segunda-feira, outubro 03, 2011

Foi-se um pedaço da história

Por Jeremias Langa

A morte, esse inexorável e inevitável destino, está, aos poucos, a tirar-nos deste pedaço do mundo os principais protagonistas de uma fase crucial da nossa história, sem nos dar a possibilidade de esclarecermos muitas dúvidas, entretanto, acumuladas.
 
Esta quarta-feira, morreu o General Bonifácio Gruveta. O país perde, assim, mais um importante sujeito da sua história, quando ainda falta esclarecer parte considerável da sua verdade. A morte, esse inexorável e inevitável destino, está, aos poucos, a tirar-nos deste pedaço do mundo os principais protagonistas de uma fase crucial da nossa história, sem nos dar a possibilidade de esclarecermos muitas dúvidas, entretanto, acumuladas.

Tributária de uma tradição de oralidade, a nossa história é, em grande parte, a soma das histórias pessoais dos seus protagonistas e da forma como é contada por eles. E como todas as histórias de tradição oral, têm versões desencontradas, por vezes contraditórias mesmo. Conformados, uns assumem estas versões. Mas há outros que não aceitam deturpar a sua própria história. O General Gruveta foi uma dessas pessoas. Distinguiu-se entre os seus pares, precisamente, pela sua capacidade de questionar os seus próprios camaradas e a história de que é parte.
O problema é que, tal como a esmagadora maioria dos seus camaradas de armas, o General Gruveta não deixou nenhum legado escrito. Agora, todas as suas dúvidas, toda a sua verdade, são definitivamente só dele e o acompanharão para o além por toda a eternidade. E sucederá assim com mais ou menos todos os protagonistas da Geração do 25 de Setembro, porque não escreveram as suas memórias. Sérgio Vieira, José Moiane, Raimundo Pachinuapa e Jacinto Veloso são apenas raras excepções desta regra. Mas, como se viu até agora, apesar de serem um excelente começo, os seus testemunhos escritos não chegam para juntar todas as pontas soltas da nossa história.

Nos últimos anos, alguns dos protagonistas da Geração do 25 de Setembro trouxeram a público alguns elementos perturbadoramente novos, que vieram colocar em causa algumas verdades assumidas como oficiais, desde os primórdios da nossa Independência Nacional. O General Gruveta, por exemplo, defendia que a Luta Armada de Libertação começara a 24 e não a 25 de Setembro de 1964, e ainda que fora o batalhão por si próprio dirigido que teria dado o primeiro tiro e não o General Alberto Chipande, no posto de Chai, como se ensina na nossa história. Curiosamente, no ano passado, em entrevista a este jornal, Sérgio Vieira defendeu também que a luta começara a 24 de Setembro e não a 25.

E, no entanto, apesar destes questionamentos de dois importantes protagonistas da história, continuamos, como se viu ainda esta semana, a celebrar o 25 de Setembro de 1964 como o marco do início da Luta de Libertação Nacional e o General Chipande como o autor do primeiro tiro; apesar destas dúvidas levantadas, ninguém, até agora, revisitou o nosso passado para aferir a veracidade das suas versões. E agora corremos o desagradável risco de perpetuarmos por gerações uma história prenhe de dúvidas e incorrecções. Por isso, antes que toda a Geração do 25 de Setembro se vá embora em definitivo do mundo dos vivos – e isso acontecerá, mais dia, menos dia - urge que nos deixe o seu importante testemunho da história. Das suas memórias iremos nós juntar os cacos e erguer o edifício da história do nosso processo de libertação colonial. Sem isso, estar-lhes-emos gratos na mesma por nos terem trazido a liberdade, mas ficará em nós a sensação de uma obra que poderia ter sido terminada com outro brilho.

Particularmente no caso de Marcelino dos Santos, por exemplo, é uma verdadeira biblioteca ambulante da história deste país. Tem uma trajectória ímpar na sua vida, que torna quase inaceitável que não tenha escrito um livro com o seu olhar muito pessoal dos últimos 50 anos. Esteve em todas as fases históricas deste país, desde a clandestinidade na Argélia e na Europa, passando pelo processo de formação da FRELIMO, o início da luta armada, o conturbado processo da sucessão na liderança no movimento, os Acordos de Lusaka, a formação do Governo de Transição, a proclamação da Independência Nacional, o primeiro Governo de Samora Machel, a morte deste, a era de Chissano até à entrada de Guebuza.

A sua história é a verdadeira história de Moçambique e as instituições deste país não o deviam deixar passar deste mundo sem contar a sua verdade! Ainda vamos a tempo...

Fonte: O País online - 30.09.2011

1 comentário:

Anónimo disse...

Não vamos a tempo Jeremias Langa.
O primeiro tiro aconteceu em Posto Chire, perto de Megaza, a 4 quilómetros da fronteira do Maláwi-na altura Nyassaland, no mês de Agosto de 1964, que o posto da Polícia foi atacado.
Só a PIDE tem os dados correctos, porque fez operações e prendeu vários suspeitos nessa zona.
Ou seja a história do 1º tiro, só a PIDE pode confirma(r - será uma vergonha para nós moçambicanos), e já morreram MAIOR PARTE DELES (PIDE) RESTANDO ALGUÉM que vive no Malawi, que teve de fugir de Megaza, infiltrando-se na Frelimo de Eduardo Mondlane, acabando por desaparecer.