quinta-feira, outubro 09, 2014

Um relatório especial sobre possíveis fraudes

Respostas com base na experiência das anteriores eleições moçambicanas

Porque as contagens são feitas em cada assembleia de voto na presença de partidos, observadores e comunicação social, e, em seguida, uma cópia da folha de resultados (edital) é afixada em cada assembleia de voto, é relativamente fácil de monitorar a contagem e verificar casos de fraude. Mudanças recentes (indicadas abaixo) vieram melhorar a capacidade para monitorar o apuramento nacional, tendo sido atribuídas maiores competências aos partidos e observadores.

No entanto, tem havido fraudes e significativas alterações secretas e importantes para os resultados. Estas nunca foram suficientes para mudar o resultado nacional, mas mudaram o resultado em dois municípios em 2013 e ter mudado o número de deputados parlamentares em 2009. Este número especial do Boletim Eleições Nacionais identifica os tipos de fraude e as inexplicáveis alterações que ocorreram no passado, e olha para os mecanismos de controlo.


Fraudes passadas


Na assembleia de voto

Enchimento de urnas é feito de duas maneiras:

1) A mais comum é apresentar dados falsos sobre a afluência às urnas, relatando uma grande afluência e elaborando uma folha de resultados (edital) falsa. Isso às vezes também requer o registo da participação dos eleitores nos cadernos de recenseamento, de modo a corresponder com os dados apresentados. Isso só pode ser feito quando não existem pessoas a fiscalizar - quando os Membros das Mesas de Voto (MMVs) dos partidos da oposição ou delegados dos partidos estiverem ausentes. Isso acontece com mais frequência em lugares que são muito pró-Frelimo, onde a oposição não consegue encontrar pessoas que lhes representem nas assembleias de voto ou onde os delegados dos partidos e MMVs, que são geralmente pessoas locais, têm medo de se opor e expor tais práticas, mesmo que estão assistindo. Historicamente isso aconteceu em Gaza, Tete e partes do Niassa.

2) Colocar boletins de voto ”extra” fisicamente, particularmente através da introdução de boletins de voto não utilizado naquela assembléia de voto, durante o dia ou depois fecho da votação. Também houve exemplos de boletins de voto de outras assembleias de voto que foram introduzidos em determinadas assembleias – estes casos são facilmente identificáveis durante a contagem por causa da numeração dos boletins, mas isso nem sempre acontece.

Anulação de boletins de voto validos da oposição. Isto foi bastante grave em 2013 em Marromeu e serviu para eleger o candidato da Frelimo como presidente do município e deu uma maioria na assembleia, quando na realidade foi o MDM quem venceu as eleições. Isto é feito de três maneiras:

1) O mais comum é colocar uma marca de tinta nos boletins de voto preenchido à favor da oposição, para fazer parecer que a pessoa votou em dois candidatos e, assim, o boletim de voto torna-se inválido (nulo). Isso pode ser feito em momentos diferentes, mas geralmente é feito pela noite adentro, quando os observadores da oposição estão cansados, e está escuro (por exemplo, onde não há corrente eléctrica), e alguém coloca uma marca extra em um conjunto de boletins de voto.

2) Elaborar um edital com dados adulterados, tal como acontece com o enchimento de urnas.
Todos os votos "nulos" são verificados novamente, a nível nacional, e é por isso que temos visto as diferentes maneiras de invalidação dos boletins de voto. Devido a esta reverificação, o terceiro método utilizado não tem funcionado:

3) Movimentação de boletins da pilha dos votos válidos para à pilha de votos nulos. (Geralmente, estes casos são identificados e validados ao nível nacional).

No distrito e na província

A Comissão Distrital de Eleições (CDE) simplesmente faz a soma dos totais de todos os editais. Mas se ninguém estiver a monitorar ou se ninguém estiver a fazer o seu próprio cálculo, fica fácil a elaboração de somas "incorretas". Isso aconteceu no Gurué em 2013 e provavelmente, também aconteceu em Marromeu, em 2003, e na Beira e Nacala, em 2008; Nos três casos, os editais apresentados pelas comissões eleitorais distritais eram diferentes dos respectivos contagem paralela (parallel vote tabulations; PVT).

Por lei, a Comissão Provincial de Eleições (CPE) deve simplesmente somar os totais distritais, mas na verdade eles fazem uma contagem completa, com um sistema de digitação de dados. Em eleições passadas, foram feitas alterações aos totais distritais. Por exemplo, em 1999, em Nampula, os resultados mostraram que 10% dos eleitores só votou para as presidenciais e não para as legislativas, mas nunca houve relato de um eleitor que colocou um boletim de voto na urna para as presidenciais, e não o fez para as legislativas.

Editais alterados ou danificados

O Conselho Constitucional constatou que, em Gurué em 2013, em relação a editais originais aconteceram duas coisas:
1) Foram substituídos os editais originais das assembleias de voto por outros, sem o carimbo oficial ou a assinatura.
2) A comissão de eleições provincial, ordenou que fossem alterados os editais das assembleias de voto.

E há outros exemplos de editais com tinta derramada, que desapareceram, ou foram alterados. Isso pode acontecer na assembleia de voto, a nível distrital ou provincial, ou em trânsito.

Na Comissão Nacional de Eleições (CNE)

A lei eleitoral diz que o apuramento nacional é baseado nos somatórios dos resultados dos apuramentos distritais, das cidades e das provinciais. Mas a CNE, sempre fez sua própria contagem com base nos editais das assembleias de voto. Nenhuma comparação formal é feita com os 11 resultados provinciais ou com os resultados distritais, em consequência disso, o resultado final do CNE pode ser significativamente diferente com os outros níveis. Em 2009, a CNE relatou menos 104,000 votos para as presidenciais do que a soma dos totais das províncias, e para as legislativas, foram transferidos um assento de Sofala e um assento de Tete da Frelimo para a Renamo, sem nenhuma explicação.

Além disso, a CNE verifica todos os votos inválidos (nulos). As assembleias de voto são, normalmente, muito rígidas na aplicação das regras sobre marcas fora dos quadrados; a lei diz que o voto é válido se a intenção do eleitor estiver clara. Em 2009, 200 mil votos para as presidenciais (4,5% dos votos) foram enviados para Maputo como inválidos, mas 24 mil deles foram considerados validos e adicionados ao total das províncias. Isso pode fazer a diferença.

As mudanças na lei

Os boletins de voto são numerados e a lei exige que estes números sejam verificados durante a contagem, para excluir qualquer boletim de voto que não pertença a assembleia de voto. Isso deve impedir a introdução de boletins de voto vindos de fora da assembleia, mas, em 2013, em muitos casos não foi feita a verificação, alegadamente porque o processo era demorado. Embora o número de boletins de voto por assembleia de voto seja restrito a 10% a mais do que o número de eleitores, uma assembleia com participação média fica com muitos boletins de voto não utilizados e, o que possibilita a introdução de boletins de voto não utilizados na própria assembleia de voto.

A nova lei, exige que toda a tinta e líquidos sejam removidos do local onde os boletins serão contados. Esta é uma tentativa de parar com a invalidação dos boletins de voto da oposição.

Afixação de editais fora da assembleia de voto permite uma contagem paralela (PVT) e a da Rádio Moçambique permite a leitura dos resultados das assembleias de voto nos dias seguintes a votação.

Uma cópia do edital e entregue aos delegados dos partidos nas assembleias de voto e, agora, pela primeira vez, para os MMVs nomeados pelos três principais partidos. Isso permite que os partidos façam uma contagem independente. Isto foi aspecto importante para Gurué em 2013. Mas a diferença aqui é que os partidos de oposição, muitas vezes, têm dificuldades em encontrar delegados ou MMVs nos lugares onde a Frelimo é muito forte e considera ser mais fácil manipular os resultados.

A apuramento distrital é aberto apenas para os mandatários dos partidos. Os observadores e os jornalistas não podem estar presentes. A mudança na lei significa que o STAE tem agora 3 representantes da Renamo e apenas 1 pessoa da MDM. Além disso, há 4 pessoas a mais nomeados pela Frelimo. Isso cria as condições para a confusão, o que permitiria alterações nos resultados.

Onde se constatar que os editais foram alterados, danificados ou desapareceram, as comissões provinciais e nacional de eleições podem usar as cópias oficiais dadas aos delegados e MMVs dos partidos. O Conselho Constitucional tem enfatizado a importância deste aspecto, por isso, esperamos que elas sejam usadas correctamente este ano.

Serão permitidas recontagens. Isso tem sido usado apenas uma vez antes, para que não haja sistemas para contar e não tem idéia do impacto. Por exemplo, nos locais onde a participação se situar nos 102%, facilmente se poderá exigir uma recontagem. Além disso, recontagens são necessárias para qualquer assembleia de voto com um edital com erros matemáticos - centenas de editais foram invalidados no passado, por esse motivo, mas agora deve ser feita a recontagem automaticamente.

Comparações e estatísticas

A outra grande arma na luta contra a fraude e o erro é fazer o melhor uso dos dados que temos. Por exemplo, o PVT pode ser útil neste aspecto.

É importante comparar os resultados distritais com os resultados provinciais e nacionais, para verificar se foram feitas mudanças.

O passo final é a estatística, usando o PVT e os dados que forem chegando do nível provincial e nacional. Há duas verificações a serem feitas:
1) Se há um número significativo de assembleias de voto com uma participação próxima dos 100%. Em algumas é possível, mas não em muitas. Se ocorrer em muitas assembleias, é uma indicação de enchimento de urnas.
2) Se existirem muitas assembleias índices de votos nulos, de 10%. A média é de cerca de 4% e a distribuição deve ser normal. Se houver assembleias de voto com índices superiores a 15%, e outras com um número significativo superior a 8%, é uma clara indicação de boletins de voto invalidados intencionalmente.

Finalmente, será importante fazer uma comparação de uma amostra de editais das assembleias de voto que sabemos serem correctos, por exemplo, verificar se resultados que constam dos editais enviados de uma mesma assembleia de voto pelos observadores ou divulgados pela Rádio Moçambique, são os mesmos que estão a ser utilizado a nível provincial e nacional. As diferenças podem indicar fraude.

Nenhuma eleição pode é perfeita, mas podemos reduzir o potencial de fraude.
       Joseph Hanlon


Fonte: Boletim sobre o processo político em Moçambique Número EN 53 - 8 de Outubro de 2014

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