domingo, agosto 28, 2011

Da renúncia de edis à queda de Kadafi

Por Jeremias Langa

Tudo isto nos remete à ideia de que, ao contrário do que diz publicamente, a Frelimo sabe por que os três presidentes de municípios estão a abandonar os seus lugares. Aliás, não só sabe, como está também por detrás. Um partido com quase 50 anos de estrada, que atravessou vários processos históricos, seria estranho que se deixasse surpreender por processos de nível local.

Depois de veementes desmentidos, depois de tentarem passar a ideia de que era boato da comunicação social, um a um, os presidentes de vários municípios nacionais vão anunciando a sua renúncia ao cargo. Já lá vão três em duas semanas. E a saga pode não terminar por aqui.
Diríamos que é normal, num processo democrático, alguém colocar o seu lugar à disposição. Aliás, a Frelimo tem-se esforçado por passar esta mensagem, nas suas reacções, cada vez que um edil anuncia a sua renúncia. Mas, convenhamos, três de uma só vez, levanta compreensíveis desconfianças quanto à genuidade deste processo, mais a mais, num país onde não abundam exemplos de dirigentes políticos que alguma vez tenham renunciado aos seus cargos, de livre e espontânea vontade. Daí a relutância da opinião pública em aceitar as justificações dadas.

Para lá dos indícios de que os edis que ora renunciam em cascata estão envolvidos em ilícitos de gestão bastante sérios, há a forma como saem e as justificações que dão. Todos alegam, mais ou menos, razões pessoais para sair e renunciam escrevendo para as respectivas assembleias municipais e nunca se dirigindo directamente para os munícipes que os elegeram.

O mais caricato foi Pio Matos: na véspera, esteve à frente das comemorações do aniversário da cidade de Quelimane, orientou um comício popular que sabia ser de despedida, mas mesmo assim, não disse uma palavra que fosse a quem o elegeu, que no dia seguinte estava de partida. Para esta gente, contam mais as instituições e os mecanismos formais. O povo, que os elegeu, só serve para isso mesmo: para dar votos. E como quando se sai não é preciso votos...

Como referimos, os três edis evocam mais ou menos as mesmas razões: um decidiu, subitamente, a meio do mandato, ir estudar; outro percebeu, de repente, que sofre de uma doença que o incapacita de dirigir o município e o terceiro concluiu que tem “perturbações pessoais” que o impedem de dirigir o município. E, em todos os três casos, a bancada da Frelimo aceitou as justificações dadas num ápice, sem exigir comprovativos do que dizem, mesmo sabendo que um cenário de eleições intercalares não é desejável para a actual situação do país. No caso de Quelimane, chegou-se ao caricato de a Renamo votar a favor da continuação de Pio Matos e a Frelimo pela sua renúncia, como se Matos tivesse sido eleito por aquele partido da oposição.

Tudo isto nos remete à ideia de que, ao contrário do que diz publicamente, a Frelimo sabe por que os três presidentes de municípios estão a abandonar os seus lugares. Aliás, não só sabe, como está também por detrás. Um partido com quase 50 anos de estrada, que atravessou vários processos históricos, seria estranho que se deixasse surpreender por processos de nível local.

O que acaba por ser surpreendente neste processo é a estratégia escolhida. Dominando as assembleias provinciais em toda a linha, a Frelimo não precisava de recorrer ao expediente que fez uso agora. A lei está, afinal, do seu lado e bastava orientar as suas bancadas municipais para produzirem monções de censura contra os presidentes e...zás, estes ficavam sem legitimidade para continuar e eram obrigados a renunciar. Assim, pelo menos, deixava a ideia de ter sido um processo democrático normal, previsto nos mecanismos legais de funcionamento das autarquias. O partido ficava com as mãos limpas. Do jeito que fez, não ficou bem na fotografia, pois dá a ideia de ter promovido um verdadeiro “golpe de estado” em Cuamba, Pemba e Quelimane.

Por falar em golpe, esta semana, na Líbia está a dar-se um, em toda a linha daquele estado. Muamar kadafi está a sair pela porta pequena, após 42 anos como Chefe de Estado.

Olhemos para os dados económico-sociais da Líbia referentes a 2010: tem um PIB de 90,97 biliões de dólares, sendo o 74º maior PIB do mundo (para se ter uma ideia da diferença, Moçambique tem um PIB de cerca de 20 biliões de dólares, portanto, quatro vezes e meia menos que o da Líbia). A economia da Líbia tem uma taxa de crescimento anual de 4,2%, inflação de 3%. A Líbia é o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de África e o 53º mundial: a esperança de vida é de 74 anos, o nível de alfabetização é de 84,2% e a mortalidade infantil é de 18,0 em cada mil nascidos. A Líbia tem ainda a maior renda per capita de África e a 49ª do mundo - em torno dos 15.500 dólares (maior que a do Brasil e da Argentina), um país com ausência total de impostos e benefícios sociais com pouco paralelo no mundo.

Agora, a questão que se impõe: como é que um país com uma capacidade de gerar e distribuir riqueza tão generosa, como a Líbia, foi viver uma insurreição popular? Na Tunísia e no Egipto, a insatisfação económica foi o principal motor para as revoltas populares. As economias destes países estavam em decadência manifesta com repercussões sociais. O manifesto pela liberdade foi apenas o complemento certo que espicaçou as pessoas, sobretudo os jovens, para as ruas.

Na Líbia, como se vê pelos números, a premissa da satisfação económica estava minimamente satisfeita e dificilmente poderia ser a causa. Resta o desejo da liberdade, da democracia. Poderá ter sido esse o desiderato para a revolta?

Muamar Kadafi era um autocrata, um déspota, que governou a Líbia com a mão-de-ferro, negando aos seus cidadãos direitos fundamentais como a liberdade, a democracia. Como Kadafi e a Líbia, há muitos países pelo mundo. Veja-se a Arábia Saudita, a Coreia do Norte. A própria China e muitos outros países no mundo. Mas não vimos o Ocidente a promover a invasão desses países.

Não é que goste de Kadafi, mas repugna-me a forma diferenciada como os que mandam no mundo tratam alguns países. Não há ditadura boa nem má. Há ditadura. Por isso, as liberdades que Kadafi negou aos líbios são as mesmas que Hu Jintao não dá aos chineses, e deviam levar o Ocidente a actuar da mesma maneira com todos. Mas não o faz. Na verdade, só age onde tem interesses e estes são postos em causa.

Mais dia, menos dia, saberemos as verdadeiras motivações desta invasão da Líbia. O certo é que há uma estratégia com detalhes de bastidores ainda não totalmente conhecidos, mas que envolve, com certeza, o negócio de petróleo. A alguns deles, falta mesmo pudor. No dia em que se anunciava a entrada triunfal dos rebeldes em Trípoli, um jornal francês anunciava que o executivo de Sarkozy acabava de assegurar 85% do petróleo líbio. É isto democracia?

Fonte: O País online - 27.08.2011

6 comentários:

Muna disse...

Exactamente, é isto democracia?

Já viram porque eu não sou democrático? Nunca fui. Embora esteja a favor da saída do capivara-mor.

Zicomo

Anónimo disse...

Alo sr. Reflectindo,
nao podias postar uma senhora aqui chamada Loide jorge? Eu sei que nao tem nada haver com o thema citado da cima,é uma personalidade total boa.Podes ver a senhora Jorge no google também na voz da América

Cumprimentos

Marvin

Reflectindo disse...

Obrigado pela sugestão, amigo Marvin.

Anónimo disse...

Nguiliche

O Ocidente nao invadiu a Libia como alguns fas do Kadhafi e de alguns regimes Africanos aliados do Kadhafi pretendem fazer passar. Grande parte de contratos de exploracao de petroleo pertenciam aos paises ocidentais, nao fazendo nenhum sentido querer aliar o conflito com o Ocidente, tendo como petroleo no meio. Verdade é que é vergonhoso para um homem que muito fez para Libia e para si sair daquele geito, porém, fica uma licao: o homem pode ser dono de pocos de petroleo, de curais de gado, de grandes extensoes de terras e de capoeiras de patos mas nunca deve se considerar dono de outro homem.

Reflectindo disse...

Caro Nguiliche

O que afirmas é o que sempre tentei discutir em todos os espacos, incluindo no Facebook. Mas eu descobri que muitos dos que culpam Ocidente e falam de petróleo na Líbia, falam de Mocambique. É incrível como nós próprios desvalozamos os nossos próprios actores. É incrível como mocambicanos continuam directa ou indirectamente a declarar que a Frelimo era um grupo de fantoches dos soviéticos e chineses segundo o regime colonial, a Renamo fantoches dos regime de apartheid, e para não esquecermos dos atributos ao MDM.
Esta maneira de pensar impede-nos evitar problemas graves como os da Líbia, Costa de Marfim...

Anónimo disse...

Não percam tempo...Khadaffi já era...só porque acordou um dia , e pediu o pagamento do petróleo em barras de oiro.
Isso mesmo ...barras de oiro!
Euros , dólares, libras, etc...NOOOO!
Oiro puro, e não ferro banhado!
E vejam como o OIRO subiu de preço!
Ele descobriu o negócio...e no fim, vão-lhe cortar o pescoço!
Quem manda ser "curioso"!