Por: Matias Guente
Tenho estado muito atento aos discursos da chefe da bancada da Frelimo na Assembleia da República, Margarida Talapa. São discursos de teor muito suspeito e irrecomendáveis para sociedades democráticas.
Obviamente que não cabe a ela toda a responsabilidade sobre o que anda a ler, mas a todos os membros do partido Frelimo que se revêem naqueles dizeres e naquela forma coreana de pensar (entenda-se do norte coreano). Refiro-me ao culto de personalidade à figura do chefe de Estado Armando Guebuza. O nosso dicionário chama a esse tipo de exercício: “Lambebotismo” ou “Escovismo”.
Em quase todos os manuais e fichas de teoria política define-se o Culto de Personalidade ou Culto à Personalidade como propaganda política baseada na exaltação das virtudes reais ou inflacionadas de um governante, bem como da divulgação positivista de sua figura.
Não interessa se é verdade ou não. Os cultos de personalidade são frequentemente encontrados em ditaduras, embora também existam em “democracias”, não fosse também o caso vertente.
O culto à personalidade é mesmo uma questão de sobrevivência, pois, regra geral, o “deus” é portador de faca e queijo para uma larga maioria faminta e detentora de pratos vazios.
O culto à personalidade é conhecido pelo seu pacto histórico com a mentira.
Pessoalmente já havia chamado à atenção em espaços públicos para a tendência dos discursos da senhora Margarida Talapa.
Para não falarmos no vazio, o último discurso da chefe da bancada da Frelimo não podia ser mais elucidativo.
Em cerca de 18 páginas o nome de Armando Guebuza ou as suas qualidades foram anunciados 14 vezes. É de resto a marca do discurso.
Recorde-se que o discurso é sobre o encerramento da V sessão da Assembleia da República. Sob todos os prismas de enunciação discursiva, espera-se que o framing seja a Assembleia da República ou o povo que a Assembleia da República representa. Mas os idealizadores do discurso da chefe da bancada da Frelimo têm outra concepção da estruturação do discurso. Tudo gravita em torno de Guebuza.
O discurso começa com a categorização de Armando Guebuza. Talapa trata-o como “Moçambicano Especial”, por isso merecedor de uma “Saudação Também Especial”.
Depois o mesmo Guebuza ascende à categoria de “Farol que guia os moçambicanos”.
A seguir Talapa pede ao todo o Poderoso (Deus) que continue a encher de forças o “Farol”. A designação “farol” é inspirada da história hebraica. No hebraico o farol representa a coluna de fogo que equivale a anjo ou poder de Deus, que guiou o povo de Israel liderado por Moisés à saída do Egipto.
A seguir, Guebuza é citado como defensor da Cultura “como força magnética que estrutura um Povo”. A dado passo Guebuza é portador de “grandes lições”. Tem mais: Guebuza é “apreciado” pela chefe da bancada por ter ido à Nampula “dialogar” com Afonso Dhlakama. Guebuza também é “ensinador”. É também “fiel ao seu estilo de governação”, “interage e é também “grande ouvinte de conselhos de crianças e adultos e partilhador de visões de desenvolvimento”.
As qualidades humanas de Guebuza não terminam por aí. Cabe também a Guebuza o título de “homem que quer ver in loco como vive o povo”. A seguir Talapa pergunta quem é que não gostaria de “participar nestas lições de sapiência”. Logicamente aqui Guebuza é “sábio”.
Guebuza é também, de acordo com Margarida Talapa, portador de “atitudes arrojadas” por levar a cabo as “presidências abertas”.
Aliás, a propósito das “presidências”, Margarida Talapa é da opinião de que “o método priva-o do convívio familiar” mas por Guebuza ter “coração magnânimo prefere suportar o sol, a poeira e as mordomias que lhe rodeiam pela sua alta magistratura”.
Nada mais resta aqui senão concluir que Armando Guebuza é a cópia autêntica da infalibilidade. O Presidente da República de que fala Margarida Talapa não foi eleito, é um anjo enviado por Deus para salvar a humanidade (Moçambique) das pestes deste mundo.
Se o povo conhecesse esse lado de Guebuza penso que a oposição o aceitava sem eleições. Mas esta visão de Margarida Talapa corroborada pelos seus pares membros da Frelimo é bastante perigosa. Na sua carta de crítica ao “culto dos indivíduos” Karl Marx alertou que “os indivíduos são tendencialmente egoístas”. E para harmonizar as relações humanas, Marx diz que se requer uma coordenação que os transcenda e que parta de interesses comuns, assegurando o objectivo, primordial da coesão social.
Ora, não é coesão social, nem interesse comum que Margarida Talapa defende.
Defende, sim, a ascensão espiritual e intelectual de um cidadão. Quando atribui a Guebuza o estatuto de “Moçambicano Especial” remete-nos a ideia da existência dos mais moçambicanos e menos moçambicanos.
Que legitimidade tem o homem de questionar a Deus?
Absolutamente nenhuma, porque a Deus pertence todo o desígnio das coisas.
A visão de Margarida Talapa sobre Guebuza coarcta qualquer tentativa de convivência democrática dentro da própria Frelimo. Aí Guebuza vira mito. Se tem sabedoria não proveniente do conhecimento teorizada por Platão, mas de inspiração Divina, esse indivíduo é inquestionável. Essa ideia contraria toda as entrevistas sobre a abertura (dentro da Frelimo) ao debate, que fazem manchetes nos jornais.
Como debater nessas condições?
Nestas condições só há passagem de sabedoria que emana do dito Sábio.
Fazendo fé que o Presidente da República é humano, por isso dirigente de um país, acredito que não se revê na teoria da infalibilidade defendida por Margarida
Talapa. É urgente que o chefe de Estado desminta publicamente a senhora Margarida Talapa por prática reiterada da mentira.
Margarida Talapa está, desde que ascendeu a chefe de bancada, a atentar contra o seu bom-nome como ser humano. Nestas condições, o presidente ver-se-á na condição de cometer erros graves recebendo rasgados elogios, e não é isso que certamente quererá como homem.
Canal de Moçambique – 23.05.2012 in Mocambique para todos (29.05.2012)
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