A PANDEMIA da SIDA continua a "semear" luto um pouco por todo o país. As crianças são muitas vezes forçadas a chefiar as suas próprias famílias pelo facto de os seus pais terem perecido vítimas desta doença. Os grandes corredores e principais terminais e/ou paragens de transportes semicolectivo de passageiros e de carga são as zonas mais vulneráveis, devido à sua localização geográfica e/ou fluxo populacional.
Maria Deniasse, de 12 anos de idade, residente no posto administrativo de Muxúnguè, distrito de Chibabava, sul de Sofala, localizado ao longo da Estrada Nacional Número Um, é exemplo desta triste realidade. A menor, órfã de pais, foi forçada a abandonar os cadernos para abraçar a venda da castanha de caju, em Muxúnguè, para alimentar os seus irmãos mais novos e a sua avó materna.
A nossa equipa de reportagem trabalhou recentemente no posto administrativo de Muxúnguè para perceber a gravidade do problema. Por volta das 19 horas e 40 minutos do dia 24 de Maio, ficámos a saber junto de um jovem local que desempenhava a função de nosso guia da existência de uma adolescente com uma história bastante triste. Não resistimos e fomos ao seu encontro.
A nossa equipa de reportagem trabalhou recentemente no posto administrativo de Muxúnguè para perceber a gravidade do problema. Por volta das 19 horas e 40 minutos do dia 24 de Maio, ficámos a saber junto de um jovem local que desempenhava a função de nosso guia da existência de uma adolescente com uma história bastante triste. Não resistimos e fomos ao seu encontro.
No meio da habitual agitação nocturna da principal paragem de Muxúnguè, estava lá a menina Maria, tentando persuadir os clientes a comprarem a sua castanha. "É esta menina. Podem conversar com ela", disse o nosso guia que se identificou pelo nome de António.
"Castanha quente, castanha quente.... compra esta, patrão. É boa castanha", gritava a pequena Maria, no meio de muitos outros vendedores ambulantes mais velhos, que também procuravam, cada um, à sua maneira, "namorar" os clientes.
Explicámos à menina Maria que, para além de comprar a castanha pretendíamos saber um pouco mais do seu dia-a-dia. Ela aceitou o convite. No meio de sorrisos e lágrimas, foi contando a sua história, começando pela história da morte do seu pai, há seis anos, até ao seu envolvimento neste negócio, com intuito de dar "pão" à sua família.
"Meu pai trabalhava na África do Sul. Quando viaja para lá ficava quase um ano. Mas sempre vinha ver-nos nas festas do Natal e trazia sempre coisas novas, roupa, gira-discos, bicicletas e muito mais coisas. A minha mãe trabalhava na machamba. Produzia muito ananás e tinha um campo enorme de cajueiros. Ali conseguia tirar muita castanha e, para além de fazer aguardente a partir do sumo de caju.
O meu pai gostava muito desta bebida. A minha mãe até enterrava uma quantidade considerável desta bebida e só a desenterrava quando o meu pai chegava da África do Sul", disse.
A pequena Maria explicou que a alegria na família começou a desaparecer em 2000, quando o pai voltou da África do Sul padecendo da tuberculose e alguns meses depois perdeu a vida.
Posto isto, alguns parentes decidiram que o irmão do finado deveria viver maritalmente com a viúva, o que se veio a concretizar mesmo depois de muitas contestações de uma parte dos membros da família. Trata-se de uma tradição local denominada "Guarautaca". Um ano mais tarde, o tio também perdeu a vida, supostamente também vítima de tuberculose. Só agora é que a minha avó explicou-nos que o meu pai morreu de SIDA, a mesma doença que matou a mãe e o tio, mais tarde.
Segundo ela, quando estas mortes aconteceram, houve acusações de feitiçaria. "A minha mãe sofreu muito. Foi acusada de ser feiticeira, por ter morto o meu pai e também o meu tio", disse visivelmente triste a pequena Maria, acrescentando que "foram a muitos curandeiros à busca do responsável pela morte do meu pai e do meu tio. Todavia, nunca soubemos o que se passava, pois diziam que eram assuntos de pessoas adultas". Ela explicou que esta situação fez com que os parentes do seu pai deixassem de frequentar a sua casa.
A viúva (sua mãe), que vivia do trabalho da machamba, já não conseguia fazer quase nada, pois estava muito doente. Na sequência dessa doença, que se dizia ser uma tuberculose, veio a perder a vida.
As coisas complicaram. "Fiquei eu, meus dois irmãos mais novos e a minha avó materna. Os meus tios já não nos visitam e, porque a minha avó já não pode fazer muito por nós, tive que procurar alternativas para sustentar a família. Deixei de estudar para fazer algum negócio que nos desse algum dinheiro. Por isso, diariamente compro e revendo castanha aqui na paragem de Muxúngué. Não é um negócio rentável, mas dá para não dormirmos com fome", referiu.
EDUARDO SIXPENCE
Notícias - 2006-06-20
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