o rosto mais visível desta luta. Esgrimiu argumentos até se
fartar.
Defendeu que a lei não se deve referir a incompatibilidades entre o
estatuto de deputado e o exercício de cargos executivos, mas sim a conflitos de
interesse. Para aquele deputado, a imposição do regime de incompatibilidades
implicaria o desfalque a certas instituições que não poderiam contar com a
experiência acumulada de certas figuras que estariam impedidas de dar o seu
contributo como resultado das restrições de acumulação impostas por lei.
Este argumento é muito fraco. Pressupõe que o leque de pessoas qualificadas
e com experiência em Moçambique resume-se a meia dúzia de indivíduos que se
tornam indispensáveis ao bom funcionamento das instituições ou órgãos do
Estado. Por outro lado, desmente (sem razão) o discurso propalado pela própria
Frelimo, sobre os êxitos alcançados ao longo dos vários anos da sua governação
em várias áreas, incluindo a da educação e formação profissional. Convenientemente,
e de forma demagógica, nos pretende fazer esquecer que à altura da sua
independência Moçambique não tinha tantos quadros qualificados e experientes
como tem agora, e que todos foram aprendendo fazendo.
Mas o mais banal talvez tenha sido o argumento económico subjacente na sua
intervenção. Se há necessidade de impor a exclusividade na função dos
deputados, terá que se aliar esse desiderato à necessidade de se discutir a
grelha salarial na função pública ou nos órgãos de soberania. Ou seja, os
deputados têm que acumular funções porque é necessário melhorar os seus
rendimentos.
Não pretendemos defender que os deputados ou outros detentores de cargos públicos sejam mal remunerados. Contudo, é importante sublinhar que as duas questões devem ser analisadas em sedes distintas, sendo que no caso em apreço o que está em causa é, por um lado, a moralidade da dupla remuneração a partir de um mesmo Estado, e por outro, a eficácia da funcionalidade do Estado na situação em que o fazedor das leis e fiscalizador da acção executiva é também servidor do executivo.
Não pretendemos defender que os deputados ou outros detentores de cargos públicos sejam mal remunerados. Contudo, é importante sublinhar que as duas questões devem ser analisadas em sedes distintas, sendo que no caso em apreço o que está em causa é, por um lado, a moralidade da dupla remuneração a partir de um mesmo Estado, e por outro, a eficácia da funcionalidade do Estado na situação em que o fazedor das leis e fiscalizador da acção executiva é também servidor do executivo.
Em último lugar, algo há que dizer em relação ao princípio da não aplicação
retroactiva das leis. Não pretendendo substituir-nos aos especialistas em
matéria de Direito, parece que a racionalidade deste princípio baseia-se na
necessidade de evitar que se façam leis visando penalizar actos que tenham
ocorrido anteriormente. Porém, neste caso estamos a falar de actos contínuos,
que não tendo sido proibidos no passado, passam a ser proibidos a partir da
data em que a lei entra em vigor.
Para nos servirmos de uma analogia muito simples, podemos recorrer ao
Código de Estrada. Se um dia se aprovar uma lei que diz que a condução em
Moçambique é feita pela direita, não fará sentido para o condutor que, à entrada
em vigor da lei, esteja a conduzir para o seu destino, dizer que vai continuar
a conduzir pela esquerda até chegar ao seu destino. Pode chocar com
outros carros.
Fonte: SAVANA - 18.05.2012
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