“Nas eleições de 28 de Outubro não seremos nós os humilhados!”
Por Milton Machel
Daviz Mbepo Simango já é uma figura incontornável na política nacional, assim como seu pai, Uria Timóteo Simango o é na história de Moçambique. Presidente do neófito Movimento Democrático de Moçambique (MDM), ele é o engenheiro daquilo que apelida de “revolução 28 de Outubro” e revela-se um homem de convicções fortes, qual animal político. Fomos ao seu reduto, o Chiveve, tido como a capital da democracia moçambicana ouvi-lo. Eis em linhas gerais o que ele afirmou, declarou e confessou.
A afirmação de Daviz Mbepo Simango no cenário político nacional, sobretudo agora como Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e candidato a Presidente da República, tem sido um processo dramático. Primeiro foi a sua “rebelião” a 28 de Agosto de 2008, quando desobedeceu às ordens do seu partido, RENAMO, e concorreu como Independente à sua sucessão como Presidente do Conselho Municipal da Beira fazendo frente ao escolhido Manuel Pereira e praticamente humilhando este e o candidato da Frelimo, o favorito Lourenço Bulha, ao garantir pelo menos um município fora do domínio da Frelimo. Até Afonso Dhlakama, que antes reverenciava seu pai como um dos arautos da Democracia, acusou Daviz de ser um traidor, na mesma linha de “sangue político” e quiçá biológico de Uria Timóteo Simango.
Desta vez foi na primeira incursão de Daviz Simango, o anunciado candidato a Chefe de Estado, aos redutos do maior círculo eleitoral do País: Nampula, mais precisamente em Nacala, logo na província onde se “refugiou” politicamente ou eleitoralmente Afonso Dhlakama. Umas correntes chamam-no episodicamente de “O atentado”, outras porém consideram-no por “Inventona”.
Pelo sim, pelo não, começámos esta entrevista a fundo com Daviz Simango precisamente por esse episódio: o atentado de que escapou em Nacala, nos primeiros dias de Junho, o mês da Independência Nacional.
P- Eng. Daviz Simango confesse-nos como é que viveu aquele momento como homem. Fale-nos dos seus sentimentos, sobretudo pela história trágica do desaparecimento dos seus pais, Uria e Celina Simango, e mesmo pela morte estranha do seu irmão Maúca, que estava a estudar no exterior. Toda esta história de violência contra a sua família não veio a si quando escapou àquele atentado em Nacala?
R – Depois daquela situação tivemos que nos refugiar na direcção do Comando da Polícia de Nacala-Porto, portanto, no Comando Distrital. Tive tempo suficiente para fazer muitas chamadas. Mas, a minha caracteristica é evitar fazer chamadas que deixam as pessoas preocupadas. A única coisa que fiz foi ligar ao advogado. Foi a primeira pessoa que contactei no sentido de, rapidamente, se preparer para se dirigir a Nacala. A nossa intenção era de verificar se havia ou não um voo naquela noite. Infelizmente não havia voo naquela noite. Com o meu irmão falei duas horas depois. Expliquei a ele o que estava a acontecer porque eu já estava com receio de que poderia se aperceber daquilo que estava a acontecer em Nacala-Porto por terceiros. Mandei também mensagem para a minha esposa a dizer a ela que estava tudo bem, que poderia correr qualquer tipo de notícia, que ficasse tranquila. E, logo a seguir ao advogado, contactámos o porta-voz do partido, no sentido dele, naquela hora, convocar uma conferência de imprensa e comunicar ao país o que estava a acontecer. O membro da comissão política, que simultaneamente é porta-voz do partido, estava a sair de Nampula em Direcção à Beira vindo do Conselho do Partido. Ligámos, ele estava em Nhamatanda e foi bom porque aproveitou a hora de diferença para chegar à Beira e se comunicar com os jornalistas sobre a conferência de imprensa. Portanto, foram as três figuras que comunicámos de imediato. E, penso que foi bom porque não criámos pânico nas pessoas e, em situações normais ia dar muitos problemas. Mas, a partir das 18h, os telefones começaram a tocar porque toda a gente já havia acompanhado através da rádio.
Mas, quando abraçamos esta carreira política temos conhecimento claro de que há e haverá sempre perseguições e que haverá sempre pessoas mal intencionadas e calhou naquele dia. Estamos a falar de dois dias depois da reunião nacional que acabávamos de decidir a necessidade do MDM concorrer às eleições presidenciais e, felizmente, acabei sendo a pessoa escolhida pelos conselheiros do partido para este desafio.
Portanto, eu por acaso não equacionei o passado porque quando alinhei na vida política já tinha esse passado nas costas. Pensei apenas que não foi desta vez que conseguiram, mas por outro lado fiquei muito animado porque nos apercebemos que o Movimento Democrático era de facto um partido forte. Forte, porque os fracos recorrem a métodos imprórios. Lembro-me perfeitamente num dos anos em que o Mike Tyson estava em combate, quando se sentiu fragilizado recorreu aos dentes e mordeu o seu adversário. Portanto são situações destas em que os fracos recorreram a armas para poder me silenciar.
P – A acusação pública que fez à figura de Afonso Dhlakama remete-nos para uma situação séria. Até que ponto vai avançar com um processo para com a figura de Afonso Dhlakama? Objectivamente, de que forma é que Afonso Dhlakama, no seu parecer, está directamente envolvido neste atentado?
R – Olha, não temos a mínima dúvida de que o senhor Afonso Dhlakama tenha sido o comandante-em-chefe desta operação por razões muito simples que nos levam até lá. Primeiro por ele ter mobilizado deputados que nem são do círculo eleitoral de Nampula. Segundo, o facto de estarem a ser usadas viaturas de deputados, e aí estamos mediante um problema muito grave porque geralmente o deputado tem a função de estar na Assembleia da República a legislar e garantir que os moçambicanos possam gozar dos seus direitos. Se nos aparece um deputado da AR envolvido em actos de crime, estamos perante um cidadão que não sabe por que está na AR, estamos perante um cidadão que não está a respeitar a vontade do voto da população que o conduziu à AR, este cidadão não está preparado para estar na AR. Outro facto que verificámos é que as pessoas envolvidas eram militares que estavam a ser transportados por viaturas dos tais deputados. Por outro lado, a arma do crime. A arma que foi arrancada ao membro da PRM foi levantada em casa onde está hospedado o Presidente da RENAMO. Significa que é um grupo de quadrilha que vive à volta do presidente da RENAMO e aqui há um aspecto muito interessante nisto. Eles, quando apareceram no campo, tiveram ainda a coragem de hastear a bandeira da RENAMO, portanto aqui está uma definição clara de que este comando é feito através do chefe da RENAMO. Por outro lado, gostariamos de valorizar o membro da PRM a quem foi arrancada a arma, porque ele teve uma inteligência suficiente de se aparceber que se não tirasse o carregador haveria muitas vítimas humanas. Portanto, continuamos a agradecer a este homem que, afinal de contas, merece consideração e simpatia da nossa parte.
“Nenhum partido tem título de propriedade de espaço”
P – A inserção do MDM na política nacional tem sido difícil. Primeiro o episódio da Mafalala, do comício da sua apresentação ao povo de Maputo, em que faltou por razões explicadas como ligadas à sua saúde e depois o atentado de Nacala. Não está nada fácil a vida para o MDM...
R – Em relação a Mafalala, eu naquela manhã fui de facto à inauguração da nossa delegação no Maputo-Cidade em Xipamanine, visitei o bairro e outros cantos de Maputo. Só que naquela manhã, para os jornalistas que estavam presentes devem ter-se apercebido que a minha voz já não estava a sair. Quando saí do almoço fiquei pior. E quando fui ao médico este disse-me que não havia outro meio: não tens voz, estás infectado e não deves te esforçar porque podes provocar problemas mais complicados. É por ai que acabei ficando em casa. Por uma razão muito simples, era preciso garantir a minha saúde. Portanto não houve problemas de adesão porque o MDM fala para 3,4,5,10 pessoas e é preciso entender que o MDM está em todo o país. É o único partido na República de Moçambique que não usa armas, que não esteve com a população a coagi-la mas ela por si só, em tão pouco tempo, conseguiu ter delegações e equipas a funcionar em todo o país. Portanto, de todos os partidos que surgiram não conseguiram a popularidade que o MDM consegue, isto acontece devido à capacidade de gestão do conselho nacional, da comissão política cujos membros aperceberam-se que é melhor a trabalhar e isso requer meios e recursos. Nós estamos a nos movimentar nesse sentido. Em Nampula tivemos muitas enchentes, assistimos casos de membros de outras formações políticas a aderirem ao MDM.
- No caso concreto de Nampula, sabendo o MDM que a RENAMO estava em trabalhos políticos de vulto naquela província, a deslocação da sua caravana não pode ser vista como uma tentativa de fazer frente à RENAMO no mesmo espaço e tempo?
- Nós estamos a trabalhar a nível nacional e neste caso concreto nós tinhamos marcado a reunião do nosso conselho nacional para 31 de Maio. Acabámos alterando a data para 6 e 7 de Junho porque a Renamo já tinha solicitado ou marcado o seu Congresso a partir do dia 3 em Nampula. Então nós dissemos que se a Renamo há-de estar em Nampula, numa altura em que há cruzamento entre os nossos quadros, então teremos a nossa reunião numa altura em que a Renamo não vai ter o seu Congresso. Então passámos para 6 e 7 para permitir que a cúpula da Renamo que ia participar no congresso se retirasse para que houvesse coabitação em Nampula.
Agora, um partido como o MDM que é organizado e com capacidade de mobilização, sabendo que está em Nampula numa reunião para a qual mobilizou meios e recursos, então era oportuno que o próprio presidente começasse a trabalhar em Nampula. Isto significa evitar os custos de remover as viaturas para ir trabalhar numa outra província. Mas também que fique claro que os partidos políticos que existem não têm título de propriedade de espaço ou terra a nível nacional. O espaço é do Estado, é dos moçambicanos e eles estão livres de circular como desejarem. Portanto, não há razões aqui de dizer que pelo facto do Presidente da RENAMO estar em Nampula os outros partidos políticos têm que ficar em casa a dormir. Nós vamos entrar em campanhas e nas campanhas vamos cruzar 10 a 15 vezes num espaço tão pequeno. Então aí significaria que teremos de encontrar um factor ou um instrumento tecnológico tão sofisticado que vai detectar quem chegou primeiro e então o outro já não tem espaço para chegar lá nesse dia. Isto para dizer que o facto do Presidente da RENAMO estar em Nampula não significa que outros partidos políticos ficam impedidos de circular em Nampula.
P – No processo de inserção nacional do MDM, há vozes críticas que entendem que o MDM nao passa de um movimento do povo da Beira. Até que ponto se pode dizer que o MDM já se desbairrizou, ou melhor, se “desbeirizou”, no sentido de que deixou de ser movimento apenas de cidadãos da Beira para ser nacional?
R – Olha, é necessário que se entenda a “revolução de 28 de Agosto”, que surge depois de uma situação que aconteceu na cidade da Beira. E essa revolução é comandada por jovens que entendem que o espaço democrático em Moçambique existe. A “revolução 28 de Agosto” chamou a atenção ao povo moçambicano para a necessidade dos moçambicanos serem independentes em termos de filiação ou comando da liderança política. Portanto, esta oportunidade que lhes foi dada a partir da Beira criou condições para que os moçambicanos do Rovuma ao Maputo se apercebessem e dissessem sim senhora, aí há uma revolução. Mas nós, apesar de não estarmos na Cidade da Beira, vivendo fora somos solidários e manifestamos o interesse de continuarmos com uma atitude de não garantir que um homem seja instrumento e use a mente... o que acontece noutros partidos como a Frelimo e a RENAMO onde se você não cumpre está fora ou se você não obedece também fora...
P - É disciplina partidária...
R – É disciplina partidária, mas também pode não ser disciplina partidária. O que é disciplina partidária? É dizer ao cidadão que na caixa onde você recebe o salário já tem desconto para o partido. Isto é violar os direitos consagrados do ser humano, é que ele está a ser invadido nos seus direitos, que é retirar do seu ganha-pão para isso. Outra coisa, não pode ser disciplina partidária se disser ao ser humano que trabalhe mas se quer ser promovido deve ter este cartão. Esta é uma situação que a “revolução 28 de Agosto” chamou a atenção ao povo moçambicano. Depois disto fomos a uma situação que tinhamos que tomar uma decisão e foi quando decidimos por concorrer como independentes. Nesses cinco dias conseguimos angararir listas de apoio de várias pessoas, incluindo membros do partido Frelimo. Com a derrota da RENAMO e Frelimo na Beira ficou claro que Moçambique estava a caminhar para uma democraria multipartidária como capa, em que os partidos recorrem às leis da democracia para dominar tudo. E, se nós não tivessemos feito algo, todas as autarquias estariam sob comando de um único partido e isto implicava também nas eleições gerais a possibilidade da Frelimo ir com 2/3 e usar da sua arrogância para mexer na Constituição e proceder a outros actos que poderiam prejudicar os interesses de muitos moçambicanos. Foi assim que decidimos andar pelo país fora a ouvir a sensibilidade do povo moçambicano e duas recomendações que nos eram dadas eram de que devemos formar um partido e sermos sérios. Esse partido passou a ser nacional e na Assembleia Constitutiva apareceram compatriotas de todo o país. Portanto, o MDM não pode ser considerado como Beira.
“O MDM está na política para vencer”
P- Foi escolhido como candidato do MDM a Presidente da República. O que o motiva a candidatar-se? Há analistas que entendem que Daviz Simango poderá, caso venha a vencer as eleições de 28 de Outubro, confirmar um certo modelo africano segundo o qual aqueles que chegam ao poder vingam-se daqueles que os oprimiram quando lá estiveram. Tendo seu pai e sua mãe sido vítimas do processo político moçambicano, não é para os seus adversários alarmarem-se que Daviz pode vir com uma agenda de vingança política?
R- Quando o grupo da “revolução 28 de Agosto” decidiu concorrer como independente - porque havia feito uma leitura clara de que o candidato da RENAMO não passava e que a Frelimo tinha criado condições para tomar conta da Beira -, apareceram alguns analistas dizendo que na história jamais se viu um independente em África vencer eleições. Aparecem também analistas a dizer que não era possível que um independente com pouco tempo que tivemos conseguisse assinaturas para a candidatura. E, nós que estavamos envolvidos nisso a única coisa que tinhamos era a consciência de que estavamos a fazer algo para uma nova página política nacional. Trabalhámos e os resultados vieram. Agora avançamos para MDM e diziam que era missão exagerada da nossa parte, que não deveriamos avançar com o partido. Nós somos jovens e queremos defender a classe e a coragem que eles têm mas respeitando os mais velhos, os seus conselhos, porque graças a eles temos dado os nossos passos. Eles disseram-nos: filhos, avancem com o partido político porque não queremos que a nossa democracia desapareça. Recuando um pouco no tempo, quando nós vencemos as eleições na Beira, 2003, disseram que iriamo-nos vingar porque o elenco era constituido pelo filho de Uria Simango e que iriamos correr com os funcionários. No final dos cinco anos nada disso aconteceu. É para dizer que os comentários de alguns analistas não passam de propaganda política. Um analista quando faz uma abordagem deve distanciar-se da sua cor partidária. Com isto quero dizer que Daviz Simango é um cidadão qualquer e, mesmo querendo, as leis moçambicanas não vedam o Chefe de Estado de ser julgado perante actos ilegais. Os analistas de hoje deveriam encorajar os governos actuais a agir perante actos de impunidade que existem no país. O MDM é um partido que se deve reger pelas leis moçambicanas, assim como o Daviz Simango deve respeitar as leis. Nenhum cidadão está acima da Lei, mesmo o Presidente da República.
P- Em entrevista recente ao semanário “@ Verdade” vem lá uma afirmação sua de que o MDM espera ter mais de 50 deputados na AR, após as eleições de 28 de Outubro. Isto são aspirações do MDM ou é produto de um estudo realizado junto do eleitorado?
R – Os momentos políticos existem assim como também as oportunidades políticas e o MDM surge perante um cenário político e nós queremos fazer o uso da oportunidade que temos de fazer política. Essa oportunidade requer de nós lutar em pé de igualdade com outras formações políticas, ir para o terreno batalhar. Portanto, o MDM pode ter sucesso se os membros do MDM trabalharem no terreno porque para nós trabalhar é mobilizar a população, ganhar simpatia da população para que possa votar segundo as intenções do MDM. Pode não ter resultados se nós ficarmos a dormir e acomodados sem trabalhar. Nós fazemos política para vencer. Vamos esperar no dia 28 de Outubro para ver em quem a população moçambicana vai depositar o seu voto e eleger como seu representante e que será fruto de trabalho de cada partido político.
P – Objectivamente: é uma aspiração do MDM ter 50 a 100 deputados ou é uma projecção que faz do mínimo que poderá conseguir nas próximas eleições gerais?
R – Há quem que me perguntava o seguinte, mas vocês acham que vão vencer? E eu disse: o MDM não está no poder nem nos órgãos do Estado, mas surgiu. E se o MDM conseguir um deputado já é uma vitória porque estará representado no cenário político nacional. O MDM gostaria no mínimo de andar nessa fasquia de 50 a 100 deputados e isto é um desafio que temos e esse número é o nosso desejo.
P – Caso tais aspirações não se concretizem e tenhamos uma situação em que o partido Frelimo vença de forma esmagadora as eleições, e humilhe a RENAMO e o MDM, que MDM teremos no pós-28 de Outubro? Ou seja, sobreviverá o MDM, num cenário desses?
R – Humilha-se um partido político quando este já vem exercendo essas funções e que com o tempo vai perdendo esse terreno. Mas nós estamos a falar de um partido que está a entrar no terreno. Como é que havemos de nos humilhar? Pelo contrário, nós é que vamos humilhar porque passaremos a ser um corpo estranho num processo de bipolarização do sistema neste país. A partir da altura que aparece uma terceira força, mais um partido político é um incómodo. A humilhação já não é do nosso lado, mas sim daqueles que perderam o espaço político. E MDM vai ser o primeiro a ascender a esse lugar.
“Infelizmente, Dhlakama perdeu-se...”
P – Neste caso, antevendo um resultado positivo nas eleições e passando o MDM a uma força que eventualmente conteste o poder da Frelimo, como é que vê o futuro de Afonso Dhlakama no cenário político nacional?
R – É preciso, primeiro, compreender que o senhor Afonso Dhlakama não é pai político de Daviz Simango porque Daviz Simango já vem duma tradição política familiar longa, o que fez foi demonstrar a capacidade de gestão do bem público, que partiu da equipa que o próprio Daviz Simango conseguiu montar e não Afonso Dhlakama e muito menos a Renamo. O senhor Afonso Dhlakama vai permanecer na história Moçambicana à semelhança de André Matsangaíssa e outros que lutaram contra o regime e forçaram esse regime a aceitar o processo democrático de Moçambique, porque esse processo democrático foi negado nos Acordos de Lusaka. Portanto, o senhor Dhlakama tem este mérito de se juntar a vários outros homens para trazer esse processo democrático a Moçambique. Assim ele é um herói porque deu a sua vida para trazer a democracia para o povo moçambicano. Infelizmente, à semelhança do Robert Mugabe que lutou para o povo zimbabweano mas que pelo caminho perdeu-se, hoje estamos a viver um cenário não igual mas um cenário de Afonso Dhlakama que se acomodou e esqueceu-se que afinal não é só a luta de armas porque esta já estava arquivada e que era preciso ter uma luta de homem para homem conquistando o eleitorado de uma forma democrática, de diálogo, de conquista permanente e esqueceu-se também de que era preciso alargar a própria RENAMO, deixando de ser militarizada, deixando de ser um partido de históricos para um partido que abre a sua janela e congregue muitos moçambicanos que possam ajudar a própria Renamo a galvanizar-se. Portanto, por aí perdeu-se...
Crescemos com uma consciência bíblica clara: “Os autores da história não sabiam o que faziam” ...por isso nós, filhos, de Uria Simango, os perdoamos.
P – Sem os seus pais Uria e Celina Simango, que desaparecem por vicissitudes do próprio processo político moçambicano, como é que os meninos Lutero, Daviz e Maúca (falecido há uns anos em Portugal) cresceram e conviveram com uma história nacional oficial que considera seu pai, Uria Timóteo Simango, o traidor da causa nacional?
R – É preciso dizer que estávamos diante de um casal fantástico. Quer Uria Simango, quer a sua esposa Celina eram pessoas de luta, pessoas decididas, deve saber que a Celina é que fundou a Lifemo, liga feminina que originaria a OMM. Dirigiu e comandou as mulheres para a luta. Uria Simango trabalhou bastante na fundação da FRELIMO, e é preciso compreender que ele criou condições para que muitos moçambicanos pudessem juntar-se à Frente de Libertação de Moçambique, pudessem ter bolsas de estudo, pudessem estudar. Daquilo que eu me lembro muito bem é que fomos educados para uma vida honesta. Fomos educados para o amor. Portanto, para mim é uma referência inquestionável. Nós crescemos com uma consciência bíblica clara de que os autores da história não sabiam o que estavam a fazer e que era preciso perdoá-los. E foi assim que nós crescemos. Por isso passámos toda a vida a ignorar esta história... Hoje já sabem dizer que o Eduardo Mondlane não morreu no escritório mas sim em casa de uma amiga. Portanto, muita coisa ainda virá. E isto chamanos a atenção às futuras gerações. Nós temos filhos que tiveram que estudar essa história, e nós diziamos a eles para estudarem e não se chatearem com o professor, que não é culpado, e que esta não é a história de Moçambique mas um dia quando forem adultos irão acompanhar a Razão da História. E, dissemos claramente que o avô era uma pessoa de mãos limpas e que “profetou” naquela altura que era preciso um processo democrático em Moçambique, facto que só veio a acontecer em 1994. Portanto, tudo o que Uria Simango defendia está-se a viver hoje. É verdade que não é fácil, dos colegas de então virem a público dizer que cometemos erros, mas o tempo e a história ditarão.
P – Depois desta entrevista, como é que quer que o povo moçambicano veja o Daviz Simango?
R – O país tem que olhar para nós como filhos de moçambicanos. Pessoas que tiveram uma história ligada desde os avós que foram guerreiros e que lutaram e combateram o regime colonial. Os nossos pais o fizeram. O meu avô paterno parou em São Tomé por revolta à dominação colonial portuguesa. Isso para dizer que é uma família de luta e que nos entregamos à causa de Moçambique para todos, e as pessoas não podem ouvir a profecia de pessoas que nos querem combater alegando que esses são isto e que se querem vingar. A Constituição da República está clara e dá liberdade aos moçambicanos de exercer o poder político e que qualquer moçambicano que viole a lei, independentemente de quem quer que seja, está sujeito a penalizações. Portanto, nós somos cidadãos simples que querem ajudar o país para o desenvolvimento, onde as elites não possam pisar a maioria.
- Cortesia Televisão Independente de Moçambique (TIM)
Retirado do Diário de um sociólogo, a entrevista também foi publicada no Mocambique para todos. A foto é do jornal A verdade.
Por Milton Machel
Daviz Mbepo Simango já é uma figura incontornável na política nacional, assim como seu pai, Uria Timóteo Simango o é na história de Moçambique. Presidente do neófito Movimento Democrático de Moçambique (MDM), ele é o engenheiro daquilo que apelida de “revolução 28 de Outubro” e revela-se um homem de convicções fortes, qual animal político. Fomos ao seu reduto, o Chiveve, tido como a capital da democracia moçambicana ouvi-lo. Eis em linhas gerais o que ele afirmou, declarou e confessou.
A afirmação de Daviz Mbepo Simango no cenário político nacional, sobretudo agora como Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e candidato a Presidente da República, tem sido um processo dramático. Primeiro foi a sua “rebelião” a 28 de Agosto de 2008, quando desobedeceu às ordens do seu partido, RENAMO, e concorreu como Independente à sua sucessão como Presidente do Conselho Municipal da Beira fazendo frente ao escolhido Manuel Pereira e praticamente humilhando este e o candidato da Frelimo, o favorito Lourenço Bulha, ao garantir pelo menos um município fora do domínio da Frelimo. Até Afonso Dhlakama, que antes reverenciava seu pai como um dos arautos da Democracia, acusou Daviz de ser um traidor, na mesma linha de “sangue político” e quiçá biológico de Uria Timóteo Simango.
Desta vez foi na primeira incursão de Daviz Simango, o anunciado candidato a Chefe de Estado, aos redutos do maior círculo eleitoral do País: Nampula, mais precisamente em Nacala, logo na província onde se “refugiou” politicamente ou eleitoralmente Afonso Dhlakama. Umas correntes chamam-no episodicamente de “O atentado”, outras porém consideram-no por “Inventona”.
Pelo sim, pelo não, começámos esta entrevista a fundo com Daviz Simango precisamente por esse episódio: o atentado de que escapou em Nacala, nos primeiros dias de Junho, o mês da Independência Nacional.
P- Eng. Daviz Simango confesse-nos como é que viveu aquele momento como homem. Fale-nos dos seus sentimentos, sobretudo pela história trágica do desaparecimento dos seus pais, Uria e Celina Simango, e mesmo pela morte estranha do seu irmão Maúca, que estava a estudar no exterior. Toda esta história de violência contra a sua família não veio a si quando escapou àquele atentado em Nacala?
R – Depois daquela situação tivemos que nos refugiar na direcção do Comando da Polícia de Nacala-Porto, portanto, no Comando Distrital. Tive tempo suficiente para fazer muitas chamadas. Mas, a minha caracteristica é evitar fazer chamadas que deixam as pessoas preocupadas. A única coisa que fiz foi ligar ao advogado. Foi a primeira pessoa que contactei no sentido de, rapidamente, se preparer para se dirigir a Nacala. A nossa intenção era de verificar se havia ou não um voo naquela noite. Infelizmente não havia voo naquela noite. Com o meu irmão falei duas horas depois. Expliquei a ele o que estava a acontecer porque eu já estava com receio de que poderia se aperceber daquilo que estava a acontecer em Nacala-Porto por terceiros. Mandei também mensagem para a minha esposa a dizer a ela que estava tudo bem, que poderia correr qualquer tipo de notícia, que ficasse tranquila. E, logo a seguir ao advogado, contactámos o porta-voz do partido, no sentido dele, naquela hora, convocar uma conferência de imprensa e comunicar ao país o que estava a acontecer. O membro da comissão política, que simultaneamente é porta-voz do partido, estava a sair de Nampula em Direcção à Beira vindo do Conselho do Partido. Ligámos, ele estava em Nhamatanda e foi bom porque aproveitou a hora de diferença para chegar à Beira e se comunicar com os jornalistas sobre a conferência de imprensa. Portanto, foram as três figuras que comunicámos de imediato. E, penso que foi bom porque não criámos pânico nas pessoas e, em situações normais ia dar muitos problemas. Mas, a partir das 18h, os telefones começaram a tocar porque toda a gente já havia acompanhado através da rádio.
Mas, quando abraçamos esta carreira política temos conhecimento claro de que há e haverá sempre perseguições e que haverá sempre pessoas mal intencionadas e calhou naquele dia. Estamos a falar de dois dias depois da reunião nacional que acabávamos de decidir a necessidade do MDM concorrer às eleições presidenciais e, felizmente, acabei sendo a pessoa escolhida pelos conselheiros do partido para este desafio.
Portanto, eu por acaso não equacionei o passado porque quando alinhei na vida política já tinha esse passado nas costas. Pensei apenas que não foi desta vez que conseguiram, mas por outro lado fiquei muito animado porque nos apercebemos que o Movimento Democrático era de facto um partido forte. Forte, porque os fracos recorrem a métodos imprórios. Lembro-me perfeitamente num dos anos em que o Mike Tyson estava em combate, quando se sentiu fragilizado recorreu aos dentes e mordeu o seu adversário. Portanto são situações destas em que os fracos recorreram a armas para poder me silenciar.
P – A acusação pública que fez à figura de Afonso Dhlakama remete-nos para uma situação séria. Até que ponto vai avançar com um processo para com a figura de Afonso Dhlakama? Objectivamente, de que forma é que Afonso Dhlakama, no seu parecer, está directamente envolvido neste atentado?
R – Olha, não temos a mínima dúvida de que o senhor Afonso Dhlakama tenha sido o comandante-em-chefe desta operação por razões muito simples que nos levam até lá. Primeiro por ele ter mobilizado deputados que nem são do círculo eleitoral de Nampula. Segundo, o facto de estarem a ser usadas viaturas de deputados, e aí estamos mediante um problema muito grave porque geralmente o deputado tem a função de estar na Assembleia da República a legislar e garantir que os moçambicanos possam gozar dos seus direitos. Se nos aparece um deputado da AR envolvido em actos de crime, estamos perante um cidadão que não sabe por que está na AR, estamos perante um cidadão que não está a respeitar a vontade do voto da população que o conduziu à AR, este cidadão não está preparado para estar na AR. Outro facto que verificámos é que as pessoas envolvidas eram militares que estavam a ser transportados por viaturas dos tais deputados. Por outro lado, a arma do crime. A arma que foi arrancada ao membro da PRM foi levantada em casa onde está hospedado o Presidente da RENAMO. Significa que é um grupo de quadrilha que vive à volta do presidente da RENAMO e aqui há um aspecto muito interessante nisto. Eles, quando apareceram no campo, tiveram ainda a coragem de hastear a bandeira da RENAMO, portanto aqui está uma definição clara de que este comando é feito através do chefe da RENAMO. Por outro lado, gostariamos de valorizar o membro da PRM a quem foi arrancada a arma, porque ele teve uma inteligência suficiente de se aparceber que se não tirasse o carregador haveria muitas vítimas humanas. Portanto, continuamos a agradecer a este homem que, afinal de contas, merece consideração e simpatia da nossa parte.
“Nenhum partido tem título de propriedade de espaço”
P – A inserção do MDM na política nacional tem sido difícil. Primeiro o episódio da Mafalala, do comício da sua apresentação ao povo de Maputo, em que faltou por razões explicadas como ligadas à sua saúde e depois o atentado de Nacala. Não está nada fácil a vida para o MDM...
R – Em relação a Mafalala, eu naquela manhã fui de facto à inauguração da nossa delegação no Maputo-Cidade em Xipamanine, visitei o bairro e outros cantos de Maputo. Só que naquela manhã, para os jornalistas que estavam presentes devem ter-se apercebido que a minha voz já não estava a sair. Quando saí do almoço fiquei pior. E quando fui ao médico este disse-me que não havia outro meio: não tens voz, estás infectado e não deves te esforçar porque podes provocar problemas mais complicados. É por ai que acabei ficando em casa. Por uma razão muito simples, era preciso garantir a minha saúde. Portanto não houve problemas de adesão porque o MDM fala para 3,4,5,10 pessoas e é preciso entender que o MDM está em todo o país. É o único partido na República de Moçambique que não usa armas, que não esteve com a população a coagi-la mas ela por si só, em tão pouco tempo, conseguiu ter delegações e equipas a funcionar em todo o país. Portanto, de todos os partidos que surgiram não conseguiram a popularidade que o MDM consegue, isto acontece devido à capacidade de gestão do conselho nacional, da comissão política cujos membros aperceberam-se que é melhor a trabalhar e isso requer meios e recursos. Nós estamos a nos movimentar nesse sentido. Em Nampula tivemos muitas enchentes, assistimos casos de membros de outras formações políticas a aderirem ao MDM.
- No caso concreto de Nampula, sabendo o MDM que a RENAMO estava em trabalhos políticos de vulto naquela província, a deslocação da sua caravana não pode ser vista como uma tentativa de fazer frente à RENAMO no mesmo espaço e tempo?
- Nós estamos a trabalhar a nível nacional e neste caso concreto nós tinhamos marcado a reunião do nosso conselho nacional para 31 de Maio. Acabámos alterando a data para 6 e 7 de Junho porque a Renamo já tinha solicitado ou marcado o seu Congresso a partir do dia 3 em Nampula. Então nós dissemos que se a Renamo há-de estar em Nampula, numa altura em que há cruzamento entre os nossos quadros, então teremos a nossa reunião numa altura em que a Renamo não vai ter o seu Congresso. Então passámos para 6 e 7 para permitir que a cúpula da Renamo que ia participar no congresso se retirasse para que houvesse coabitação em Nampula.
Agora, um partido como o MDM que é organizado e com capacidade de mobilização, sabendo que está em Nampula numa reunião para a qual mobilizou meios e recursos, então era oportuno que o próprio presidente começasse a trabalhar em Nampula. Isto significa evitar os custos de remover as viaturas para ir trabalhar numa outra província. Mas também que fique claro que os partidos políticos que existem não têm título de propriedade de espaço ou terra a nível nacional. O espaço é do Estado, é dos moçambicanos e eles estão livres de circular como desejarem. Portanto, não há razões aqui de dizer que pelo facto do Presidente da RENAMO estar em Nampula os outros partidos políticos têm que ficar em casa a dormir. Nós vamos entrar em campanhas e nas campanhas vamos cruzar 10 a 15 vezes num espaço tão pequeno. Então aí significaria que teremos de encontrar um factor ou um instrumento tecnológico tão sofisticado que vai detectar quem chegou primeiro e então o outro já não tem espaço para chegar lá nesse dia. Isto para dizer que o facto do Presidente da RENAMO estar em Nampula não significa que outros partidos políticos ficam impedidos de circular em Nampula.
P – No processo de inserção nacional do MDM, há vozes críticas que entendem que o MDM nao passa de um movimento do povo da Beira. Até que ponto se pode dizer que o MDM já se desbairrizou, ou melhor, se “desbeirizou”, no sentido de que deixou de ser movimento apenas de cidadãos da Beira para ser nacional?
R – Olha, é necessário que se entenda a “revolução de 28 de Agosto”, que surge depois de uma situação que aconteceu na cidade da Beira. E essa revolução é comandada por jovens que entendem que o espaço democrático em Moçambique existe. A “revolução 28 de Agosto” chamou a atenção ao povo moçambicano para a necessidade dos moçambicanos serem independentes em termos de filiação ou comando da liderança política. Portanto, esta oportunidade que lhes foi dada a partir da Beira criou condições para que os moçambicanos do Rovuma ao Maputo se apercebessem e dissessem sim senhora, aí há uma revolução. Mas nós, apesar de não estarmos na Cidade da Beira, vivendo fora somos solidários e manifestamos o interesse de continuarmos com uma atitude de não garantir que um homem seja instrumento e use a mente... o que acontece noutros partidos como a Frelimo e a RENAMO onde se você não cumpre está fora ou se você não obedece também fora...
P - É disciplina partidária...
R – É disciplina partidária, mas também pode não ser disciplina partidária. O que é disciplina partidária? É dizer ao cidadão que na caixa onde você recebe o salário já tem desconto para o partido. Isto é violar os direitos consagrados do ser humano, é que ele está a ser invadido nos seus direitos, que é retirar do seu ganha-pão para isso. Outra coisa, não pode ser disciplina partidária se disser ao ser humano que trabalhe mas se quer ser promovido deve ter este cartão. Esta é uma situação que a “revolução 28 de Agosto” chamou a atenção ao povo moçambicano. Depois disto fomos a uma situação que tinhamos que tomar uma decisão e foi quando decidimos por concorrer como independentes. Nesses cinco dias conseguimos angararir listas de apoio de várias pessoas, incluindo membros do partido Frelimo. Com a derrota da RENAMO e Frelimo na Beira ficou claro que Moçambique estava a caminhar para uma democraria multipartidária como capa, em que os partidos recorrem às leis da democracia para dominar tudo. E, se nós não tivessemos feito algo, todas as autarquias estariam sob comando de um único partido e isto implicava também nas eleições gerais a possibilidade da Frelimo ir com 2/3 e usar da sua arrogância para mexer na Constituição e proceder a outros actos que poderiam prejudicar os interesses de muitos moçambicanos. Foi assim que decidimos andar pelo país fora a ouvir a sensibilidade do povo moçambicano e duas recomendações que nos eram dadas eram de que devemos formar um partido e sermos sérios. Esse partido passou a ser nacional e na Assembleia Constitutiva apareceram compatriotas de todo o país. Portanto, o MDM não pode ser considerado como Beira.
“O MDM está na política para vencer”
P- Foi escolhido como candidato do MDM a Presidente da República. O que o motiva a candidatar-se? Há analistas que entendem que Daviz Simango poderá, caso venha a vencer as eleições de 28 de Outubro, confirmar um certo modelo africano segundo o qual aqueles que chegam ao poder vingam-se daqueles que os oprimiram quando lá estiveram. Tendo seu pai e sua mãe sido vítimas do processo político moçambicano, não é para os seus adversários alarmarem-se que Daviz pode vir com uma agenda de vingança política?
R- Quando o grupo da “revolução 28 de Agosto” decidiu concorrer como independente - porque havia feito uma leitura clara de que o candidato da RENAMO não passava e que a Frelimo tinha criado condições para tomar conta da Beira -, apareceram alguns analistas dizendo que na história jamais se viu um independente em África vencer eleições. Aparecem também analistas a dizer que não era possível que um independente com pouco tempo que tivemos conseguisse assinaturas para a candidatura. E, nós que estavamos envolvidos nisso a única coisa que tinhamos era a consciência de que estavamos a fazer algo para uma nova página política nacional. Trabalhámos e os resultados vieram. Agora avançamos para MDM e diziam que era missão exagerada da nossa parte, que não deveriamos avançar com o partido. Nós somos jovens e queremos defender a classe e a coragem que eles têm mas respeitando os mais velhos, os seus conselhos, porque graças a eles temos dado os nossos passos. Eles disseram-nos: filhos, avancem com o partido político porque não queremos que a nossa democracia desapareça. Recuando um pouco no tempo, quando nós vencemos as eleições na Beira, 2003, disseram que iriamo-nos vingar porque o elenco era constituido pelo filho de Uria Simango e que iriamos correr com os funcionários. No final dos cinco anos nada disso aconteceu. É para dizer que os comentários de alguns analistas não passam de propaganda política. Um analista quando faz uma abordagem deve distanciar-se da sua cor partidária. Com isto quero dizer que Daviz Simango é um cidadão qualquer e, mesmo querendo, as leis moçambicanas não vedam o Chefe de Estado de ser julgado perante actos ilegais. Os analistas de hoje deveriam encorajar os governos actuais a agir perante actos de impunidade que existem no país. O MDM é um partido que se deve reger pelas leis moçambicanas, assim como o Daviz Simango deve respeitar as leis. Nenhum cidadão está acima da Lei, mesmo o Presidente da República.
P- Em entrevista recente ao semanário “@ Verdade” vem lá uma afirmação sua de que o MDM espera ter mais de 50 deputados na AR, após as eleições de 28 de Outubro. Isto são aspirações do MDM ou é produto de um estudo realizado junto do eleitorado?
R – Os momentos políticos existem assim como também as oportunidades políticas e o MDM surge perante um cenário político e nós queremos fazer o uso da oportunidade que temos de fazer política. Essa oportunidade requer de nós lutar em pé de igualdade com outras formações políticas, ir para o terreno batalhar. Portanto, o MDM pode ter sucesso se os membros do MDM trabalharem no terreno porque para nós trabalhar é mobilizar a população, ganhar simpatia da população para que possa votar segundo as intenções do MDM. Pode não ter resultados se nós ficarmos a dormir e acomodados sem trabalhar. Nós fazemos política para vencer. Vamos esperar no dia 28 de Outubro para ver em quem a população moçambicana vai depositar o seu voto e eleger como seu representante e que será fruto de trabalho de cada partido político.
P – Objectivamente: é uma aspiração do MDM ter 50 a 100 deputados ou é uma projecção que faz do mínimo que poderá conseguir nas próximas eleições gerais?
R – Há quem que me perguntava o seguinte, mas vocês acham que vão vencer? E eu disse: o MDM não está no poder nem nos órgãos do Estado, mas surgiu. E se o MDM conseguir um deputado já é uma vitória porque estará representado no cenário político nacional. O MDM gostaria no mínimo de andar nessa fasquia de 50 a 100 deputados e isto é um desafio que temos e esse número é o nosso desejo.
P – Caso tais aspirações não se concretizem e tenhamos uma situação em que o partido Frelimo vença de forma esmagadora as eleições, e humilhe a RENAMO e o MDM, que MDM teremos no pós-28 de Outubro? Ou seja, sobreviverá o MDM, num cenário desses?
R – Humilha-se um partido político quando este já vem exercendo essas funções e que com o tempo vai perdendo esse terreno. Mas nós estamos a falar de um partido que está a entrar no terreno. Como é que havemos de nos humilhar? Pelo contrário, nós é que vamos humilhar porque passaremos a ser um corpo estranho num processo de bipolarização do sistema neste país. A partir da altura que aparece uma terceira força, mais um partido político é um incómodo. A humilhação já não é do nosso lado, mas sim daqueles que perderam o espaço político. E MDM vai ser o primeiro a ascender a esse lugar.
“Infelizmente, Dhlakama perdeu-se...”
P – Neste caso, antevendo um resultado positivo nas eleições e passando o MDM a uma força que eventualmente conteste o poder da Frelimo, como é que vê o futuro de Afonso Dhlakama no cenário político nacional?
R – É preciso, primeiro, compreender que o senhor Afonso Dhlakama não é pai político de Daviz Simango porque Daviz Simango já vem duma tradição política familiar longa, o que fez foi demonstrar a capacidade de gestão do bem público, que partiu da equipa que o próprio Daviz Simango conseguiu montar e não Afonso Dhlakama e muito menos a Renamo. O senhor Afonso Dhlakama vai permanecer na história Moçambicana à semelhança de André Matsangaíssa e outros que lutaram contra o regime e forçaram esse regime a aceitar o processo democrático de Moçambique, porque esse processo democrático foi negado nos Acordos de Lusaka. Portanto, o senhor Dhlakama tem este mérito de se juntar a vários outros homens para trazer esse processo democrático a Moçambique. Assim ele é um herói porque deu a sua vida para trazer a democracia para o povo moçambicano. Infelizmente, à semelhança do Robert Mugabe que lutou para o povo zimbabweano mas que pelo caminho perdeu-se, hoje estamos a viver um cenário não igual mas um cenário de Afonso Dhlakama que se acomodou e esqueceu-se que afinal não é só a luta de armas porque esta já estava arquivada e que era preciso ter uma luta de homem para homem conquistando o eleitorado de uma forma democrática, de diálogo, de conquista permanente e esqueceu-se também de que era preciso alargar a própria RENAMO, deixando de ser militarizada, deixando de ser um partido de históricos para um partido que abre a sua janela e congregue muitos moçambicanos que possam ajudar a própria Renamo a galvanizar-se. Portanto, por aí perdeu-se...
Crescemos com uma consciência bíblica clara: “Os autores da história não sabiam o que faziam” ...por isso nós, filhos, de Uria Simango, os perdoamos.
P – Sem os seus pais Uria e Celina Simango, que desaparecem por vicissitudes do próprio processo político moçambicano, como é que os meninos Lutero, Daviz e Maúca (falecido há uns anos em Portugal) cresceram e conviveram com uma história nacional oficial que considera seu pai, Uria Timóteo Simango, o traidor da causa nacional?
R – É preciso dizer que estávamos diante de um casal fantástico. Quer Uria Simango, quer a sua esposa Celina eram pessoas de luta, pessoas decididas, deve saber que a Celina é que fundou a Lifemo, liga feminina que originaria a OMM. Dirigiu e comandou as mulheres para a luta. Uria Simango trabalhou bastante na fundação da FRELIMO, e é preciso compreender que ele criou condições para que muitos moçambicanos pudessem juntar-se à Frente de Libertação de Moçambique, pudessem ter bolsas de estudo, pudessem estudar. Daquilo que eu me lembro muito bem é que fomos educados para uma vida honesta. Fomos educados para o amor. Portanto, para mim é uma referência inquestionável. Nós crescemos com uma consciência bíblica clara de que os autores da história não sabiam o que estavam a fazer e que era preciso perdoá-los. E foi assim que nós crescemos. Por isso passámos toda a vida a ignorar esta história... Hoje já sabem dizer que o Eduardo Mondlane não morreu no escritório mas sim em casa de uma amiga. Portanto, muita coisa ainda virá. E isto chamanos a atenção às futuras gerações. Nós temos filhos que tiveram que estudar essa história, e nós diziamos a eles para estudarem e não se chatearem com o professor, que não é culpado, e que esta não é a história de Moçambique mas um dia quando forem adultos irão acompanhar a Razão da História. E, dissemos claramente que o avô era uma pessoa de mãos limpas e que “profetou” naquela altura que era preciso um processo democrático em Moçambique, facto que só veio a acontecer em 1994. Portanto, tudo o que Uria Simango defendia está-se a viver hoje. É verdade que não é fácil, dos colegas de então virem a público dizer que cometemos erros, mas o tempo e a história ditarão.
P – Depois desta entrevista, como é que quer que o povo moçambicano veja o Daviz Simango?
R – O país tem que olhar para nós como filhos de moçambicanos. Pessoas que tiveram uma história ligada desde os avós que foram guerreiros e que lutaram e combateram o regime colonial. Os nossos pais o fizeram. O meu avô paterno parou em São Tomé por revolta à dominação colonial portuguesa. Isso para dizer que é uma família de luta e que nos entregamos à causa de Moçambique para todos, e as pessoas não podem ouvir a profecia de pessoas que nos querem combater alegando que esses são isto e que se querem vingar. A Constituição da República está clara e dá liberdade aos moçambicanos de exercer o poder político e que qualquer moçambicano que viole a lei, independentemente de quem quer que seja, está sujeito a penalizações. Portanto, nós somos cidadãos simples que querem ajudar o país para o desenvolvimento, onde as elites não possam pisar a maioria.
- Cortesia Televisão Independente de Moçambique (TIM)
Retirado do Diário de um sociólogo, a entrevista também foi publicada no Mocambique para todos. A foto é do jornal A verdade.
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