Editorial: Morra a pátria, venha o tacho?!
Maputo (Canalmoz / Canal de Moçambique) - As outras empresas públicas serão diferentes da empresa Aeroportos de Moçambique? Os outros ministros que têm empresas públicas sob tutela dos organismos que dirigem, serão diferentes de António Munguambe? Só Diodino Cambaza meteu a mão no baú do Estado? Só os co-réus deste processo têm rabos de palha, ou há mais “patos” escondidos, ainda sem penas de fora? Eis o que não tem, nem terá resposta, neste julgamento que decorre, em salão improvisado da Escola Secundária Francisco Manyanga, em Maputo. Mas, vale a pena lutar, para que, um dia, tenhamos um País decente.
Pelo que se está a acompanhar, o caso Aeroportos de Moçambique está entregue a um juiz de muito boa reputação. Acha-se, por isso, difícil que neste caso não venha a ser feita justiça. Dimas Marrôa já provou ser a esperança que ainda resta à Justiça moçambicana. Será que não vai vacilar? Só no fim se verá. O caso admite recurso e ele não tem a última palavra, por isso alimentarem-se grandes expectativas é ainda prematuro. Mas há esperança.
Contudo, mesmo antes de este caso ter desfecho, convém que não nos deixemos iludir, porque este assunto da AdM é, apenas, a ponta do iceberg. Que irá fazer o governo, para se credibilizar, depois da máscara ter caído, é a questão que se segue.
Sabemos que se os trabalhadores da Aeroportos de Moçambique não tivessem denunciado a roubalheira que o tribunal está agora a julgar, ainda hoje tudo estaria no segredo dos “deuses” e, aos factos que estamos a conhecer no decurso do julgamento, ter-se-iam seguido outros, muitos mais. Os abusadores do património público teriam embalado na senda da rapina e a credibilidade dos dirigentes do Estado – se é que ainda lhes resta alguma – estaria muito mais desacreditada do que já está. Já não seria só o jardineiro a ter casa comprada pelo PCA, pois muitos outros amigos e familiares de altas figuras da nomenklatura seriam também servidos, certamente. Valeu, por isso, até aqui, o terreno conquistado aos corruptos. As pequenas vitórias acabarão por se transformar numa grande satisfação.
Ficou provado, neste caso dos Aeroportos de Moçambique, que, do Partido Frelimo, o partido no Poder, não se pode esperar “tolerância zero” no combate à corrupção. Se este julgamento representa alguma esperança é, apenas, porque os trabalhadores foram à luta. Geralmente, só servem para alimentar corruptos – e, talvez certamente por isso, é que Moçambique acaba de piorar quatro posições no ranking da corrupção, a nível mundial – mas os trabalhadores da empresa pública Aeroportos de Moçambique distinguiram-se pelo seu exemplo. Impuseram-se e foram à luta, para defender o que é do Estado, o bem comum de todos nós.
Se tivéssemos de depender da dita “maioria” parlamentar, dos dignos dignitários da Assembleia da República, para que coisas como a vilanagem na Aeroportos de Moçambique fossem denunciadas, morreríamos todos sem sabermos da pouca vergonha que “reinava” na empresa Aeroportos de Moçambique.
Está também provado: a Inspecção de Finanças, quando solicitada a intervir, não deu andamento ao caso, isto é, não acatou as denúncias. Preferiu tentar encobrir, ao que parece. Receberam as denúncias dos trabalhadores, mas não agiram. Só agiram quando os jornalistas do Canal de Moçambique publicaram neste jornal, ainda na sua versão electrónica, a 18 de Setembro de 2008, as denúncias dos trabalhadores. Essa mesma carta-denúncia dos trabalhadores foi também publicada no semanário Zambeze, quando os jornalistas do Canal ainda editavam aquela publicação. Valeu a pena!
O Conselho Fiscal da empresa Aeroportos de Moçambique, de que é presidente Adelino Buque, também sabia do caso e nada fez. Mil e tal dólares por mês é coisa que a sobrevivência não permite que se deixe em mãos alheias!... Isso também dá para se entender melhor a aguerrida defesa, de tudo o que é Frelimo, que este comentador da STV faz, aos domingos, no programa Pontos de Vista, de Jeremias Langa. Tacho, a quanto obrigas!... Morra a pátria, venha o tacho!!...Depois, os outros é que são “reaccionários”…
Pensar-se que o governo da Frelimo quer mesmo combater a corrupção é outra grande ilusão. O próprio ministro dos Transportes e Comunicações da altura, agora co-réu, António Munguambe, foi um dos que beneficiaram das golpadas na AdM. Deu-lhes cobertura. Tentou o mesmo na MCel e no Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique. O bom senso dos CA dessas entidades mandou passear o corrupto. Chegou a estar para ser detido, ao abrigo de um mandato de captura que, misteriosamente, acabou encalhado numa qualquer gaveta. Foi, arrogantemente, para a Televisão Pública (TVM) armar-se em santo, mas acabou por não escapar a sentar-se no banco dos réus. Já provou, ao devolver o Audi A6 à empresa AdM, que tinha consciência de que se tinha apropriado dele indevidamente. E ao devolver parte do dinheiro a uma conta da AdM tinha consciência de que esse dinheiro era da empresa e não se tratava de um empréstimo do administrador financeiro da AdM e co-réu, Antenor Pereira, como António Munguambe tenta, agora, fazer crer em tribunal.
Também da direcção do Partido Frelimo, de que ela faz parte – é da Comissão Política do Comité Central – de Luísa Diogo, primeira-ministra, nada seria possível saber-se. Ela recebeu a denúncia dos trabalhadores, mas, também, não agiu. Por ela, nada seria possível saber-se. Foi preciso a imprensa dar espaço ao grito dos trabalhadores da AdM. Quem poderia esperar, de outra forma, que fosse metido nos eixos, um Conselho de Administração de uma empresa pública que desvia fundos para os “camaradas”?
O Conselho de Ministros, ao nomear para as empresas públicas pessoas da sua exclusiva confiança política, excluindo muitos outros moçambicanos com competência técnica confirmada, acabou sem poder dizer-nos que foi tão surpreendido como os outros cidadãos desta pátria, por eles cada vez mais tramada.
E sobre o que já se ouviu neste julgamento, ainda perguntamos: será que o Partido Frelimo vai devolver ao Estado, à empresa Aeroportos de Moçambique (AdM) o dinheiro que já se confirmou que foi usado para obras na Escola da Frelimo na Matola?
Será ainda que o “professor doutor”da Escola da Frelimo não sabia que o dinheiro que pagou as tais obras estava a ser desviado do Estado? Que se estará a ensinar numa escola em que o próprio director é cúmplice de desvios de fundos do Estado? Não será dali que parte a cultura da corrupção? Uma escola de maus costumes para que serve?
Quem pode acreditar que gente desta estirpe está capaz de nos garantir tolerância zero à corrupção?
Quem pode acreditar que as grandes fortunas que se conhecem são fruto de trabalho e não de corrupção?
Reflectir é preciso, sobretudo quando, por via de eleições, já é pouco provável mudar a situação, tal o vício que se instalou.
Este caso dos Aeroportos de Moçambique é apenas a ponta do iceberg.
Querendo ainda acreditar, lembramos que o procedimento criminal ainda não prescreveu em muitos outros casos anteriores. Será que as pedras lançadas neste caso da Aeroportos de Moçambique e no do ex-ministro do Interior, Almerindo Manhenje – que não tardará a aparecer, para dar ideia de que se está mesmo a querer combater seriamente a corrupção – vão abrir o caminho a que outros grandes galifões, predadores do erário público, vão ter também de explicar como fizeram as suas soberbas fortunas?
Sinceramente, duvidamos que alguém pegue neles.
Que morra a pátria e venha o tacho, parece que vai continuar a ser a palavra de ordem. Se nos enganarmos, perdoem-nos. Mas, seja como for, a esperança é a última coisa a morrer. Nós cá estamos, para vos dizer: contem connosco, porque a Luta, realmente, tem de continuar e deve ser contínua. Parabéns, para já, aos trabalhadores honestos da Aeroportos de Moçambique, que não se encolheram e denunciaram os trafulhas. Lutar pela decência, um dia, ainda vai valer a pena. Esse dia pode já ter chegado. Se todos, nós outros, quisermos, ainda se está muito a tempo de Moçambique deixar de ser um dos países mais corruptos do Mundo. Vamos em frente!
Fonte: CanalMoz(Canal de Moçambique) 2009-11-26
Nota: O sublinhado é meu e alerta a quem fez discursos de defesa a esta corrupcão, chamando nomes ao Canal de Moçambique, isto por um lado. Por outro, o apelo ao patriotismo que o editorial faz, acho de muita relevância.
Nota: O sublinhado é meu e alerta a quem fez discursos de defesa a esta corrupcão, chamando nomes ao Canal de Moçambique, isto por um lado. Por outro, o apelo ao patriotismo que o editorial faz, acho de muita relevância.
2 comentários:
Caro Reflectindo,
O que mais me impressiona e ate chega a me escandalizar é facto de certas pessoas fingirem que essa realidade não existe,é apenas coisas de lunáticos, alias, movidos por alguns interesses próprios ignoram os factos aqui habilmente trazidos pelo Fernando Veloso.
Alguns moçambicanos são incapazes de colocar de lado as suas motivações partidárias e olhar para Moçambique como sabiamente fizeram os trabalhadores da empresa ADM ao denunciar as falcatruas cometidas por alguns indivíduos que sempre agem, como tantos outros, a sombra do governo de turno.
Obviamente, os compatriotas que tomaram a iniciativa de fazer a denúncia têm as suas paixões partidárias, contudo, eles olharam para os interesses de uma Nação. O bem-estar dos moçambicanos. Olharam para a coisa pública.
Quantos moçambicanos tomam essa atitude? Sempre a ideia de garantir o “tacho” esta em primeiro lugar. A pátria que fique para os tais reaccionários e os apóstolos da desgraça que só sabem ver defeitos(!!?). É triste. O mais triste ainda devem ser a situação em que se encontram as outras empresas pública. Certamente, como bem diz o editorial, há mais “patos” escondidos e, se calhar, com a cobertura de certas pessoas que, por ignorância, acham que o Estado pertence ao partido e não aos moçambicanos.
O que assistimos hoje devia corar de vergonha a todos os moçambicanos independentemente da sua filiação partidária, mas, para alguns, o estômago fala mais alto.
Espero que esse julgamento que nos é servido todos os dias, não seja uma mera cena de teatro habilmente orquestrada para lançar área nos olhos do povo.
Um abraço patriótico!
Pois é Shirangano. Bem dito e bem analisado.
Zicomo kwambiri
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