Por Ricardo Santos
Paul Kagamé, presidente do Ruanda, aprovou um decreto anos atrás determinando: o parqueamento das viaturas das ONGs que pululavam no Ruanda; a revisão dos salários e subsídios de representação do enxame de consultores que lá estavam como cooperantes, free-lancers ou no Governo como conselheiros dos quadros seniores de Kagamé.
E porquê? Porque constatou: que 50 porcento das ajudas ao desenvolvimento não eram canalizadas aos reais necessitados (povo), mas sim para um sistema articulado de ONGs, ministérios e consultores. 90 porcento deste valor não entrava sequer no sistema financeiro ruandês. Era pago na fonte (país doador). Dos 50 porcento que chegavam ao Ruanda, 25 porcento eram para as despesas correntes das ONGs e consultores (carros, escritórios, reuniões, recepções, viagens, combustível, etc.) que entravam parcialmente no sistema financeiro de maneira informal e rapidamente se evaporavam nas casas de câmbio que os reexportavam para paraísos fiscais ou faziam-no retornar à fonte. Os 25 porcento restantes eram engolidos pelos ineficientes e pesados departamentos governamentais que tentavam finalmente pôr em marcha os tais "projectos de desenvolvimento" lavrados nos memorandos de entendimento. Destes, 10 porcento eram informalmente canalizados para a corrupção ministerial interna, que funcionava como uma espécie de "gentlemen agreement" entre os quadros seniores de Kagamé e os seus consultores ao influenciá-los para justificar a necessidade de ONGs inócuas permanecerem no Ruanda por mais alguns anos.
Feitas as contas. Se um doador declarasse em Bruxelas ter doado 100 milhões de euros para ajuda ao desenvolvimento ao Ruanda, chegavam ao destinatário final somente 15 milhões parcamente e deficitariamente distribuídos que, por sua vez, iam alimentar outro cancro da sociedade. A pequena corrupção e ócio de uma população camponesa que havia sido domesticada pela guerra a ter a mão permanentemente estendida para todos indivíduos de epiderme clara, que passaram a ser os benfeitores. E assim se fundou uma maneira de se estar, que já se transmitira até à quarta geração de pedintes. O avô, o pai, o filho, o neto. Todos no campo de refugiados, de vestes escanzeladas, olhares anoitecidos, vozes chorosas e treinadas. Pedindo. E montes de tipos de Hollywood tirando fotos com eles para engordarem suas contas bancárias com recorrentes campanhas de "fund raising" e inspiração para mais um best-seller mundial inspirado na desgraça do continente mais rico do mundo. Quando caia a noite, os visitantes partiam no seus helicópteros de luxo e os desgraçados penitentes, como que atingidos por um raio divino, ganhavam forças e dançavam noite adentro, bebiam e estouravam os últimos cobres que o benfeitor ainda agora lhes deixara, com mulherada alheia, feitiçaria, vestimentas garridas de mau gosto. Chinesices vendidas a preço de ouro, por outros não menos miseráveis africanos, ou pelos próprios. E no dia seguinte, lá estavam eles prontos, novamente de mão estendida, voz chorosa e treinada, a ensaiarem mais uma lamúria para o benfeitor que se seguisse. O encanto iria acabar um dia. Assim pensou Kagamé. E pensou bem e a tempo.
Fonte: Jornal Notícias - 03.08.2011
1 comentário:
Este artigo é o máximo. Aqui o autor lucubrou. Já comentei, sobre este artigo, no Moçambique para Todos.
Zicomo
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