Por François Soudan
Mandela, Chissano, Rawlings, Zéroual, Kékekou, Ratsiraka…são chefes de Estado que já passaram o testemunho. Após o inebriamento do palácio, nada é simples. Por isso, uma reforma tranquila é uma garantia de estabilidade política. É histórico e verídico o que se passou com um presidente de um país da África central que no seu longínquo exílio continuou, anos após a sua queda, a assinar leis e decretos, promoções e despedimentos, sobre o papel timbrado de chefe de Estado.
Em desespero de causa, após nomear o motorista e o cozinheiro para o seu gabinete fantasma, o nosso homem acabou por assinar a sua própria destituição: uma vida nova podia então começar. Patético? Sem dúvida. Mas pelo menos este personagem, grande amante dos lacinhos, tinha uma desculpa. Derrubado por um golpe de Estado, passou directamente do inebriamento do palácio presidencial para uma cela desoladora, sem o mínimo de assistência. Um caso cada vez menos frequente no continente que em Julho de 1999, em Argel, ainda a principal organização continental se chamava Organização de Unidade Africana (OUA), decidiu banir - e punir - as mudanças de poder pela força.
A partir daí o destino da vítima exilada e inconsolável é, pouco a pouco, substituído por uma equação insolúvel: como encorajar os dirigentes a abandonarem democraticamente as suas funções no termo do seu mandato? E como desencorajá-los do manipulamento das Constituições igualmente inconstitucional? Com efeito, se se olhar com atenção, se se focalizar sobre os golpes de Estado para condená-los, como o faz a comunidade internacional, não serve de muito se as coisas que eles engendraram não são tidas em consideração. Da República Centro Africana à Mauritânia, passando pela Guiné-Bissau, Madagáscar e Guiné-Conacri, a maior parte dos “putschs” ocorridos após a declaração de Argel resultam muito mais de uma ambição pessoal posta a nu do que o culminar de uma crise política e institucional aguda.
Quando os líderes, democraticamente eleitos começam, pouco a pouco, a ter um comportamento errático perdendo-se na má governação, esperar pelo fim legal do mandato por vezes é insuportável e o golpe surge como um mal necessário. Mas o que dizer quando esses mesmos líderes, incluindo os mais conceituados, modificam as constituições para beneficiar de uma “arrendamento” vitalício? Na grande maioria dos casos, um mínimo de alternância favorece grandemente a qualidade e a eficácia da governação e reforça a democracia. Sem cair na complacência do constitucionalismo, nenhuma Constituição é por natureza intocável, por isso importa convencer os detentores do poder que nada marca mais num homem de Estado do que a sabedoria de passar o testemunho a uma nova geração na hora certa.
Noutros termos: a alternância no poder é a chave para a estabilidade e o antídoto para os golpes de Estado. É igualmente necessário chamar a atenção dos líderes para a necessidade de se assegurar o bom funcionamento de uma política de pensão porque, por vezes, quem sai do posto ainda está no auge da vida. A sua segurança financeira e física (protecção), bem como a manutenção dos privilégios e de imunidade diplomática devem estar garantidas, o que tem por colorário a ausência, por parte dos seus sucessores, de todo o espírito de vingança, de perseguição e humilhação. Causar nos “ex” a impressão de que são sempre escutados e úteis à nação, fazer com que não sejam marginalizados, qualquer que seja o quadro no qual eles evoluem, é igualmente indispensável. Como todos sabemos, o tédio é a mãe de todas as conspirações.
Para quando um estatuto pan-africano?
Uma das garantias que poderia convencer os presidentes em fim de mandato a nada temerem era que em relação à sua família e aos mais próximos não seria levantado qualquer clima de denegrição. Daí resulta a necessidade de se proceder brevemente ao estatuto panafricano dos antigos chefes de Estado, inscrito na Constituição a fim de que as suas garantias sejam doravante “ligadas à função e não ao indivíduo que as desempenha”, sublinha o diplomata da ONU Ahmed Ould Abdallah. Um estatuto que, numa primeira fase, beneficiaria todos os “ex” incluindo os autores de golpes de Estado que se mostrassem arrependidos embora devessem ser obrigatoriamente observadas três condições:
Respeitar os limites constitucionais dos mandatos para os quais foram eleitos - ou, se uma modificação do número e da duração destes mandatos fossem indispensáveis, deveria elaborar-se uma emenda mas de modo a que esta não beneficiasse o autor mas sim os seus sucessores.
Chegar ao poder pelas urnas e não pelas armas e exercê-lo sem violação grosseira dos direitos humanos. (sublinhado meu)
Comprometer-se, uma vez entregues a chaves do palácio, a não se confrontar permanentemente com o novo ocupante como, por exemplo, encabeçar a liderança de um partido político ou conservar a presidência do partido maioritário (como o fez, nos Camarões, Ahmadou Ahidjo), é assim um factor de tensão, por vezes dramática, a proscrever. Neste ano de 2010, dois “ex”, Henri Konan Bédié (Costa do Marfim) e Ange- Félix Patassé (República Centro Africana), estão directamente empenhados na corrida eleitoral com a firme intenção de reconquistar o poder. Para eles a vida depois do poder não é nem um sacerdócio nem uma sinecura. É um parêntesis.
Fonte: Jeune Afrique @ verdade -26.02.2010
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