domingo, julho 12, 2009

Direito à residência: um panfleto constitucional ilusório?

Por Josué Bila

Muitos leitores deste artigo terão lido, nalgum momento, a Constituição da República de Moçambique, ainda que diagonalmente. E, certamente, terão se interessado pelo ponto 1º do artigo 55º que institui o direito de fixar residência e de circulação.

Minha intenção, aqui e agora, é cogitar sobre a não efectividade desse legado de fixar residência no território moçambicano. Entretanto, não entrarei em pormenores jurídicos, sob pena de ser achado ridículo e ignorante do que realmente não duvido desconhecer. Porém, a cidadania de expressão e de imprensa impõe que interpele e indague o porquê das macromazelas residenciais em Moçambique.

Estado social e o direito de fixar residência


Então, o que pressupõe o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional? O que é uma residência? Haverá infra-estruturas sociais, económicas, culturais e políticas para a fixação de residência? O que significa qualquer ponto do território nacional? Se os cidadãos têm direito residencial, quem, então, tem a obrigação materializador (desse direito)?

Posso começar por dizer que o direito de as pessoas fixarem residência em qualquer parte do território nacional exprime pressupostos vários. Apresento apenas dois. Primeiro, a existência do Estado social em todo o território moçambicano. Segundo, a existência do Estado cumpridor do dever de criar condições de residência urbana ou rural.

O Estado social se funda na base da multifacetada instituição de direitos de cidadania social, investindo o máximo dos seus recursos e talentos, para responder materialmente aos anseios dos direitos dos seus nacionais. Na verdade, o Estado social se desdobra não só na satisfação dos direitos de cidadania social; mas também direitos ligados à cidadania económica, política, cultural e espiritual. Por assim dizer, o direito à residência clama pela garantia desses direitos das pessoas.

Então, o que clama o direito à residência? Simplesmente isto: políticas públicas para residência digna em espaços parcelados e urbanizados. Isso significa que a residência será acompanhada e rodeada de arruamentos asfaltados, escolas, segurança alimentar, unidades sanitárias, creches, água canalizada, electricidade, postos de trabalho, sistemas de transporte e comunicação, casas bancário-creditícias (aqui, cogito a necessidade imperiosa de estabelecimentos de créditos bonificados para habitação), lojas e mercados económicos, convivência política, liberdade de expressão e de imprensa, segurança, salas de cinema e artísticas, livrarias, jardins públicos, lazer, espaços verdes, entre outros direitos de cidadania política, económica, social, cultural e espiritual. Não consigo pensar e focalizar uma residência ou área habitacional digna, sem estar rodeado de completude de cidadania política, económica, social, cultural e espiritual.

Na inexistência básica de infra-estruturas e direitos de cidadania já apontados, o artigo constitucional será apenas uma justificativa formal e um panfleto jurídico-constitucional ilusório, sem uma efectividade possibilitada por acções concretas do Estado, resumidas em planos exequíveis de políticas públicas e direitos humanos.

Simplesmente o seguinte: Se como cidadãos temos o direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional, significa que os operadores (seniores) da máquina estatal moçambicana têm de ter colocado em qualquer parte do território nacional condições de uma vida digna para os cidadãos lá morarem ou aqueles que por circunstâncias várias queiram viver nesse ponto. Discutir “qualquer parte do território nacional” torna-se meio enganoso, tendo em conta os quase 900 Km2 da extensão do nosso território. Talvez a melhor colocação fosse em partes escolhidas pelo Estado e sociedade civil, desde que comunidades rurais e tradicionais não saíssem prejudicadas pela política habitacional; pelo contrário tivessem benefícios disso.

Reparem que o legislador moçambicano, ao colocar o referido artigo sem exigir dos operadores da máquina estatal a materialização do direito de fixar residência em qualquer parte do território nacional, está simplesmente a ser cúmplice da negligência no cumprimento das obrigações do Poder Executivo.

O Fundo de Fomento à Habitação é o exemplo mais revelador de quão cúmplice é o nosso Parlamento, por aprovar orçamentos e leis sobre serviços e direitos habitacionais sem, contudo, exigir a prestação de contas de andamento daquela instituição do Estado. Qual é o resultado disso? O FFH está ao serviço da arrogância e corrupção feudal dos operadores seniores e juvenis da máquina estatal. Assim, o FFH desvirtualizou os seus objectivos de se constituir em uma alternativa social viável para habitação infraestruturada de baixo e médio custo, tendo em conta o bolso dos beneficiários. Aliás, bem recentemente, lendo a Imprensa moçambicana, percebi que o FFH acaba de ser extinto, pela sua magna inoperacionalidade. Quem foi e será responsabilizado pela negligência e inoperacionalidade do mesmo?

O exemplo de habitação em Maputo


O território urbano e suburbano de Maputo faz fronteira com o de Matola e Marracuene. Matola e Marracuene têm vindo a conhecer um crescimento populacional acelerado dado à fixação de residências por pessoas que maioritariamente moravam em Maputo-cidade. Ora, os novos bairros destinados para residência na Matola e Marracuene não têm o mínimo de condições de transporte e comunicações, unidades sanitárias, postos de trabalho, água canalizada, energia eléctrica, creches, escolas de nível secundário, técnico-profissional até ao superior, bibliotecas, centros artísticos e culturais e mais, salvo raras e honrosas excepções. Nestas condições tem sido muito difícil que os cidadãos se fixem nestes bairros. Fixando-se ou não, o direito de fixar residência é violada quando no lugar em que moramos não haja condições mínimas de residência cidadã. Residência cidadã é rodeada de cidadania social, cultural, económica, política e espiritual. Reparem que, em todo território nacional, os governos de Moçambique, desde 1975, ainda não se guindaram pela política pública e direito humano à residência cidadã massificada, o que, em si, é contraproducente aos seus objectivos, plasmados na Constituição.

Pessoalmente, conheço o Município da Matola e o distrito de Marracuene. Há dezenas de bairros isolados. Isolados porque não há estradas asfaltadas que liguem uns bairros de outros; não há transporte colectivo digno, circulando carrinhas de caixa aberta; não há postos de trabalho; desestruturação económica e social e a miséria e a exclusão social são os cartões de visita; educação escolar de baixa qualidade; postos de saúde distando 30 km um do outro; sem energia eléctrica, água canalizada, centros infantários, segurança e mais. Com todos estes marasmos, por que o artigo constitucional continua?

Actualmente, Moçambique vive o fenómeno família urbana alargada um pouco por todas cidades do país. Milhares de jovens, já com idade para casamento ou já casados, continuam a viver em residências de pais ou nos quartos arrendados, por causa de factores arrolados supra e infra-mencionados.

Pontapé de saída

Já estamos com 19 anos da nova Constituição (1990-2009) e não vemos nenhuma política pública para residência incrustada em direitos humanos, mas sim uma elitização tanto do recentemente extinto Fundo de Fomento à Habitação, bem como de bairros da classe alta e média moçambicana. Em Maputo, o murro de separação entre os bairros de classe média e alta (Sommerschield), de um lado, e das camadas desfavorecidas (Polana Caniço), de outro, são uma grande demonstração de quão socialmente desiguais são as zonas residenciais, denunciando o quão falacioso e enganador é o projecto socialista e de justiça social, advogado durante os 34 anos de Independência Nacional.

Por tudo isto, o ponto 1º do artigo 55º é, neste momento, um panfleto constitucional ilusório, sem dúvidas. Lamentável.

12 comentários:

Anónimo disse...

Mas quem estara a usufruir beneficios destas politicas habitacionais? Nao precisamos de grandes formulas matematicas para deduzirmos a resposta. Todos os no poder sao cumplices desta politica habitacional que se tem revelado uma verdadeira vigarice e uma forma de enriquecer a passos bem largos, nao falando da corrupcao que acalenta. Isto so revela a falta de consciencia dos prevaricadores. A camada pobre do nosso povo e que sai lesada; eles nunca irao ter direito a um tecto com as minimas condicoes.
Maria Helena

Anónimo disse...

Reflectindo, o ideal de habitação digna que pinta no seu texto julga ser susceptível de atingir em Moçambique ou em África hoje? Não estará a confundir Moçambique e África com o país nórdico onde vive?
Pensa que os "cidadãos" moçambicanos pagam suficiente imposto para capacitar o "seu" Estado a cumprir o "sonho" que Reflectindo tão magistralmente pinta?
Isto é o que dá viver fora do país sem ligações profundas com a pátria... Começã-se a fazer exigências incomportáveis para o país real.
Iremos lá chegar, caro Reflectindo. Só que não nesta nossa geração. E não será por causa dos que "estão no poder", como Maria Helena sugere. Este país tem distorções estruturais que não serão resolvidas com mera demagogia.
Sabino Matsinhe

Reflectindo disse...

Caro Sabino Matsinhe

1. O caro Sabino Matsinhe está tentar fugir do debate sobre o tema com especulações e distorções e talvez com intenções ocultas e motivos estranhos.

2. Como posso acreditar que leste o artigo que comentas? Será que o artigo não tem título nem tem autor? Será que o caro Sabino Matsinhe, pessoa que não conheço, lê pela primeira vez os artigos do Reflectindo? Se não é, nunca o meu caro Sabino Matsinho leu artigos do mesmo autor?

3. Meu caro quando tiver interesse de discutir o assunto de habitação em Moçambique nem que estejas contra, avisa-nos em entremos nesse debate.

4. Nada de exibição do papel do SNASP que já é defunto, mas sim cidadania. Aliás, mesmo no tempo de SNASP nunca me senti ameaçado.

Um grande abraço

Julio Mutisse disse...

Reflectindo,

Muitas vezes criticamos o Estado por não ter políticas mas, muitas vezes, não parámos para pensar na exequibilidade das políticas que exigimos e nas condições reais do nosso país.

É possível que, daqui, se diga que se não fosse a corrupção... como parece sugerir a Maria Helena mas, uma análise mais fria vai nos conduzir às distorções de que fala o Sabino Matsinhe.

O que questionaria ao Josué Bila que está no Brasil que experiências pode nos dar da realização deste desiderato a partir do ponto onde observa o país. É que, é muitas vezes fácil lançar estas coisas de LÁ FORA, do que olhar a volta onde estamos e, com base nas experiências desse local, sugerirmos caminhos possíveis pra o nosso país.

Reflectindo, sei que é um homem viajado e preocupado com o país, dentro da conjuntura conhecida, inclusive com ameaças de doadores de diminuírem a ajuda ao país (ajuda de que o país continua a depender em grande medida), que alternativas ou condições julga existirem para que o país ponha em prática uma política de habitação? E ao pôr em prática essa política, o que é que se deve sacrificar: a saúde? a educação? (que são as prioridades).

Por outro lado, que estrutura ideal deveria ter o país para ter uma política de habitação social exequível a exemplo do que vemos na Europa (quanto tempo precisamos para cheirar os calcanhares deles)?

Reflectindo, não podemos simplesmente lançar balões. O país tem várias distorções mesmo é preciso ter em conta isso.

Reflectindo disse...

Caro Mutisse

Ainda não preparei a minha opinião em relação ao assunto de habitação sobretudo ligado aos direitos humanos. Aliás, ainda não voltei ao assunto se eu assumir que Julho do ano passado escrevi algo relacionado com o problema de habitação no nosso país.

Mas antes de eu entrar nesse assunto o meu amigo podia ter me/nos ajudado em entender a pertinência do ponto 1º do artigo 55º da Constituição da República. O título do artigo e a conclusão do autor (Josué Bila) é de que o ponto 1º do artigo 55º é, neste momento, um panfleto constitucional ilusório. Não será verdade?

Quando eu um dia entrar neste assunto ou sempre que entro neste assunto por vontade própria, discuto geralmente sobre a política habitacional, porque falar de direitos nesta área pode realmente tornar-se ilusório.

Se o tal Sabino Matsinhe mostrasse apenas a curiosidade (ou quisesse ele mesmo comparar Mocambique e os países nórdicos) sobre o direito e a política habitacional nos países nórdicos eu lhe teria ajudado. O mal do Sabino Matsinhe que me parece um nome fictício, foi de especulação, ainda que não contribuiu para o debate. Sabino Matsinhe diz um dia havemos de atingir aos níveis dos países nórdicos garantido aos moçambicanos o direito habitacional, mas eu acho ser esta uma promessa vã, enganosa. Logo é um panfleto ilusório. Muitos países industrializados como EUA não garantem o direito
habitacional aos seus cidadãos.

O que é direito à residência ou habitacional?

Quanto à questão de olhos de fora para dentro, sobretudo em relacão aos direitos humanos, meu amigo te digo uma coisa: VALE A PENA E MUITO essa experiência, porque sem eu desqualificar os meus concidadãos, a violacão dos direitos humanos é grossa e grosseira. Pelo aprecio bastante o trabalho do Josué Bila.

Anónimo disse...

Percebi as preferências de Reflectindo. Gosta de ver no seu blogue comentários como o de Maria Helena que diz que o problema da habitação em Moçambique se deve a "Todos no poder" que "tem revelado uma verdadeira vigarice e uma forma de enriquecer a passos bem largos". E que, por isso mesmo, "a camada pobre do nosso povo e que sai lesada; eles nunca irao ter direito a um tecto nas minimas condições".
Todo aquele que problematiza esta maneira confrangedoramente falaciosa e pobre de analisar o nosso país é catalogado por Reflectindo como SNASPEIRO, que desvia o debate e ESPECULADOR.
Diga-me, senhor Reflectindo, entre eu e Maria Helena(?), que muita gente acredita não existir e constituir um truque de Reflectindo para se apoiar a si próprio, e eu, quem verdadeiramente especulou?
Negar que o problema de habitação em Moçambique se deva à desonestidade dos que estão no poder é especulação?
Sugerir que os "cidadãos" de Moçambique não geram suficiente imposto para suportar os delírios pretensamente de direitos humanos de Josué Bila é especulação?
O que é especulalção afinal?
Sabino Matsinhe

Anónimo disse...

Outra coisa Reflectindo, a constituição só pode consagrar aqueles direitos que possa satisfazer de imediato? O que dizer então sobre a IGUALDADE que quase todas as constituições consagram? Existe algum país onde essa igualdade tenha sido atingida?
Muitos direitos que aparecem nas constituições dos Estados revelam apenas um ideal. Eles não se materializam por simples exigências demagógicas i irresponsáveis. Eles se materializam como manifestação do avanço inexorável da humanidade, fruto às vezes de lutas, trabalho e esforço de gerações inteiras.
Sabino Matsinhe

Reflectindo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Reflectindo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Reflectindo disse...

Senhor falso Sabino Matsinhe, por favor crie o seu blog, onde você vai ofender a quem quer que seja. Este aqui é o meu. Você nao me conhece assim como eu não conheco qualquer Sabino Matsinhe.

Crie o seu blog, por favor e deixe de me incomodar neste meu.
Não gosto de indivíduos que se fazem de me conhecer, pois nem Maria Helena alguma vez fez isso. Talvez porque ela é bem educada. Todo o indivíduo bem educado sabe os seus limites quando fala com alguém, mostrando reservas.

Não gostei da tua atitude de fazer-te de quem me conhece. Só os espiões fazem isso enganando os seus patrões. A a tua última acusacão de que Maria Helena é Reflectindo revela mais uma vez esse teu comportamento, mas que até todos passam a saber que és especulador, mentiroso e intriguista. Devias compreender o que não gostei e antes de continuares a ofender-me já devias ter me pedido desculpas. Afinal que maneira é essa de ser????

Anónimo disse...

Muito nervosismo, caro Reflectindo. Não consigo ver onde é que o senhor Matsinhe disse que lhe conhecia. Simplesmente vejo desacordo em relação a um texto que, por erro dele, pensava que tinha sido você a escrever. Penso que não reparou que era texto de um colaborador. Sendo o blogue teu, é normal a confusão que Matsinhe fez. Da minha leitura, concluo que a sua zanga é completamente desprositada. Bastava elucida-lo que não tinha sido você a esscrever. Desculpe-me se lhe ofendi com este comentário.

Reflectindo disse...

Leia bem o que o Sabino Matsinhe escreveu a ponto de não discutir o conteúdo do texto e a querer discutir a minha pessoa como se ele me conhecesse. Se eu perguntar a quem ele ouviu sobre a minha pessoa é capaz de revelar?

Nem que fosse eu a escrever qual é a dificuldade em discustir sobre habitacão em Mocambique? Há dificuldade de ver a discrepância habitacional entre os novos ricos e a camada pobre tal igual viamos no tempo colonial? O que Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo disseram há dias? Terá o Sabino Matsinhe insultado a eles (Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo) como faz a mim e à Maria Helena aqui no meu blog?
Depois vem ele dizer que eu apoio-me a mim próprio assinando como Maria Helena. Que tipo de insulto é esse ainda no meu blog?
Que Sabino Matsinhe crie o seu blog para exibir o que ele é.