Por Machado da Graça
Normalmente as leis têm dois aspectos a ter em conta: a letra e o espírito. Sendo que é de desejar que esses dois aspectos conduzam aos mesmos resultados. O que nem sempre acontece.
Normalmente as leis têm dois aspectos a ter em conta: a letra e o espírito. Sendo que é de desejar que esses dois aspectos conduzam aos mesmos resultados. O que nem sempre acontece.
E creio que não aconteceu agora, no caso da eleição, na Assembleia da
República, do dr. José Abudo para Provedor de Justiça.
Mas vamos lá tentar explicar, numa curta crónica jornalística, complexos
conceitos de Direito, de forma a poderem ser acessíveis a leitores comuns.
A letra da lei é aquilo que lá vem escrito, aquelas palavras, aqueles
parágrafos, aquelas alíneas. O espírito é aquilo que o legislador pretendeu, ao
elaborar aquela lei. E quanto mais a letra obedecer ao espírito, melhor.
Ora, neste caso do Provedor de Justiça, temos a indicação de que a lei
(neste caso a Constituição, que é a lei-mãe de todas as outras leis) exige que
o Provedor de Justiça seja eleito por mais de dois terços dos deputados do
Parlamento. E porque será isso? Porque é que não basta uma maioria como para
todas as outras leis?
Creio que é fácil de perceber que esta exigência se destina a conseguir que
o Provedor de Justiça seja uma pessoa que goze de uma aprovação generalizada,
que seja uma figura de consenso.
Na verdade a situação em que se encontra agora a nossa Assembleia da
República, em que a bancada da Frelimo tem mais de dois terços dos 250
deputados, é um caso raro. Poucas vezes acontece nas democracias modernas.
Portanto, o legislador, ao exigir a maioria de dois terços, estava a tentar
obrigar as várias bancadas a negociar para conseguirem uma figura de consenso,
que não poderia ser eleita pelos deputados de um único partido. De preferência
uma figura sem vínculos fortes a um determinado partido.
E creio que foi esta exigência que fez com que o Provedor de Justiça não
tenha sido eleito no primeiro mandato parlamentar desta Constituição. Nenhuma
bancada tinha, sozinha, os dois terços requeridos e a Frelimo não estava
interessada em levar o assunto a debate, sabendo que teria que negociar com a
oposição o nome da pessoa a eleger.
Agora, com a confortável maioria de dois terços, já permitiu que o assunto
seguisse os seus trâmites, sabendo que iria poder eleger quem bem lhe
apetecesse.
E o resultado foi o que se viu: Mais uma personalidade claramente vinculada
ao partido Frelimo a ocupar um lugar que deveria ser de alguém acima das
disputas partidárias. Alguém que não vai ser, muito provavelmente, um árbitro
neutro mas sim mais um jogador de uma determinada equipa, esforçando-se sempre
pela vitória dessa sua equipa.
E isto foi conseguido obedecendo à letra mas, creio eu, não ao espírito da
lei.
Obviamente me parece que o dr. Abudo não tem o perfil que se desejaria para
um Provedor de Justiça. Será portanto, na minha modesta opinião, mais um cargo
para dar uso a um gabinete, trabalho a uma série de colaboradores,
provavelmente veículo protocolar e, não tenho grandes dúvidas, batedores
motorizados com megafones para exigir que os outros carros se afastem para ele
passar.
Tudo isto, é claro, pago pelos nossos impostos.
Assim vão as coisas nesta nossa tão peculiar democracia…
Fonte: Savana – 18.05.2012
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