As frases a economia de Moçambique vai bem e que estamos no caminho do progresso são repetidas nos discursos oficiais. Agora surge um novo slogan, vindo do Presidente de uma das maiores empresas portuguesas com perspectivas de grandes interesses no país. Disse, sem ser discreto do seu percurso profissional de mais 40 anos em vários pontos do mundo, que Moçambique teve uma década dourada. Entretanto, mais um prémio, neste caso da Câmara de Comércio Moçambique – Portugal, foi atribuído ao Presidente da República como um grande promotor das relações económicas entre os dois países. Este texto não se refere aos sucessivos prémios entregues ao Senhor Presidente. Também não se pretende especular sobre as causas/motivações específicas do discurso do empresário português.
Este texto procura refutar essas frases e argumentar que Moçambique não é macroeconomicamente estável, não está no caminho do progresso e não teve qualquer época dourada na sua história (incluindo a última). É um objectivo amplo para o limitado espaço disponível. Os dados estatísticos apresentados são de fontes oficiais e utilizadas com total seriedade e integridade ética. Veja-se então:
• Moçambique cresceu na última década entre os 6 e os 9%, sendo que os sectores que mais aumentaram foram os de serviços (finanças, transportes e comunicações, comércio e hotelaria). Os que menos cresceram foram os sectores produtores de bens (pescas, indústria manufactureira e agricultura), o que revela uma terciarização da economia e a perda de importância do tecido produtivo de bens e das pequenas e médias empresas. Segundo o Banco Mundial, o PIB valorizado em dólares em 2009 e 2010 demonstra um crescimento negativo da economia, o que é uma novidade contrária aos discursos, incluindo das organizações internacionais.
• Segundo um estudo da Agência Francesa de Desenvolvimento, as poupanças líquidas são em média de -14% do PIB, o que anularia e tornaria o crescimento económico negativo durante os últimos anos.
• Os recursos doados pela cooperação representam entre 15 e 19% do PIB. Moçambique é um dos países que mais ajuda recebe em África e são reais os sinais de subserviência política.
• Moçambique faz parte dos 5% de países menos competitivos de entre as economias avaliadas pela organização internacional especializada (World Economic Forum). Os sinais de melhoria são muito ténues.
• Moçambique tem melhorado o ambiente de negócios, permanecendo entre os 25-30% de países com pior indicador de entre as economias avaliadas pelo Banco Mundial. Será esta melhoria resultante de maiores facilidades, eficiência e eficácia do tecido produtivo, dos centros de decisão e da administração pública e do ambiente e estabilidade económica, ou é consequência de uma maior desregulação, menor fiscalização e mais corrupção “facilitando” os negócios, sobretudo os associados aos grandes investimentos?
• O crescimento económico é quase que totalmente absorvido pelo consumo que representa menos de 5% do PIB. O investimento bruto na primeira década deste século variou ente 15 e 21%, do qual, 95% é financiado pelo investimento directo estrangeiro e por empréstimos (na maioria externos).
• A inflação varou entre 4 e 12%; nos países desenvolvidos, quando a taxa supera os 3%, todas as luzes de crise se acendem.
• As taxas de juros para investimento variaram na “década dourada” entre 16 e 20%; por certo que os investidores não acham esta taxa incentivadora e por isso procuram empréstimos no exterior ou, mais comodamente, beneficiam-se das linhas de crédito e dos empréstimos intergovernamental.
• O investimento directo estrangeiro tem aumentado significativamente. Porém, apenas os 10 maiores projectos concentram cerca de 65% do total do investimento realizado em mega projectos pouco geradores de emprego?
• O défice público sem recursos externos foi de entre 14 e 21% muito superior aos 3% considerados aceitáveis. As ajudas e donativos reduzem ficticiamente o défice para cerca de 1%. Um dos elementos da crise nos países do sul da Europa é o défice público (acima de 5%) e os juros da dívida soberana que despertaram as sirenes de crise quando ultrapassaram os 5-6%.
• A balança comercial é cronicamente negativa com tendência ao agravamento e portanto, a taxa de cobertura (exportações/importações, em percentagem) é cada vez menor. Entre 50 e 60% das exportações são provenientes do alumínio. Cerca de 70% das exportações são de grandes projectos e os seis principais produtos representam cerca de 80% das exportações. É isto bom para uma economia?
• A pobreza absoluta alcança 57,7% com um importante aumento do número de pobres (perto 13 milhões, cerca de 1,7 milhões mais que em 2002) e com dinâmicas de aprofundamento das desigualdades sociais. Logo, o mercado interno é de baixa escala e muito segmentado reflectindo uma sociedade profundamente desigual e sem formação de uma classe média.
• O Índice de Percepção da Corrupção tem aumentado, colocando Moçambique entre os 25-35% de países mais corruptos de entre os avaliados pela Transparency Internacional.
Em quase todos os indicadores apresentados, existiu uma tendência para o agravamento ou ligeiras melhorias As variabilidades inter-anuais são grandes na maioria dos indicadores. Não há sinais de transformação estrutural da economia não só na última década como nos últimos 40 anos.
Face ao exposto pode-se facilmente refutar as frases acima indicadas. Então a pergunta é: porque se faz esse discurso? Três respostas inter-relacionadas: (1) uma, para o discurso interno; (2) a segunda, para as organizações financeiras internacionais (IFI); e, (3) finalmente, para os grandes empresários estrangeiros.
No primeiro caso existem várias razões/motivações, podendo-se destacar:
• A transmissão de uma mensagem de abertura e confiança à cooperação e ao investidor externo.
• A manipulação da opinião pública interna onde existe um elevado grau de iliteracia (sobretudo de conhecimento, informação e sentido crítico), sobre o bom desempenho da economia e ainda o objectivo de aumentar, através de slogans vazios, a auto estima nesta pátria amada, pérola do Índico. Porém, perante a rudeza da realidade este discurso tem cada vez menos credibilidade.
Quanto às instituições financeiras internacionais, pretende-se:
• A continuação da compensação de Moçambique pelo êxito da paz e da estabilidade política (bastante aparente), pelo contributo do país na estabilização da África Austral e o seu papel na resolução de conflitos.
• A legitimação das políticas económicas “sugeridas” (entre aspas e muitas vezes imposta), perante os resultados negativos na maioria dos países onde é mais difícil manipular a opinião pública.
• A adopção de uma estratégia de redução da dependência (muito custosa para os países doadores em crise), reduzindo a cooperação e substituindo-a pelo investimento estrangeiro, considerando que existe a consciência que a retirada rápida dos recursos externos levaria Moçambique a uma catástrofe económica, social e política.
Relativamente aos investidores externos, as motivações podem ser, em resumo, a obtenção de benefícios fiscais, a criação de facilidades de investimento e de operação, a concessão de excepcionalidades no cumprimento da lei e assegurar alianças com o poder político, factor importante para fazer negócios em Moçambique.
Em resumo é a conhecida tripla aliança: (1) Estado; (2) organizações financeiras internacionais e cooperação; e, (3) capital externo. Onde está a aliança com o povo e com os empreendedores nacionais?
Quanto ao discurso da década dourada recordo-me a frase de um amigo: quando algumas pessoas dos países desenvolvidos passam o equador (que divide geograficamente/fisicamente o planeta sensivelmente a meio) pensam que ficam com o umbigo no centro do mundo.
Fonte: Savana - 30.09.2011
Sem comentários:
Enviar um comentário