Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Neste fim de tarde de mais uma semana abençoada por um feriado, voz amiga conta-me da última viagem pela costa Oeste. O homem estava puto da vida com a conta astronómica da corrida de táxi entre o aeroporto e o centro de Ouaga, a capital do filme africano.
O “nosso homem”, o protagonista clássico das estórias de jornalistas com falta de fontes locais à mão e pressão do “deadline” para a sua primeira estória no exterior, não se impressionou com os protestos do nosso compatriota que apelava à fraternidade africana e à auto-estima da moda. “C’est l’Afrique, mon cher” (estamos em África meu caro), atirou seco o nosso homem do volante.
Lembrei-me do episódio hoje que estamos quase em período de lavar os cestos na maratona eleitoral que vivemos este semestre.
A CNE diz que todas as batotas constatadas não dão para alterar em substância os resultados das eleições. Mas custa e revolta, depois dos relatos idílicos e côr de rosa dos eleitores disciplinados bichando nas assembleias logo pela manhã, que um bando de malfeitores e paus mandados, disfarçados de funcionários eleitorais, pela calada da noite, se tenham entretido a inutilizar milhares de votos ou a encher urnas de votos previamente preparados.
E como dizem os mais sensatos, longe dos discursos de fósforos e ameaças gravadas em cassete, nem sequer havia necessidade de tanta sujeira. O que é preocupante pois os números não mentem. Urnas com 100% de votantes, candidatos com 100% de votos, votos nulos com percentagens acima de 20-30% quando as médias habituais são de 5%.
Mais preocupante ainda. As falcatruas não são transversais a partidos e candidatos. Há claramente uma linha de actuação na fraude: diminuir a visibilidade dos dois candidatos da oposição, minimizar os somatórios dos dois principais partidos da oposição, encher as urnas com votos do candidato e do partido no poder. Os relatos são tristes. Como se Changara não fosse parte de Moçambique e pertencesse a um dos nossos longínquos ex-aliados naturais: a Coreia dos bem amados Kim Il Sung e Kim Jong Il, o seu filho sucessor. É por essas paragens que há habitualmente vitórias de 95%. Como em Changara, o nosso cenário de pistoleiros e faroeste.
“C’est l’Afrique”, diria o nosso taxista filósofo, perante o alinhar pelo estereótipo.
O drama é que o processo já começou torto.
Apesar de não termos ainda os contornos completos do filme, claramente a CNE andou mal na sua falta de transparência de procedimentos e relacionamentos conflituosos com os actores políticos.
O Conselho Constitucional não andou melhor mostrando intransigência quando o momento aconselhava abrangência.
Na sua declaração pós eleitoral, a CNE parece fazer mea culpa perante as evidências dos ilícitos ocorridos durante o acto eleitoral.
Mas é preciso mais.
A Frelimo que se distanciou no início da campanha dos espancamentos e outras violências contra a oposição, tem que se distanciar igualmente, de forma clara e inequívoca do bando de pequenos malfeitores que tomaram de assalto dezenas de mesas eleitorais, ridicularizando as intenções de voto dos moçambicanos.
Para que não fiquemos com a impressão que acabámos de participar numa grande farsa.
SAVANA (12.11.2009)
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