quarta-feira, fevereiro 26, 2014

África tão perto da Ucrânia ainda que tão longe…

Por Noé Nhantumbo

Numa dinâmica cheia de protagonismo popular caiu um regime…
Chegará a vez de África…

Já ninguém pode negar que regimes políticos podem cair sem intervenção de mãos externas. Corajosos e persistentes ucranianos o demonstraram mais uma vez.

Não foi uma Primavera mas um Inverno frio libertador que trouxe algumas verdades para a superfície. Afinal, um regime não cai em virtude de subversão financiada através do exterior. Não são as mãos externas o factor predominante para correcções políticas necessárias onde a maioria de uma sociedade está descontente e desesperada. As balas, snipers, tanques e canhões têm um efeito devastador mas não determinante nem final quando a paciência de um povo está esgotada.


Importante para as oligarquias africanas aprenderem que nada é eterno e nem suas maquinações serão capazes de as manter no poder para todo o sempre.

Quando o presidente da Ucrânia fugiu de Kiev, a capital, declarou tacitamente a derrota e com ela seguiu-se a libertação de sua arqui-rival.

No panorama político africano ainda se contra com o efeito analfabetismo político e predominância de populações rurais ou ruralizadas contribuindo com o seu silêncio e receios para manter no poder oligarquias parasitas e lesa-pátria.

Mesmo na ausência legal de regimes vitalícios, vários são os casos de presidentes que não equacionam deixar o poder. O populismo e apoio ocidental a Museveni do Uganda ou a permanência no poder de Mugabe devem ser vistos como jogos políticos de pessoas que se afastaram completamente daquilo que os levou ao poder. Na impossibilidade de instaurar regimes feudais na sua verdadeira forma adoptaram métodos insidiosos para se manterem no poder. Esposas, filhos, cunhados, sobrinhos cumprem, na íntegra, o papel de protagonistas de impérios económico-financeiros que asseguram a acumulação de riquezas à margem da lei. Impera o nepotismo e “inside trading” ao mais alto nível.

Para completar o quadro, utilizam-se os serviços de defesa e segurança, os serviços de inteligência para controlar os opositores e instaurar um regime de terror para amordaçar as populações.

África não deseja nem clama por mudanças de regime encomendadas e financiadas por serviços secretos ocidentais ou orientais. Não interessa aos africanos que a ordem pública seja alterada para a emergência do caos, da violência sectária e a destruição de bens públicos e privados. Não é do interesse dos africanos que o oportunismo político abra espaços para a xenofobia e outras manifestações de intolerância.

É possível, através de passos democráticos, desenvolver acções que levem a uma alternativa na governação.

A União Africana nos moldes em que foi criada e atendendo a forma como os líderes dos diferentes países votam e actuam no dia-a-dia constitui um escolho para a efectiva libertação do continente.

Ultrapassar a fase de apoio aos golpes de Estado “socializantes” e as encomendas golpistas ocidentais, como parece serem os regimes protegidos, por países como a França, é urgente e vital. Politicamente não se pode descurar de dar atenção especial ao modo como operam as alianças e parcerias entre determinados governos do continente.

A oligarquia angolana, só para dar um exemplo, não poderia sobreviver sem o apoio diplomático de seus pares em África e no mundo.

Um regime como ao de Harare sobrevive porque se encontra escorado num poderoso aparato militar e policias constantemente oxigenado por benesses. Uma máquina de guerra pronta a ver seus serviços utilizados além-fronteiras e paga a peso de ouro em dinheiro e em espécie sabe que não pode continuar a gozar de seu estatuto sem a presença no poder de “camaradas” como Robert Mugabe. Mesmo como idade de reforma e já não gozando de boa saúde, esta figura é mantida no topo da hierarquia estatal como garante da estabilidade e do status.

As doces palavras de inspiração revolucionária e socialista a muito que foram esquecidas. O que conta e governa é um capitalismo indisfarçável. Ranchos, farmes, participações em corporações financeiras e mineiras, acções nas telecomunicações fixas e móveis, poder no sistema judicial, na polícia, no exército e nos serviços secretos seguram o regime. Quando necessário asfixia-se a oposição nem que se tenha que recorrer à medida extremas como o assassinato político e mesmo massacres.

Evidentemente que isso tudo não é politicamente sustentável e tendo em conta a história seus dias estão contados.

O poder tem a virtude de entorpecer e cegar quando não escrutinado. Muito que se vêem em posições de poder se esquecem dos mais elementares preceitos de governação e de manutenção da estabilidade. Um jogo permanente de intrigas e manipulação da opinião, cultivando e promovendo discórdias interétnicas concorre para vencer eleições mascaradas e prenhes de ilícitos.

A democracia entanto que tal é odiada e considerada uma importação do ocidente. Só que estas mesmas pessoas que assim proclamam, não se coíbem de gozar e desfrutar as maravilhas tecnológicas do ocidente como BMW e Jaguars. Não falta um vinho raro e caro em suas mesas. O whisky velho faz parte de seu quotidiano assim como os mais caros cognacs. Suas residências são mansões com mármore italiano. Suas férias e aniversários são comemorados com artistas ocidentais cantando. Mesmo para suas aventuras sexuais importam mulheres do ocidente e do Brasil.

Estamos imersos num mar de hipocrisia chamado de governo nacional. Sempre que convenha esgrime-se o escudo da soberania nacional e reprimem-se concidadãos de maneira atroz equiparável aos dias longos de colonização.

Os africanos assim como os ucranianos estão sedentos de liberdade e de direitos económicos básicos.

A via para a emancipação política e económica pode ser pacífica ou tomar contornos violentos dependendo da compreensão e flexibilidade política dos governantes.

Importa antever dinâmicas políticas e tomar as decisões pertinentes para manter os países em estabilidade e em paz. As opções para o amanhã terão que ser tomadas hoje com coragem e determinação.

O espectáculo deprimente e indecoroso dos detentores de fortunas em África concorre para a violência.

Com desequilíbrios fomentados e cultivados por que se diz governo abrem-se as portas do inferno político.

As chacinas na República Centro Africana são sintomas de desnorte ou de uma barbárie que pode ser repetida a qualquer momento noutros países?

Não se pode esperar pelas mãos externas “pulverizando” democracia em África ou socorrendo de governantes para sacar os recursos minerais.

Após décadas de independências falseadas, chegou o momento de acção concertada a nível continental para se libertar os africanos de governos indignos, parasitas e de uma União Africana débil, amarrada aos desígnios de ditadores que se pretendem vitalícios no poder.

Kiev tão longe foi uma lição instrumental de como um povo corajoso toma conta de seus destino… (Noé Nhantumbo)


Fonte: CANALMOZ – 26.02.2014

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu concordo com isso sobretudo algumas cidades Africanas, como Beira, Matola, Quelimane ate parecem Kiyv.