Quando os fazedores da nossa Constituição estabeleceram o princípio de que Moçambique é um Estado Laico, eles tinham a consciência da diversidade religiosa que é característica da sociedade, e da necessidade, como tal, de evitar que o Estado se identifique com uma determinada fé, que assumiria então o estatuto de religião oficial.
Era uma decisão bem esclarecida, e que reforçava também o principal instrumento da nossa política interna, que é a Unidade Nacional. A liberdade religiosa é um direito fundamental explícito na Constituição, e isso significa que todos os moçambicanos estão livres de abraçar qualquer religião que seja da sua convicção ou conveniência.
Enquanto o Estado cria as condições objectivas para que essa liberdade seja efectivamente exercida, ele descompremete-se de qualquer instituição religiosa, vedando-se, assim, de subscrever a qualquer crença religiosa ou conferir beneplácito aos seus actos.
A laicidade do Estado moçambicano não impede, porém, que individualmente, os agentes do Estado ou seus servidores, a qualquer nível, sejam praticantes de qualquer religião que seja da sua escolha. Mas não permite que a sua participação em actos religiosos assuma um protagonismo tal que os confunda actividades do Estado. Por outras palavras, nenhum dirigente do Estado deve presidir a actos religiosos, para além da sua participação como crente.
É assim que causou surpresa o escandaloso protagonismo do Senhor Primeiro Ministro Aires Ali, durante uma actividade religiosa de produção de “milagres” recentemente realizada na cidade de Maputo, actividade essa passível de levar todos os rótulos menos abonatórios que se pode imaginar.
“Dia da Decisão” ou “Dia D”, a escolha é livre. Mas tudo se resumia ao último 26 de Setembro, data escolhida para a realização de milagres. Os deficientes auditivos passariam a ouvir, os mudos passariam a falar, os cegos teriam a sua vista restituída, e os deficientes físicos passariam a andar normalmente. Milagres pagos a preços de ouro, mas sobre os quais nenhuma evidência foi exibida. Fraude em nome da fé? A resposta não é nossa.
Mas haverá uma relação de mútua exclusividade entre os milagres e o facto da sua consagração ser agraciada com a presença do dirigente de um governo que se encontra empenhado na construção de hospitais, dotá-los de pessoal e equipamento para curar doentes, que constrói escolas para combater a ignorância, que acredita que só com o trabalho árduo se vencerá a pobreza.
Ironicamente, estas acções “milagrosas” aconteciam na mesma altura em que uma numerosa equipa de médicos chineses se encontrava entre nós para a realização de operações científicas para a remoção de cataratas em doentes visuais no Hospital Central de Maputo. Para quê teria sido todo aquele esforço com honras presidenciais?
Paremos para pensar. Se os milagres funcionassem, há muito teríamos erradicado a pobreza que é a principal doença de que a sociedade moçambicana enferma. Teríamos acabado com o HIV/SIDA e outras doenças infecciosas que todos os anos tiram de entre nós vidas preciosas. Não haveria acidentes de viação que ocorrem todos os dias nas nossas estradas como se de uma praga se tratasse. Seria tudo apenas uma questão de fé.
Estamos cientes do risco da ostracização a que este nosso posicionamento nos irá condenar, das orações para que o diabo se instale em nós, mas princípios constitucionais não podem ser sacrificados no altar do expediente político, e reafirmamos a nossa posição de princípios de que o Estado nunca se deve imiscuir em matérias religiosas, as quais devem ser reservadas aos Padres, Pastores, Sheicks, Rabis, etc. É um princípio sagrado da nossa Constituição, e deve ser salvaguardado como tal. (redacção)
Fonte: Savana - 07.10.2011
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