Um dos mais notáveis deputados da
Assembleia da República na presente legislatura Manuel de Araújo acompanha a
vida política do País a par e passo. Nesta entrevista exaustiva ao Canal de
Moçambique, fala do Parlamento moçambicano, que o considera “irmão mais pobre”
dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judicial). Diz que no actual sistema
de eleição dos deputados, o Parlamento estará sempre ao serviço dos partidos
políticos e não dos cidadaos (povo).
Considera que a Assembleia da
República não desempenha, com zelo, nenhuma das suas tres funções. Acusa os
doadores de terem substituído a Assembleia da República na fiscalização das
acções do Governo.
Sem evasivas, Araújo torna-se num
dos poucos, senão primeiro deputado a falar do SISE em entrevista a comunicação
social. Aventa a possibilidade de o Serviço de Informação e Segurança do Estado
estar a usar a imprensa para destruir partidos de oposição. Eis Manuel de Araújo em discurso directo.
Como avalia o desempenho da
Assembleia da República na presente VI legislatura?
- Penso que foi o desempenho possível, dadas
as circunstâncias e condições, quer humanas, quer em termos orçamentais. A
nossa AR tem o potencial para fazer três vezes mais o que tem estado a fazer. Para
que isso aconteça existe a necessidade de rever o modus operandi da
Casa do Povo. É importante que a sociedade defina o que quer com aquela casa,
pois a continuar assim acabaremos matando uma das pedras mais importantes da
nossa democracia. A sociedade civil, os jornalistas, os partidos politicos, os
jovens, as mulheres, os académicos, as minorias devem reverse na nossa AR. A AR
deve ser o espelho da sociedade. Como sabe, a AR tem três funções fundamentais:
a representativa, legislativa e fiscalizadora. Infelizmente, nenhuma destas
funções é feita cabalmente por razões estruturais internas da própria
Assembleia, mas também por razões estruturais e conjunturais externas.
A AR nos moldes actuais é prisioneira dos partidos
politicos. É importante que ela se autonomize para que possa exercer cabalmente
as funções que a Lei Mae e a sociedade esperam dela. Os deputados devem
libertar-se para que possam libertar o povo!
Falou de factores estruturais
internas e conjunturais externas que inibem o pleno funcionamento da AR. Quais
são?
Em
primeiro lugar existe um coeficiente de ignorância não aceitável por parte dos
proprios deputados sobre a sua função, o seu estatuto e papel na sociedade. Em
segundo lugar existe uma ignorância também inaceitável para uma sociedade que
se quer democrática, por parte da sociedade civil, política académica e
inclusive da classe jornalística. Em terceiro lugar, existe uma vontade ferrea
por parte do executivo de amordaçar e secundarizar a AR e os deputados. A AR
neste momento é o irmão pobre dos dois pilares da democracia, o executivo e o
judicial. Se queremos ter uma democracia genuína e que funcione, é importante
resgatar a imagem da AR, dotando-lhes dos recursos humanos e financeiros à
altura da sua missão. Nos ultimos 18 anos de paz a comunidade internacional
privilegiou a sua cooperacao com o governo, marginalizando a AR. Ou seja a AR e
o filho bastardo da cooperação internacional.
Em relação a função fiscalizadora,
sente que os deputados da Frelimo, bancada do partido governamental, possuem
liberdade suficiente para fiscalizarem o governo?
Não. Nem na função fiscalizadora e muito menos nas
funções representativas e legislativas. No momento de tomada de decisão, o
estômago e não a consciência do deputado, fala mais alto! Os deputados do
partido no poder ainda não vivem o advento da democracia, eles funcionam na
base do centralismo democrático da era do mono-partidarismo! Poucas não foram
as vezes em que meus colegas da bancada maioritária tiveram que me passardossiers e até perguntas, porque eles não
podiam apresenta-las! Modestamente falando, acho que ajudei a libertar-los do
jugo centralista! A única excepção naquela bancada era o deputado Frangoulis,
que por sinal não passou nas recentes eleições internas. Já se ve para onde
vamos na próxima legislatura; uma bancada super submissa, igual a da Assembleia
Popular!
Como avalia o facto de a bancada da
Frelimo ter tendêndia de apreciar positivamente todas propostas provenientes do
Governo, em debate na AR?
Muito simples. Enquanto os deputados continuarem a
ser nomeados e não verdadeiramente eleitos, então continuaremos a ter um
sistema político extremamente centralizado. Muitas das vezes a eleição do
deputado para as listas depende mais das lideranças, sejam distritais,
provinciais como centrais. Então ai, o deputado não se preocupa em representar
o povo, mas sim em representar e satisfazer aquele que lhe colocou na lista! Este
é um problema não apenas extensivo a Moçambique, mas dada a nossa história de
centralismo e ditadura, que aliás insistem em chamá-lo de democrático, as suas
consequências são mais nefastas para o edifício democrático. Eu preferia um
sistema em que a eleição dos deputados dependesse mais das bases, do povo do
que dos líderes! Isso diminuiria a influência dos líderes e libertaria os
deputados, pois aqueles que não servissem os eleitores, não seriam eleitos na
legislatura seguinte! Hoje o que acontece e o contrário, aquele
deputado que muitas vezes serve o povo mas não serve o chefe não é re-eleito!
É mais ou menos o que está a acontecer com o nosso
País. O executivo está mais preocupado em satisfazer os doadores, do que em
satisfazer o povo! Ou seja a soberania nacional, ja não reside no povo, reside
nos doadores! Ora nesse ambiente é quase impossível ter uma bancada maioritaria
a críticar, ou fiscalizar de forma aceitável ao executivo. Nestas
circunstâncias cabe a bancada ou bancadas minoritárias e à imprensa, a árdua
tarefa de fiscalizar o executivo. A imprensa passa assim a ocupar o papel de
bancada maioritária! Como se explica que a AR reclame que não tem dinheiro se é
ela que aprova o Orçamento Geral do Estado? E absurdo!
Hoje quem fiscaliza o executivo não
é a AR mas sim os doadores! Os doadores estão a matar a democracia em Moçambique.
O fim da 6ª legislatura da AR marca
o fim de 30 anos do Parlamento, divididos ao meio entre Assembleia Popular, no
regime monopartidário e Assembleia da República, no actual regime
monopartidário. Para além da mudança do nome, sente que a passagem de
monopartidarismo para o multipartidarismo, contribuiu em termos efectivos para
a consolidação do papel da AR?
Penso que sim. No monopartidarismo tinhamos apenas
um partido. E com partido único o papel da Assembleia Popular resume-se em
carimbar o que o Executivo diz. Hoje temos dois partidos no parlamento. Já
tivemos três bancadas na nossa AR e há possibilidades de na próxima legislatura
entrarem na AR mais partidos. Isso é salutar para os partidos, como também para
a própria sociedade! Haverá maior e melhor pluralidade.
Em termos de fiscalização, apesar de no fim do dia
a bancada maioritaria apoiar sempre o executivo, no multipartidarismo os
deputados da oposição têm a possibilidade de fiscalizarem o executivo. Claro
que temos que olhar para a fiscalização do executivo em Mocambique com algum
cuidado. Enquanto melhora a capacidade de fiscalização da oposição dentro do
parlamento, há outros fenómenos que enfraquecem essa melhoria.
Infelizmente, o papel de fiscalização do nosso
executivo foi sorateira e paulatinamente retirado da AR. Hoje quem fiscaliza o
executivo não é a AR, mas sim os doadores! É ai onde tenho dito que os doadores
estão a matar a democracia em Moçambique.
Fundamentando...
Quando os doadores notaram que a AR não exercia a
sua função fiscalizadora, ao invés de apoiarem a AR capacitando-a, quer em
termos de recursos humanos, quer em termos financeiros (como fizeram e
continuam a fazê-lo em relação ao executivo), os doadores preferiram arrancar
(trazer para si) esse papel da AR, substituindo-a! Veja que o Orçamento de
estado antes de ir a AR e aprovado pelos doadores! Se já está aprovado, então
para que é que vai para a AR? A resposta é simples, para inglês ver! Esta é uma
democracia do 'faz de contas' para satisfazer quem no fim do dia paga as nossas
contas, que é a comunidade internacional!
Ora em termos de sustentabilidade isso trás
consequências muito graves. Em primeiro lugar, o executivo quando se sente
encurralado pode recorrer sempre a desculpa de ingerência em assuntos internos.
Em segundo lugar, o pessoal que trabalha nas chancelarias e agências de
cooperação fica no País por um periodo curto, entre quatro a cinco anos no
máximo, com raras excepções. Quando saem para outras missões, perde-se o know how e cria-se um vazio! Terceiro, a
função fiscalizadora é por excelência uma função parlamentar e soberana. Infelizmente,
o actual status quo beneficia ao executivo e aos
doadores! Tenho feito um trabalho nas chancelarias, quer em Maputo, quer nas
sedes diplomáticas e parlamentares na Europa e nos EUA no sentido de
alertar a quem de direito desta realidade! Felizmente algumas portas começam a
abrir-se. A reacção dos deputados alemães ao apoio orçamental é um dos
resultados desta e de outras acções daquilo que chamo de 'diplomacia
parlamentar', que em Moçambique não só é incipiente, como é triplamente combatida,
tanto pela liderança da AR, como pelo executivo e os doadores. Felizmente
as Nações Unidas acordaram e a Westminster Foundation (Britânica) se houver
vontade politica da nossa parte, vai apoiar a nossa AR a partir do próximo
ano.. O Banco Mundial e o Fundo Monetário internacional também mostraram
interesse em trabalhar com a nossa AR. A bola esta do nosso lado. A nossa AR ao
nível do Secretariado não tem capacidade autonoma ou não lhe é permitida buscar
e implementar parcerias! E a famigerada falta de vontade política! E isto tem
que mudar!
Em democracia é preciso vencer com
legitimidade e com a cobertura da razão
Mesmo com o advento do
multipartidarismo, a Frelimo continuou sempre com a maioria na AR, podendo,
portanto, decidir sempre pelas propostas em debate, mesmo contra a vontade da
oposição. Não acha que este aspecto perpetuou, de certo modo, o
monopartidarismo?
Penso que não. Apesar de no fim de contas as
decisões serem tomadas com a ditadura da maioria, o facto de haver espaço para
debates, enfraquece o vencedor. Ou seja a vitória tem sabor à derrota! O povo
ouve os argumentos e como a galinha faz, grão a grão vai enchendo o papo,
contra a ditadura da maioria! Em democracia não basta vencer, é preciso vencer
com legitimidade e com a cobertura da razão! Ou seja, vencer com a força da
razão e não com a razão da força!
As sessões a porta fechada são uma
aberração a democracia!
Concorda que a AR continuem a ter
sessões plenárias à porta-fechada? Por exemplo, quando se apresenta relatório
da Comissão de Petições.
As sessões a porta fechada são uma aberração a
democracia! É uma vergonha que um partido como a Frelimo recorra ao uso da
força para poder vincar o seu raciocínio, ao invés de recorrer a força da
razao! É uma tragédia nacional! A decisão de manter sessões à porta fechada foi
uma das decisões mais infelizes que a Frelimo tomou desde a proclamação da
nossa Independência Nacional, pois representa a negação de uma das conquistas
do povo! Representa a vitória do 'umbigo sobre o cérebro'; da ditadura sobre a
democracia e a liberdade! É uma hipocrisia que deve ser revertida! E o povo ao
exercer o seu direito de voto deve lembrar-se de quem mandou encerrar as portas
da AR.
Se os deputados com todo o leque de
imunidades e privilégios que têm não se sentem livres, então quem é que se
sente livre no Pais?
A disciplina partidária que guia os
deputados nos debates das matérias na AR, não acha que limita a consciência
individual destes? Manuel de Araújo estaria a altura de votar a favor de uma
matéria rejeitada pela bancada da qual faz parte, por exemplo?
Em qualquer sistema democrático existe a
disciplina partidaria, contudo no nosso País ela é abusada a ponto de matar a
liberdade dos deputados e por sinal a liberdade da sociedade no geral! Se os
deputados com todo o leque de imunidades e privilégios que tem não se sentem
livres, então quem é que se sente livre no Pais? A resposta é simples, NINGUEM!
Respondendo a sua questão, sim seria e sou capaz de votar!
Há casos de deputados que para além
de trabalharem na AR, são PCA’s de empresas públicas. É o caso da primeira
vice-presidente da AR, Verónica Macamo, que é igualmente PCA do Fundo Nacional
de Turismo. Como avalia esta situação num Estado que opta pela separação
tripartida de poderes?
A questão das incompatibilidades deve ser revista!
Não podemos continuar a ter deputados que são assessores de ministros! Temos um
caso que não recorda o diabo. A Presidente da Comissão do Plano e Orçamento, é
simultaneamente deputada, funcionária e assessora do Ministério das Finanças! Nunca
ouvi tamanha aberração! Para começar em muitos países, a Comissão do Plano e
Orçamento é dirigida pela oposição, pois a ela cabe a função de aprovar e fiscalizar
o processo de produção e materialização de instrumentos importantes de
governação como o Orçamento Geral do Estado, os Planos Quinquenais, e os Planos
Económicos e Sociais. Se ela é presidida por alguém que também assessora o
Ministério, então dá para ver em que democracia vivemos! Felizmente os donos da
nossa democracia já estao a acordar! Há cerca de dois meses o embaixador Sueco
apoiou esta ideia de a presidência da comissão do Orçamento passar a oposição! Oxalá
mais embaixadores tenham a coragem do embaixador sueco que fez um belissimo
trabalho na Tanzania, onde também era embaixador!
A Renamo tem que fazer uma escolha
importante mudar ou desaparecer do mapa politico!
A Renamo, partido pelo qual Araújo
foi eleito deputado da AR, acha que ainda poderá ganhar eleições e governar
Moçambique?
Acho que sim. Mas para isso a Renamo deverá deixar
o seu actual modus operandi e
adoptar um posicionamento moderno e compatível com as leis vigentes no País. O
partido Renamo não pode continuar a viver do seu passado, mas sim do presente,
produzindo e engajando-se no debate de ideias, fiscalizando o executivo,
representando o seu eleitorado, granjeando simpatias dentro e fora do País,
trazendo modelos de governação alternativos, elogiando o adversário quando está
certo e criticando-o quando está errado.
Infelizmente, algumas pessoas na Renamo, como na
Frelimo vivem do passado e do engraxismo barato! É importante que essas pessoas
sejam ou modernizadas, recicladas para a modernidade ou então atiradas ao
caixote de lixo da história! A Renamo tem que fazer uma escolha importante,
mudar ou desaparecer do mapa político! E as eleições de 2009 são uma
oportunidade ímpar que a Renamo tem para fazer essa escolha dolorosa, mas
inadiável! O povo moçambicano quer uma oposição séria, eficaz, transparente e
moderna! Se a Renamo não ocupar o seu lugar histórico, outros partidos o farão
brevemente!
O que estará a faltar para que isso
se efective?
Há razões internas e outras externas. Umas
estruturais e outras conjunturais. A Renamo nasceu num determinado momento
histórico e a natureza dos inimigos que teve de enfrentar moldou de alguma
forma a sua imagem e a sua estrutura. Como sabe a Renamo teve que lutar
simultaneamente contra um partido no poder, um Estado dirigido por esse partido
num contexto regional que não lhe era favorável. Veja que ao contrário da UNITA
que recebia apoio directo e até aprovado pelo Congresso dos EUA, a Renamo não
teve tais apoios. Pelo contrário, em plena Guerra Fria, Samora Machel, foi
recebido por Margaret Thatcher e mais tarde por Ronald Reagan! E mais, a
Grã-Bretanha, liderada por Margaret Thatcher aceitou treinar as Forças
Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), o exército governamental em
Nyanga no Zimbabwe, que na altura lutavam contra a Renamo! Ou seja um Comunista
convicto, Samora Machel, era recebido no altar dos defensores da liberdade e da
democracia! Essa, penso ter sido a maior vitória diplomática de Machel e a
maior derrota diplomática da Renamo durante a luta! Como dizia, os exércitos do
Zimbabwe, da Tanzania, do Malawi e outros participaram em operações militares
contra a Renamo! Mas a Renamo resistiu, lutou contra tudo e todos e venceu! Mas
essa vitória teve um preço e é esse preço que estamos a pagar, como democracia
e como país!
Para sobreviver a este mar de dificuldades
internas, regionais e globais a Renamo teve que se cristalizar! Essas
intempéries tornaram a liderança da Renamo opaca, singularizada, disciplinada e
extremamente militarizada! De outra forma a renamo teria desaparecido do mapa!
Ora o pensamento militar, a doutrina militar ditam inter alia, que o subalterno
mesmo quando convencido de que a ordem é errada, deve cumprí-la e querendo, pode
reclamar depois. A democracia dita que o subalterno não deve cumprir uma ordem
superior se ela for
contra a Constituição ou contra as leis. Ora esses dois paradigmas são
literalmente opostos. Quem viveu durante muito tempo num dos lados dificilmente
será bom noutro! Penso que as mudanças são algumas vezes paulatinas e outras
vezes violentas! Algumas vezes doces, outras vezes amargas!
Dhlakama deve mostrar que ele não
lutou pelo poder, mas sim que lutou pela democracia
E o presidente Afonso Dhlakama, acredita
que ainda pode conquistar simpatia dos moçambicanos e chegar à presidência da
República?
Penso que sim. Dhlakama é um lider carismatico. Mas
deverá mudar alguns métodos de trabalho e adoptar outros! Se não mudar ficará
na história como aquele líder que lutou contra a ditadura e trouxe a liberdade,
mas que não resistiu aos ditames da democracia, o que seria uma grande pena,
para um homem que tanto fez por este País e por este Povo! Dhlakama deve
mostrar que ele não lutou pelo poder, mas sim que lutou pela democracia! A
mulher do César não basta ser fiel, deve parecê-lo! A luta contra a ditadura, a
libertação deste povo (em termos de direitos politicos e civeis) é uma marca
que ninguém lhe poderá retirar! Mas que poderá ficar indelevelmente manchada de
nódoas se continuar a agir como o dono absoluto da Renamo! O dono da Renamo não
deve ser um homem ou uma mulher, o dono da Renamo é o povo moçambicano que
consentiu sacrifícios para que hoje vivessemos em paz, em democracia! O dono de
Renamo é o povo que perdeu seus entes e queridos para que hoje tivessemos a
liberdade de opinião, de expressão, de movimento, de reunião. Para que hoje o
jornalista podesse escrever o que lhe vai na alma! Podesse escrever o que vai
na alma do povo sem medos, receios nem ameaças. A Renamo deve criar o hábito do
diálogo, da troca de ideias! E mais deve incentivar o surgimento de
alternativas internas, quer em termos de liderança, quer em termos de ideias e
ideais! Só assim a Renamo sobreviverá aos desafios da modernidade! Felizmente,
a luta entre o velho e o novo, é uma das leis imutáveis da história! E essa
luta sempre teve um vencedor, o NOVO!
Há correntes de opinião que advogam
que em Moçambique não existe pressupostos para surgimento de terceiro partido
político que possa superar a Frelimo e Renamo. Concorda com este tipo de
pensamento?
Não concordo. Penso que há condições quer
ideológicas, quer filosóficas, históricas, como materiais, para que surjam
outros partidos que não seja a Frelimo e a Renamo. Negar isso é não saber ler a
história! É negar a própria história da evolução humana! A humanidade já teve
várias civilizações que desapareceram, o Egipto, Roma, Monomotapa.... Até o
PRI, um partido que esteve no poder no Mexico por mais de trinta anos, acabou
perdendo as eleições! Ninguém deve ou pode parar a roda da história! Penso que
é salutar para Frelimo e a Renamo, para a democracia e para o país que haja
outros partidos fortes. Assim deixariamos de ter a polarização na vida politica
nacional!
Os que assim pensam, citam os casos
de PDD, PIMO, FUMO, entre outros partidos, que aquando do seu surgimento,
criaram muitas expectativas nos moçambicanos, mas ao fim do dia, viu-se que nem
um assento parlamentar conseguiram conquistar...
Penso que as circunstâncias são diferentes! Por
exemplo não tenho dúvidas nenhumas que o MDM irá conquistar alguns assentos no
Parlamento! E isso é bom. Não posso precisar quantos. Mas posso vaticinar que
poderá andar entre um mínimo de 10 e um máximo de 40. Isso é salutar para a
democracia moçambicana! Antes havia a barreira dos 5% que foi um artifício
montado em Roma para evitar a entrada de partidos que não ultrapassassem essa
fasquia. Hoje esse obstáculo foi removido.
Manuel de Araújo, um dos poucos
deputados jovens da AR, conseguiu se notabilizar logo pela coerência das suas
intervenções. Qual é o seu futuro político? Recandidata-se a candidato a
deputado pela Renamo?
Penso que o senhor jornalista precipitou-se um pouco.
Está a assumir inter alia que eu já tomei a decisão de que quero continuar a
ser deputado! (risos). Feliz ou infelizmente essa não é a verdade. Ainda não
tomei tal decisão. Provavelmente entre os dias
25 de Julho de 2009 tomarei a posição. E caso tome
a decisão de continuar como deputado, nessa altura também terei que tomar a
decisão de por que partido concorrer! Sei que o tempo não esta do meu lado, mas
resta algum que se bem gerido poderá possibilitar a tomada de uma decisão
acertada!
Durante os 5 anos de engajamento político activo
aprendi muito, ganhei muito em termos políticos, penso também ter contribuído
para uma outra maneira de fazer política. Mas infelizmente algumas coisas e
algumas agendas pessoais e sociais ficaram a perder! A minha vida académica e a
FDZ (Fundação para o Desenvolvimento da Zambézia) foram os dois aspectos da
minha vida que mais perderam com o meu engajamento político activo.
Neste momento estou a fazer um esforço titânico
para recuperar uma parte desse outro Manuel de Araújo, que também tem direito a
existência e que até certo ponto sustenta intelectual e financeiramente o
Manuel de Araújo político.
Também tenho alguns projectos empresariais que
ficaram a perder com a minha entrada na política activa! Infelizmente o
politico honesto em Moçambique ainda morre a fome! Infelizmente inda não da
para viver de politica honesta!
De recordar que apesar da minha formação, nos
últimos 5 anos, devido a filiação partidária não ganhei nenhuma consultoria, ou
nenhum projecto pois neste País para se ganhar uma consultoria, um projecto, um
negocio e imperioso ter o cartão vermelho!
Numa entrevista que tive consigo um
pouco depois das eleições autárquicas de Novembro, disse que a Renamo precisava
de uma reestruturação política, que passava pela realização de um congresso,
onde seria eleito o novo dirigente do partido, que até podia ser Afonso
Dhlakama. O congresso não aconteceu e o líder continua o mesmo. Como membro
senior do partido, que (auto)avaliação faz ao seu partido?
Para já não sou membro senior do partido! (risos).
Sou um cidadão nacional que num dado momento da história do meu País decidiu
ser útil ao seu País. Como sabe vivi e trabalhei durante vários anos no
exterior. E nessa altura achei que juntar me a oposição seria a forma mais
salutar de ajudar o meu País a crescer, pois qualquer democracia que se preze
deve ter uma oposição forte. E mais, o partido no poder deveria ter na altura
20 senão 30 pessoas com a minha formação académica. A oposição não tinha muitas
condições para atrair pessoas com o meu currículo. Portanto, decidi juntar me
àquele que na minha opinião mais precisava dos meus serviços e não tinha
recursos para pagar tais serviços!
Permita-me dizer-lhe que esse posicionamento na
sua entrevista, exigir congresso, fez com que eu e o Dr Quelhas fossemos vistos
e considerados por algum sector senior dentro do partido como não 'merecendo
confiança politica' e a respectiva desvinculação do 'famigerado governo
sombra'! Felizmente eu já me tinha 'auto-desvinculado' do tal governo por
divergências internas em termos de acções, visão e de estratégias!
Devo confessar que até hoje não consegui perceber
como o partido ainda não realizou o Congresso! A não realização do Congresso
foi, na minha opinião a pior decisão que a actual liderança da Renamo tomou! Continuo
esperançado que cedo o congresso se realizará, pois a realização do Congresso
já deixou de ser um assunto interno da Renamo! É um imperativo nacional, pois
está em jogo a democracia!
Imagine que a Frelimo decide que este ano não
haverá eleições porque não há dinheiro! A Renamo seria a primeira a cá vir e
dizer que a Frelimo é anti-democrática! É uma lógica perigosa para a
democracia! No parlamento ou fora dele, no partido ou fora dele, na academia ou
fora dela lutarei incansavelmente para que a democracia em Moçambique se
consolide e não tenha donos!
Acha que Afonso Dhlakama está
apegado ao poder?
Ao não realizar o congresso ele deixa passar essa
imgem, que não é boa nem para ele, nem para o partido e muito menos para o País!
SISE e Frelimo usam
jornalistas para eliminar da oposição
pessoas que pensam
Há uma certa imprensa moçambicana
que o referenciou como possível sucessor de Afonso Dhlakama na presidência do
partido. Já ambicionou ser presidente da Renamo e quiça chegar à presidência da
República?
(Risos...) Infelizmente encontrava me em
Washington quando alguém me enviou um sms a informar-me que um semanário da
praça havia feito essa elegação. Não liguei e nem li o referido artigo pois
achei que se tratava de uma brincadeira!
Agora que me fazes esta pergunta começo a pensar
se os que inventaram tal brincadeira não foram os mesmos que alimentaram a
conversa fiada de que Daviz Simango queria substituir Afonso Dhlakama! E se não
foram os mesmos que alimentaram a conversa fiada que levou a expulsão de Raul
Domingos! Veja que esses boatos todos sem fundamento começam do mesmo sítio! Ou
seja uma estratégia do SISE e da Frelimo, que usa jornalistas (incautos) para
eliminar da oposição pessoas que pensam!
Fernando Mazanga, porta-voz da
Renamo, disse à imprensa nos finais do ano passado, que “a classe intelectual
da Renamo não constitui mais valia para o partido”. Fazia referência a si,
Ismael Mussa e João Colaço. Os outros dois já se despediram do partido e muito
provavelmente, juntaram-se ao MDM de Daviz Simango. Manuel digeriu estes
pronunciamentos?
Meu pai, pessoa que venero bastante ensinou-me
inter alia duas coisas! A primeira que se um maluco te insulta não deves
respondê-lo, pois quem sai a perder és tu, e não o maluco!
Em segundo lugar, ele me ensinou que os homens de
bem não devem discutir pessoas. Devem discutir ideias! Conheço o Colaço desde a
Escola Secundaria em Quelimane e desde essa altura somos amigos. Conheço o
Ismael desde os finais da década de 80. Fomos colegas até ao segundo ano no
Instituto Superior de Relações Internacionais, até a altura em que ele desistiu
do curso e foi estudar no Brasil. Fomos não só colegas de turma como de
camarata! É meu amigo!
Não acredito que algum
deles tenha deixado o partido por causa dos pronunciamentos do Mazanga! Seria
uma total aberração! Seria dar muita importância ao Mazanga, coitado! Sabe que
as vezes até sinto pena dele?
A corrupção tem manchado a nossa
imagem no exterior.
Por último, como é visto Moçambique
na diáspora?
Felizmente Moçambique tem uma boa imagem no
exterior. Infelizmente tem se dito que e no pano branco que cai a nódoa! A
corrupção tem manchado a nossa imagem no exterior. Os sinais de regresso ao
monopartidariasmo, o despesismo orçamental, a dependência externa, falta de
transparência, a partidarização do Estado, as assimetrias regionais, o
incremento da pobreza, o enriquecimento ilícito, o crime organizado, o
endeusamento de Guebuza são nódoas que devem ser limpas com a maior urgência.
Acha que a dependência externa do
país atenta contra a soberania do Estado?
Não diria que a dependência externa atenta contra
a soberania do Estado, mas sim contra a soberania do povo!
A ajuda externa virou uma indústria
Que fazer, na sua opinião, para que
a dependência externa passse para história em Moçambique?
É preciso compreender que a dependência é um pau
de dois bicos. A ajuda externa virou uma indústria. Ela foi, é, e sempre será
um instrumento de política externa dos Países desenvolvidos.
Infelizmente alguns países como o nosso,
desenvolveram uma capacidade não de produzir riqueza, mas sim de gerir ajudas!
E neste jogo existe um pacto entre os doadores e
os membros dos governos recipientes! Ambos tiram dividendos! Quem sai a perder
é o povo que perde a sua soberania!
A dependência cria vícios insanáveis, tanto do
lado dos doadores, como do nosso lado!
A única saída é melhorarmos a nossa capacidade de
produção e de produtividade é descobrirmos os nossos nichos, ou seja as nossas
vantagens comparativas e competitivas! E entrarmos no mundo de cabeça erguida!
Mas isso só se faz se melhorarmos a nossa educação, a nossa saúde ao mesmo
tempo que melhoramos a nossa infrastrutura e o nosso ambiente de negócios! Se
implementarmos as reformas que possibilitem melhorarmos a nossa capacidade de
fazer negócio, diminuir os custos de produção, melhorarmos a nossa produtividade,
diminuirmos a
corrupção, as barreiras alfandegárias e não alfandegárias que emperram o nosso
empreendedorismo, despartidarizar e despolitizar a área de negócios, melhorar a
concessão de créditos ao empresariado, ai sim!
Quem é Manuel de Araújo?
Manuel de Araújo, presentemente
deputado da Assembleia da República pela bancada da Renamo-União, diz-se
interessado de várias áreas: Economia, Relações Internacionais, Direitos
Humanos e Desenvolvimento. Apesar de ser deputado, não assume ser político.
“Estou emprestado a politica por tempo determinado”, afirma. É fundador da
Associação de Estudantes de Relações Internacionais, do Conselho Nacional da
Juventude, da Associação Juvenil para o Desenvolvimento do Voluntariado, da
Fundação para o Desenvolvimento da ZAMBÉZIA, da Associação Moçambicana no Reino
Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e do Centro de Estudos Moçambicanos e
Internacionais (CEMO). E Vice-Presidente do Forum Parlamentar sobre Armas
Pequenas e Ligeiras e membro do Parliamentarians for Global Action (PGA), com
sede em Nova York. É natural da província da Zambézia, onde frequentou a
primeira escola da sua vida. “O meu percurso académico vai da Escola Primária
de Coalane, Anexa ao Centro de Formação de Professores Primários de Nicoadala,
Secundaria 25 de Junho, Pré-Universitária 25 de Setembro, todas na Cidade de
Quelimane. Fiz o ensino superior no ISRI (Instituto Superior de Relações
Internacionais, e nas Universidades do Zimbabwe e Fort Hare (MPS), na
Universidade de Londres (MSc SOAS) e na Universidade de East Anglia (MPhil), no
Reino Unido da Inglaterra e Irlanda do Norte. Leccionei na 25 de Setembro,
Francisco Manyanga, ISRI, ISCTEM e Universidade A Politécnica.
Canal de Moçambique, 23.07.2009 in Mocambique para todos
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