Por Emílio Dava
Introdução
Segundo dados oficiais produzidos pelo inquérito aos agregados familiares (IAF) de 2003, 54% da população em Moçambique ainda se encontra abaixo da linha da pobreza absoluta. O discurso político actual, tanto do Presidente da República como de outros membros do governo central e das administrações locais, concentra-se em mobilizar os cidadãos pobres para encontrarem soluções criativas para o problema da pobreza. Comummente, a pobreza é atribuída à falta de iniciativa, criatividade, espírito empreendedor e engenhosidade dos pobres por estes não saberem usar os recursos e outras condições disponíveis em seu benefício.
Será, no entanto, possível e adequado discutir engenhosidade e criatividade individuais independentemente das condições, ambiente, oportunidades, desafios e tensões económicos e sociais de que as pessoas são parte? Será que todas as formas de engenhosidade e criatividade individuais conduzem à redução da pobreza e da dependência e à dignificação das pessoas? O foco deste IDeIAS é contribuir para a discussão destes pontos com referência à situação dos mendigos e vendedores informais que pululam na cidade de Maputo.
Engenhosidade individual
Embora fortemente contestados por um número crescente de grupos sociais e estudiosos , e seguramente questionáveis quanto à sua eficácia social, o teor, o foco de incidência e as metas das grandes estratégias de combate à pobreza (por exemplo, o PARPA e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) são geralmente tornados públicas e conhecidos. No entanto, não muito bem estudadas, documentadas, publicadas e talvez por isso, também pouco conhecidas, são as estratégias individuais de combate à pobreza ou simplesmente de sobrevivência
quotidiana.
Na área urbana de cidade de Maputo, tem aumentado o número de mendigos e de “informais” em quase todos os principais focos de aglomeração de pessoas de rendimento médio ou alto, com particular destaque para os que se localizam em locais de concentração de actividade comercial e de afluência de turistas estrangeiros. Cruzamentos e semáforos, onde as viaturas e pessoas são obrigadas a parar, são locais predilectos para pedintes e vendedores.
O fenómeno não é novo, mas novos são a intensidade e as formas peculiares que nos últimos tempos têm sido usadas nestas actividades. As estratégias são realmente impressionantes do ponto de vista de criatividade; mas são chocantes na óptica da ética e decência humana, focando-se no apelo à sensibilidade, compaixão humana e empatia para o alcance dos seus objectivos.
Os exemplos mais comuns das novas práticas de mendigos são:
Introdução
Segundo dados oficiais produzidos pelo inquérito aos agregados familiares (IAF) de 2003, 54% da população em Moçambique ainda se encontra abaixo da linha da pobreza absoluta. O discurso político actual, tanto do Presidente da República como de outros membros do governo central e das administrações locais, concentra-se em mobilizar os cidadãos pobres para encontrarem soluções criativas para o problema da pobreza. Comummente, a pobreza é atribuída à falta de iniciativa, criatividade, espírito empreendedor e engenhosidade dos pobres por estes não saberem usar os recursos e outras condições disponíveis em seu benefício.
Será, no entanto, possível e adequado discutir engenhosidade e criatividade individuais independentemente das condições, ambiente, oportunidades, desafios e tensões económicos e sociais de que as pessoas são parte? Será que todas as formas de engenhosidade e criatividade individuais conduzem à redução da pobreza e da dependência e à dignificação das pessoas? O foco deste IDeIAS é contribuir para a discussão destes pontos com referência à situação dos mendigos e vendedores informais que pululam na cidade de Maputo.
Engenhosidade individual
Embora fortemente contestados por um número crescente de grupos sociais e estudiosos , e seguramente questionáveis quanto à sua eficácia social, o teor, o foco de incidência e as metas das grandes estratégias de combate à pobreza (por exemplo, o PARPA e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) são geralmente tornados públicas e conhecidos. No entanto, não muito bem estudadas, documentadas, publicadas e talvez por isso, também pouco conhecidas, são as estratégias individuais de combate à pobreza ou simplesmente de sobrevivência
quotidiana.
Na área urbana de cidade de Maputo, tem aumentado o número de mendigos e de “informais” em quase todos os principais focos de aglomeração de pessoas de rendimento médio ou alto, com particular destaque para os que se localizam em locais de concentração de actividade comercial e de afluência de turistas estrangeiros. Cruzamentos e semáforos, onde as viaturas e pessoas são obrigadas a parar, são locais predilectos para pedintes e vendedores.
O fenómeno não é novo, mas novos são a intensidade e as formas peculiares que nos últimos tempos têm sido usadas nestas actividades. As estratégias são realmente impressionantes do ponto de vista de criatividade; mas são chocantes na óptica da ética e decência humana, focando-se no apelo à sensibilidade, compaixão humana e empatia para o alcance dos seus objectivos.
Os exemplos mais comuns das novas práticas de mendigos são:
• Mulheres (jovens e idosas) usam bebés ou crianças (que nem sempre são seus filhos) para apelarem à sensibilidade das pessoas e com isso, obterem preferencialmente apoio financeiro;
• Algumas pessoas encenam doenças, ferimentos, deficiências ou outras formas de vitimização (por exemplo, envolvendo partes do seu corpo com ligaduras), “provando”, assim, que não podem gerar o seu próprio rendimento por outra forma que não seja a esmola. Alguns indivíduos
simulam que têm uma doença muito grave, mas não têm dinheiro para tratamento pelo que precisam de apoio;
Em muitas esquinas e semáforos, o principal “negócio” é “chocar” as pessoas com deficiências (de nascença ou criadas por acidentes) para atrair a sua simpatia e, por consequência, uma dádiva em dinheiro. Num certo sentido, nestes casos ser portador de deficiência tornou-se numa vantagem pois é uma via através da qual mendigos conseguem atrair algum rendimento.
• O mesmo acontece com idade: ser idoso ou ser criança ficou uma “oportunidade” para apelar à simpatia e obter uma esmola. Há crianças que circulam pela cidade dizendo que foram assaltadas e perderam os livros escolares, o lanche e o dinheiro do “chapa”. Nos períodos das matrículas escolares, os cruzamentos com semáforos enchem-se de crianças pedindo dinheiro para as matrículas, livros e fardamento escolar. Em alguns cruzamentos, ao fim do dia, concentrações de idosos e idosas pedem simpatia e uma esmola para as suas “causas” específicas: a refeição da noite, o transporte de regresso a casa ou a visita ao hospital.
• Algumas pessoas fixam-se em paragens de autocarros ou nas suas proximidades simulando não terem o montante em dinheiro para transporte até um local distante. Pedem selectivamente a pessoas que pareçam ingénuas e com meios para lhes darem o dinheiro em falta. Todavia, quando conseguem o dinheiro “em falta” continuam a pedir ao maior número possível de pessoas.
• Outras pessoas pedem dinheiro argumentando que lhes faltam apenas 2, 5 ou 10 meticais para tirar fotocópias ou autenticar um documento importante, geralmente para conseguir emprego;
Recentemente, aparecem indivíduos que dizem ter perdido tudo por causa da violência xenófoba na África do Sul. Por isso, precisam de apoio (de preferência algum dinheiro) para recomeçar a sua vida.
Estes exemplos demonstram haver grande engenhosidade na procura de soluções de sobrevivência individual de curto prazo. Esta engenhosidade reflecte-se não só no leque variado e evolutivo de opções, mas também na adequação dessas opções aos acontecimentos e condições sociais de momento (por exemplo, em relação com a xenofobia na África do Sul ou com o período das matrículas) e às condições sociais dos grupos alvo dos pedintes e aos momentos do dia (por exemplo, muitas das acções descritas ocorrem nas zonas mais abastadas da cidade com enfoque nos períodos críticos do dia).
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