Por Machado da Graça
No momento em que celebramos mais um 4 de Outubro, não posso deixar de me perguntar a mim próprio se estamos em paz.
Ao longo das celebrações foram muitas as definições de paz que foram feitas, pelos variados participantes, começando normalmente pela declaração de que a paz não é apenas a ausência da guerra. Depois vinham a necessidade de uma melhor partilha da riqueza nacional, de um desenvolvimento equilibrado, de iguais direitos para todos os cidadãos, independentemente de variadas diferenças, de igual acesso aos benefícios que o país pode proporcionar, etc, etc…
Ora o simples facto de os dirigentes dos dois principais partidos nacionais não se conseguirem juntar num mesmo local para celebrar o aniversário de um acordo que eles os dois assinaram parece-me, à partida, prova de que não estamos em paz. De maneira nenhuma.
Por um lado temos a Renamo a queixar-se de que o Governo da Frelimo não está a honrar os compromissos que assumiu em Roma. E a ameaçar que vai aquartelar os seus combatentes que foram sendo retirados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique ao longo destes 19 anos.
Por outro lado temos o Governo, através de todas as instituições que lhe estão sujeitas, nomeadamente os órgãos de informação do dito sector público, a diabolizar Dlakama e a Renamo, atribuindo-lhe intenções que eu não sei se ele tem ou não. Quem sabe se a tal ideia de aquartelar os seus antigos combatentes não tem apenas um objectivo de carácter social e aquilo a que ele chama quartel não será antes uma espécie de lar para a terceira idade, na medida em que a maioria dos tais combatentes já deve ter mais necessidade de uma bengala ou umas muletas do que propriamente de uma arma.
Mas onde a paz é, permanentemente, posta em causa, não é na relação Governo-Renamo. É naquilo a que antes chamávamos luta de classes e hoje não chamamos por já não estar na moda.
Porque as coisas são o que são e não aquilo que alguns gostam de dizer que são. E a verdade é que, no nosso país, há cada vez maior distância entre a forma como vivem os ricos e muito ricos e a forma como sobrevive a maioria da população. E esta população, que é pobre mas não é estúpida, vê que muitos desses ricos e muito ricos obtiveram as suas fortunas através da corrupção e do desvio de fundos públicos. E que isso é feito, na esmagadora maioria dos casos, devido à impunidade que lhes garante o facto de terem um determinado cartão partidário nos bolsos.
E esse tal cartão é a chave indispensável para abrir as portas do poder, seja a que nível for da administração pública, seja a que nível for das forças de defesa e segurança, seja a que nível for dos órgãos de informação do sector dito público, seja a que nível for do aparelho judicial.
É nestes aspectos que eu vejo a paz em perigo no nosso país.Já por mais de uma vez tivemos gente em fúria a protestar nas ruas por causa deste tipo de coisas. E a resposta das forças policiais, a tiro com bala real, pode ter conseguido reprimir aqueles momentos, mas, de certeza, não resolveu o problema que está por trás daquelas manifestações.
Diziam os antigos romanos que o povo fica calmo desde que lhe dêem “pão e jogos”. E, ao que parece, o Governo da Frelimo começou a seguir por esse caminho, ao organizar os recentes Jogos Africanos, gastando a fortuna que gastou. Só que falhou estrondosamente na questão do “pão”. E esse falhanço foi manifesto no fiasco do projecto da cesta básica. E, tenho receio, a fórmula dos romanos não funciona se for aplicada só pela metade.
Fonte: Savana - 08.10.2011
Sem comentários:
Enviar um comentário