Por Jaime Ubisse
Um relatório formalmente divulgado sexta-feira passada, em Maputo, voltou a confirmar que a maioria dos moçambicanos continua a viver com menos de um dólar norte-americano por dia, pondo em causa, desta forma, pronunciamentos segundo os quais a pobreza absoluta tende a decrescer em Moçambique.
O documento, formalmente apresentando sexta--feira passada, foi elaborado pela Plataforma das Organizações da Sociedade Civil Moçambicana para participação nos Observatórios da Pobreza e Desenvolvimento, denominado G20.
O Executivo esteve representado naquela cerimónia pelo vice-ministro das Finanças, Pedro Couto, enquanto que Lidi Remmelzwaal participou no evento em representação dos Parceiros de Cooperação com Moçambique, maiores financiadores do Orçamento do Estado (OE).
O relatório aponta entre vários constrangimentos ao desenvolvimento fracassos na luta contra a corrupção, falta de progressos nos sectores da educação, saúde e nas políticas macro- -económicas.
De acordo com o documento, a sociedade civil moçambicana é da opinião que a transparência para os actos governativos é ainda premente, considerando que a corrupção está a apresentar resultados negativos para a sociedade, lesando, em última análise, o próprio Estado.
O relatório reconhece, entretanto, que há uma vontade expressa da parte do Governo moçambicano em combater a corrupção, assim como existe legislação aprovada e instituições que poderiam contribuir melhor para a moralização de acções dos funcionários do Estado e de titulares de cargos públicos.
Porém, continua o documento, ainda não se vê de parte da governação acções concretas que podem encorajar, por exemplo, o cidadão comum a pagar imposto, tendo a certeza da sua conversão em fundos públicos para criar desenvolvimento e sem exigências de pedidos de pagamentos colaterais extra-legais para que tal aconteça.
A chegada tardia de material escolar de distribuição gratuita às escolas, a falta de professores qualificados e de fundos para aquisição de meios de aprendizagem são apontados como outros dos males de que ainda enferma o sector de educação no País.
Na área da saúde, no relatório, refere-se ainda a reduzida cobertura de postos de saúde e hospitais, a falta de transporte e dificuldades de acesso aos locais mais recônditos do País e a cada vez maior incidência de HIV/SIDA, tuberculose, malária, entre outras doenças como alguns dos factores que contribuem para o aumento da pobreza em Moçambique.
Outra das causas do empobrecimento da população prende-se com a privatização e falência de empresas, com realce para o fim da indústria do caju e os fracos mecanismos de cobrança de impostos.
Cenário sombrio nas províncias
O relatório faz o diagnóstico da realidade prevalecente em todas as províncias do País. Refere, por exemplo, que a redução da pobreza em Gaza não colhe ainda consenso entre as comunidades locais. O documento sustenta que, apesar dessa redução indicada pelo Governo, a província continua a ser a quarta mais pobre do País, apesar do seu inquestionável potencial agro-pecuário. São apontadas como as principais causas do empobrecimento da sua população os elevados índices de HIV/SIDA, registando uma taxa de prevalência de 32 porcento no seio de um universo populacional de cerca de um milhão e meio de habitantes. O desemprego e a exiguidade de estabelecimentos de ensino secundário são outros dos motivos que levam ao pessimismo da população em Gaza.
Em Inhambane, o documento traça um quadro sombrio da implantação do PARPA I. A percepção dominante é que a província é um contribuinte de peso no crescimento económico nacional, com a existência de grandes projectos, como SASOL, Hidrocarbonetos de Moçambique e o Aeroporto Internacional de Vilankulo, mas cuja contribuição não tem estado a se reflectir de forma directa na melhoria das condições de vida da população.
Mais adiante, o mesmo documento sublinha que, em Manica, o sector agrário e a educação desempenham um papel importante no processo de desenvolvimento económico e social da província, pelo seu contributo na garantia da segurança alimentar e no Produto Interno Bruto. Porém, refere que, apesar do aumento da rede escolar e número de crianças com acesso ao ensino, a oferta dos serviços educacionais não é ainda abrangente. As infecções pelo HIV/SIDA não estão a diminuir, sendo Manica a segunda província mais afectada, com uma taxa de prevalência de 19 porcento.
Sobre a província e cidade de Maputo, o relatório refere que, neste ponto do País, se registou um aumento de índices de pobreza, embora tenham sido muitas as realizações para inverter o cenário. Particular destaque para o crescimento das áreas de educação, saúde, infra-estruturas e agricultura.
A informação da província de Nampula, construída a partir de relatórios de 21 distritos, revela uma ampla participação da sociedade civil na resolução dos problemas das comunidades e nas acções de combate à pobreza absoluta. Nestas actividades destaque vai para a construção de latrinas melhoradas, abertura de machambas, fomento pecuário, abertura de fontes de água, construção de estradas, promoção de campanhas de alfabetização, preservação do meio ambiente, promoção do turismo, e acções de sensibilização sobre o combate e prevenção do HIV/SIDA.
Niassa continua marginalizada
No que respeita a Niassa, o relatório é categórico nas suas conclusões: a província está ainda longe dos parâmetros aceitáveis para uma condição humana.
Afirma que aquele ponto de Moçambique tem necessidade de alargar a rede escolar, principalmente o ensino secundário. Precisa ainda de melhorar o sistema de abastecimento de água potável e a extensão da rede eléctrica para as zonas rurais.
No âmbito social, o documento avança que a questão do HIV/SIDA constitui uma preocupação cuja prevenção e mitigação do seu impacto é tarefa de todos os cidadãos e não apenas do sector da saúde. Na economia, o relatório aconselha o Governo a promover acções conducentes ao aumento da produtividade. O acesso aos mercados deve acompanhar a reabilitação de infra estruturas como estradas e pontes.
Por outro lado, Sofala é citada como tendo reduzido, de forma significativa, os níveis de incidência de pobreza absoluta, isto de acordo com informações dos serviços locais de estatísticas corroboradas pelos actores da sociedade civil no seu relatório referente a 2005. Para este êxito, apontam-se acções combinadas entre o Governo e a sociedade civil no quadro de algumas directrizes do PARPA I, com realce para o treinamento de camponeses em técnicas de conservação de alimentos, adopção de práticas agrárias mais modernas e facilidades de aquisição de meios de tracção animal.
Quanto a Tete, o documento refere que a província não deu ainda sinais evidentes de se ter erguido da guerra civil que terminou há cerca de 16 anos no País. O sector privado não consegue satisfazer todas as necessidades mais básicas da população. Os recursos monetários são escassos e a comercialização agrícola funciona de modo deficiente.
Na Zambézia, o relatório debruçou-se sobre a falta de cumprimento de algumas das propostas da sociedade civil inseridas no PARPA I, nomeadamente a dinamização dos conselhos de consulta, participação afectiva e a criação de uma instituição financeira para o desenvolvimento da província. O documento aponta, por exemplo, que a maioria dos seus habitantes afirmou que nunca participou numa reunião para a resolução dos problemas locais.
Por fim, o mesmo documento refere que, em Cabo Delegado, a materialização de projectos na área da educação, saúde e agricultura foi um grande contributo local para o combate à pobreza. Aqueles programas proporcionaram o surgimento de escolas, postos de saúde, melhoramento no sistema de abastecimento de água potável, introdução de novas culturas de rendimento com modernas técnicas de extensão rural. O licenciamento dos comerciantes informais e o melhoramento das vias de acesso fizeram com que os produtos industrializados chegassem mais facilmente aos camponeses. Porém, o relatório aponta como preocupação o facto de os produtos manufacturados e o combustível serem mais caros no campo do que nas cidades, o que encarece os produtos mais elegíveis nas campanhas de comercialização.
Subsídios para o PARPA II
No documento a que temos estado a fazer referência, o G20 entende que, no capítulo do crescimento macroeconómico e estabilidade, é necessário priorizar os sectores e actividades geradoras de emprego de auto-emprego, assim como investir mais no ensino técnico, ou seja, ensinar as pessoas a saber fazer.
Simplificar os processos de licenciamento para fazer negócios, facilitando e simplificando o seu pagamento, garantir as partilhas de proveitos pelas comunidades locais provenientes de empreendimentos privados com base em recursos locais são outras das contribuições apresentadas pelo G20 para reforçar o PARPA II.
Nos sistemas de monitoria e avaliação do PARPA II, o G20 defende o envolvimento cada vez maior da sociedade civil e propõe a contemplação de implementação de uma clara estratégia de comunicação entre o Governo e demais actores da economia moçambicana.
Afirma que deve ser incluído um mecanismo de prestação mútua de contas entre os diferentes parceiros do processo de desenvolvimento moçambicano, descentralização e desconcentração graduais de competências, com um plano de acção e indicadores bem claros, bem como a necessidade de uma harmonização e clara subordinação e encadeamento dos planos a curto e médio prazos, nomeadamente Agenda 2025, Plano Quinquenal do Governo, PARPA, OGE e PES.
Envolver mais a sociedade civil nos planos operacionais (OGE e PES) nas etapas de elaboração, acompanhamento da execução e avaliação, assim como a apresentação de indicadores tangíveis desagregados por sexo e por região geográfica de monitoria e avaliação para a medição do progresso da redução da desigualdade de género destacam-se entre as várias propostas apresentadas pelo G20 para o melhoramento do PARPA II.
Doadores querem resultados concretos
Intervindo durante a cerimónia de lançamento do referido relatório, a representante do Grupo dos 18 doadores que apoiam o Orçamento do Estado moçambicano, Lidi Remmelzwaal, disse que o propalado crescimento da economia de Moçambique deve produzir resultados concretos na vida das populações.
“É verdade que há mais escolas, mais postos de saúde e mais estradas. Houve reformas no sector da justiça. Podemos dizer também que há mais transparência e que os mecanismos de governação estão a melhorar. Mas a qualidade dos serviços públicos é ainda fraca e as reformas ocorrem lentamente. Por isso precisamos ainda de grandes reformas no sector público e a aplicação de medidas contra o abuso de poder e a corrupção”, realçou Lidi Remmelzwaal.
Lidi Remmelzwaal é também embaixadora da Holanda em Moçambique. Aquela diplomata assegurou, entretanto, que, como forma de ajudar o Governo moçambicano no seu combate à pobreza absoluta, o grupo que representa vai brevemente disponibilizar cerca de 595 milhões de dólares OE de 2007.
SAVANA – 09.06.2006