terça-feira, agosto 09, 2011

Eis porque Moçambique adere ao Tribunal Penal Internacional (TPI)

Segundo a Presidente da AR, Verónica Macamo, ocorre que a legislação moçambicana determina algumas imunidades a figuras do Estado, que não podem ser alvos de detenção ou prisão, salvo em flagrante delito. Trata-se do Presidente da República, presidente da Assembleia da República, dos presidentes e juízes dos tribunais, deputados, membros do Governo, provedor da justiça, entre outras personalidades.
Contudo, ratificar o tratado, neste caso, seria entregar ao TPI o poder sobre estes dirigentes, que o próprio estado moçambicano não tem.
No que diz respeito às penas a aplicar, o Tribunal Penal Internacional determina no artigo 77º, entre outros castigos, “a aplicação da pena de prisão perpétua, se o elevado grau da ilicitude do facto e as condições pessoais do condenado o justificarem”.

Fonte: O País online - 09.08.2011

Reflectindo: Ora, como Moçambique ractificaria o Tratado de Roma se quem decide sobre isso são os que defende as suas imunidades?

14 comentários:

Muna disse...

Não gosto da Frelimo, são sou da Frelimo. É uma questão de berço. Mas, neste ponto, a Frelimo toma uma decisão certa. Resta saber até quando?

Ziocmo

Heyden disse...

Mocambique nao adere ao TPI, e isso que a Presidente da AR esta a afirmar. O argumento que ela usa e o mesmo que muitos paises que nao alinham com o TPI usam. Deveria haver um referendo nacional em que votamos a favor ou contra a nossa integracao ao TPI. O TPI e importante porque quando os nossos sistemas de justica nao funcionam, pelo menos temos esperanca de que alguem vai olhar por nos. Temos que acabar com imunidades, eu nao vejo nenhuma racionalidade de eu poder ser preso numa barraca onde estou a beber e um deputado nao estar preso numa barraca onde estamos a beber e ambicionar uma mesma miuda como aconteceu um certo dia com um amigo meu.

Reflectindo disse...

A Frelimo está proteger hoje como se protegeu antes.
Bem dito, Heyden.

Muna disse...

Qual é o sistema que não defende os seus interesses?

Que me seja indicado apenas um.

Eu disse sistema e não Estado.

Ademais, alguém estaria de acordo entregar ao TPI o seu filho? Ou ao vizinho para o endireitar no lugar do encarregado deste? Pior, tratando-se de um tribunal com meias medidas?

Como disse, apoio a decisão da Frelimo (governo) neste aspecto. Comecem por ir buscar o Bush e companhia...

Até certo ponto este tipo de tribunal (diferente das ONU) sobrepõem-se ao tribunais nacionais. Todavia, não tenho gesso na cabeça para não reconhecer que esses tribunais nacionais funcionam a mando desses sistemas, a Frelimo é um deles.

E então? Que haja uniformidade nas coisas, no funcionamento do TPI para haver igualdade de critérios. Sem isso, concordo, repito, com a senhora Verónica Macamo.

Zicomo

Nelson disse...

Muna concorda com essa posição da Frelimo. Está no seu direito mas para mim fica bem claro que os motivos são totalmente diferentes dos da Frelimo. A VM alega as imunidades dos dirigentes que precisam continuar a ser mantidas enquanto que Muna, penso eu, vai pela parcialidade nas posições do TPI. Eu concordo que hajam casos que o TPI devia agir e não agiu mas também essa de imunidades gera oque andamos aqui a reclamar, corrupção, nepotismo e etc etc... DILEMA EIX!!!

Muna disse...

Caro Nelson,

Volto a questionar, estaria disposto o amigo Nelson a entregar os seus filhos para serem disciplinados pelos seus vizinhos? Aponte-me um só caso de imparcialidade do TPI. Donde saem os juízes do TPI? Quem são? Parecendo que não, a senhora VM teve a oposição correcta ao dizer que não, pecou é na palavra imunidade.

Zicomo

Reflectindo disse...

O Nelson esclareceu bem. Eu dei isso como nota: "como Moçambique ractificaria o Tratado de Roma se quem decide sobre isso são os que defende as suas imunidades?"

O que eu não entendo é que a meia volta o Muna vai reclamar sobre atitudes que devem ser julgados no TPI.

Nelson disse...

"estaria disposto o amigo Nelson a entregar os seus filhos para serem disciplinados pelos seus vizinhos"

Eu não tenho certeza se o exemplo de filho e vizinhos que Muna usa aqui, é assim tão útil e prático para o caso em discussão porque sendo diriamos que Moçambique não pode nem deve entregar os seus corruptos, ditadores, devastadores de florestas para serem "disciplinados" pelo visinho leia-se TPI, mesmo que esteja clara a "falta de capacidade" de disciplina-los internamente quer sejá por falta de instituições capazes ou por imunidades premeditadamente atribuídas à esses "filhos" de modo que se um dia prevaricarem nada lhes possa acontecer.
Usando seu exemplo eu diria que em nome da coerência, se não tenho capacidade de disciplinar os meus filhos e não devo entregar-lhes ao vizinho, não devo nem tão pouco reclamar o comportamento deles eponto final.
Muna e Verónica Macamo concordam é só na oposição ao TPI não nos motivos isso ficou claro quando lhe li no Diário de um sociólogo onde até pareceu que todos os casos do TPI foram só com líderes africanos

Muna disse...

Continuo a favor da Frelimo nesta posição.

Zicomo

Anónimo disse...

Caro Nelson,

O TPI não foi criado para disciplinar devastadores de florestas.

Já na primeira discussão sobre o Tribunal (resolução 177/II) na Assembleia Geral da ONU foram mencionadas “crimes contra paz, a segurança e a humanidade” como possíveis áreas de actuação. Num predecessor do TPI, no Tribunal Militar de Nueremberg, os alemães foram julgados por quatro crimes: conspiração, crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

O TRATADO DE ROMA, que prevê a criação do TPI, vinculado à ONU, foi aprovado por Moçambique em Dezembro de 2002. Um dos três princípios de actuação do TPI inclua a complementaridade (o tribunal age somente, se a jurisdição do Estado ou as instituições nacionais não agem), um outro a universalidade, pelo qual os Estados membros colocam-se integralmente sob a jurisdição do TPI. O princípio mais importante é o princípio da RESPONSABILIDADE penal individual.

Este princípio prevê a irrelevância da função oficial, igual se presidente, primeiro-ministro, ministro, a presidente da AR, deputado, chefe da polícia ou o chefe militar, todos podem ser responsabilizados pelo crime de genocídio, crime de agressão, pelos crimes contra humanidade e crimes de guerra.

Um motivo para a criação do TPI foi a luta contra a cultura de impunidade e mudança para uma cultura de responsabilidade. Os políticos no exercício da soberania estatal são juridicamente, incluindo Verónica Macamo, são responsáveis por seus actos legais e ilegais. Possíveis colisões com a legislação nacional (pena de morte e da prisão perpétua) já existiram em 1998, mas o governo abandonou dos princípios nacionais e aprovou todo.

Por isso as imunidades ou normas de procedimento especiais para políticos violam o conteúdo e espírito do TRATADO DE ROMA. Segundo o princípio PACTA SUNT SERVANDA, os compromissos assumidos com a assinatura de Moçambique devem ser cumpridos e o TRATADO ratificado e implementado. Nove anos depois a assinatura não é preciso estudar as condições existentes para a aderência. É preciso de actuar. Temos de acabar com a cultura da irresponsabilidade e impunidade.

Um abraço do
Oxalá

Nelson disse...

Caro Oxala. Essa de "devastadores de florestas" foi só um "spice" no assunto. Obrigado pelo input, quanto a mim muito útil para entendermos os posicionamentos.

Reflectindo disse...

Amigo Oxalá,

Muito obrigado pela contribuicão e espero que o amigo Muna entenda bem. O trato de Roma é em defesa do cidadão mocambicano pacato.

De todas as formas, tenho em mim que quando chegar a vez de um mandato de detencão de um mocambicano, algo o TPI fará mesmo que o nosso governo negue aderir ao Trato de Roma. Aliás, o grande problema agora é da dificuldade de um CIDADÃO COMUM puder apresentar queixa no TPI, enquanto Mocambique não aderir ao Trato de Roma. Não será?
Sendo isso, pode-se afirmar que é o que muitos não entendem, pois que por iniciativa própria, o TPI pode mandar deter qualquer suposto de prática de crime de genocídio, crime de agressão, crime contra humanidade e crime de guerra.

Abraco

Anónimo disse...

Caro Reflectindo,

Quem pode iniciar uma investigação, inquérito ou processo penal no TPI? Tudo isso está regulado nos artigos 13.º, 14.º e 15.º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, aberto à assinatura dos Estados em Roma, em 17 de Julho de 1998. Aqui são os textos:

Artigo 13.º
Exercício da jurisdição

O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5.º, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se:
a) Um Estado Parte (comentário de Oxalá: o que significa Estado membro) denunciar ao procurador, nos termos do artigo 14.º, qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes;
b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou
c) O procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos termos do disposto no artigo 15.º

Artigo 14.º
Denúncia por um Estado Parte

1 - Qualquer Estado poderá denunciar ao procurador uma situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários crimes da competência do Tribunal e solicitar ao procurador que a investigue, com vista a determinar se uma ou mais pessoas identificadas deverão ser acusadas da prática desses crimes.
2 - O Estado que proceder à denúncia deverá, tanto quanto possível, especificar as circunstâncias relevantes do caso e anexar toda a documentação de que disponha.

Artigo 15.º
Procurador

1 - O procurador poderá, por sua própria iniciativa, abrir um inquérito com base em informações sobre a prática de crimes da competência do Tribunal.

Comentário de Oxalá: Mas ele deve considerar a gravidade do crime, as circunstâncias e os interesses superiores das vítimas e testemunhas. Cada pessoa afectada por um dos quatro crimes definidos no Estatuto, mas igualmente organizações não- governamentais podem entregar serias informações (provas jurídicas) ao procurador do TPI, que decide de abrir ou não abri um inquérito. Se concluir que existe fundamento suficiente para abrir um inquérito, o procurador apresentará um pedido de autorização nesse sentido ao juízo de instrução, acompanhado da documentação de apoio que tiver reunido. As vítimas poderão apresentar provas ou testemunhos no juízo de instrução, de acordo com o Regulamento Processual. As vítimas poderão também apresentar as suas observações ao TPI. Para todas as vítimas existe uma “Unidade de Apoio às Vítimas” no TPI que também presta assessoria.
O Estatuto do TPI não protege políticos ou generais que cometeram crimes contra a humanidade, crimes de genocídio, crimes de guerra ou crimes de agressão, mas sim as vítimas e as testemunhas dos mesmos. Segundo o artigo 68.º “o Tribunal adoptará as medidas adequadas para garantir a segurança, o bem-estar físico e psicológico, a dignidade e a vida privada das vítimas e testemunhas”. Graças a ONU, o Estatuto do TPI defende o princípio fundamental da igualdade perante a lei. Por isso não existem imunidades ou normas de procedimento especiais para políticos no Estatuto (o que obviamente incomoda algumas pessoas no AR). O TPI foi criado para acabar com a irresponsabilidade e impunidade de ditadores e regimes autoritários.

Um abraço do
Oxalá

Reflectindo disse...

Mais uma vez, meu obrigado pelos detalhes, amigo Oxalá.

Abraco