Editorial do Savana
O resultado da repetida eleição
autárquica no Gurué, província da Zambézia, é simplesmente uma pequena amostra
do nível de ilegalidades e irregularidades que caracterizam os nosssos
processos eleitorais, onde órgãos de administração de eleições entram em
conivência com o partido no poder para roubar votos dos eleitores da oposição.
E que não haja dúvidas. O facto
de o Conselho Constitucional ter anulado e mandado repetir a eleição naquela
autarquia deveu-se à forma tão flagrante como a fraude foi orquestrada e
executada.
Não duvidamos da rigorosidade com
que o Conselho Constitucional exerce o seu mandato na fiscalização dos
processos eleitorais, mas também acreditamos que é do interesse dos doutos
juízes daquele órgão evitar a desestabilização generalizada do Estado. Pelo
contrário, talvez tivessem que anular as eleições em muitas outras autarquias.
Já desde o surgimento do
multipartidarismo em Moçambique que alegações de fraudes eleitorais têm sido
feitas pelos partidos da oposição. Só a confiança que todos nós tínhamos quanto
ao que considerávamos a integridade dos órgãos de administração eleitoral nos
deixava com uma visão céptica quanto a tais alegações. Mas os autores destas
fraudes ganharam tanta confiança da impunidade com que sempre realizaram os
seus actos, a tal ponto que deixaram de ser mais discretos.
A composição do eleitorado do
Gurué não pode ter sofrido significativa alteração em pouco mais de dois meses
desde a primeira eleição no dia 20 de Novembro passado, para provocar esta
alteração substancial verificada na repetição do escrutíneo.
Na sua deliberação, o Conselho
Constitucional faz um arrolamento exaustivo das irregularidades ocorridas na
primeira eleição naquela autarquia. Algumas delas mostram sinais claros de
terem sido deliberadas para produzir um determinado resultado, contrário ao da
vontade da maioria dos eleitores. São, na verdade, crimes eleitorais.
Mas como se os actos ilícitos
descritos pelo Conselho Constitucional não fossem suficientes como avisos, e
daí dissuadir malfeitores de encetarem novas tentativas de fraude, há o caso da
senhora que foi surpreendida com vários boletins de voto já preenchidos a favor
da Frelimo. Se esta tentativa não tivesse sido detectada, talvez o resultado da eleição do Gurué
tivesse sido outro, ou possivelmente até, o Conselho Constitiucional tivesse
que voltar a anular o acto.
Tal é a pobreza dos nossos
actores políticos.
Os agentes do Estado estão numa
tal situação de captura que ninguém sabe que procedimentos criminais foram
instaurados em relação a esta senhora apanhada em flagrante, e que, como se
sabe, é esposa de um alto funcionário do Ministério da Justiça.
Se em política pode ser válida a
máxima de que os fins justificam os meios, é vergonhoso que um partido da dimensão
da Frelimo tenha que se sujeitar a esta humilhação para ganhar eleições. O
partido tem experiência suficiente para, em função da sua actual baixa
popularidade, desencadear acções que lhe permitam corrigir os factores que o
tornam menos popular, e a breve trecho recuperar o apoio perdido e ganhar eleições
com dignidade.
O pior que pode acontecer a um
partido ou dirigente político é governar uma população que não só está
contrariada em relação a quem a governa, mas que de um modo geral também
acredita não ter votado no seu governante.
O que é mais grave no meio de
tudo isto é que muitos destes actos de fraude eleitoral descarada são cometidos
com a conivência de funcionários públicos cuja razão da sua remuneração mensal
destina-se única e exclusivamente à protecção da integridade da vontade dos
eleitores. O que dá para suspeitar que há muitas outras ilegalidades e irregularidades
que passam despercebidas, não detectadas, e que ao fim do processo ditam um
resultado contrário à vontade expressa pelos eleitores. E enquanto os custos
destes crimes para o erário público são enormes, espanta como, acto contínuo,
os criminosos responsáveis por estes actos continuam a viver no nosso meio, na maior das
impunidades. Se é a isto que chamamos democracia, melhor termo haverá para
descrever sistemas eleitorais onde a integridade dos funcionários eleitorais é
um valor supremo.
Editorial do Savana, 21-02-2014
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