“Analisando, conclui-se que as mesmas, mais do que atenuantes, são agravantes do custo de vida (...). Estas medidas revelam que as despesas públicas são insuportáveis, e o Governo excedeu os limites dos gastos. Sem estas medidas, o país torna-se ingovernável.”
O Governo anunciou, esta semana, novas medidas visando supostamente reduzir o custo de vida. Analisando, conclui-se que as mesmas, mais do que atenuantes, são agravantes do custo de vida. São medidas que, em condições normais, num país sério, em que os seus governantes são sensíveis aos problemas de quem os elege, levariam à demissão do Governo. Sorte nossa é que estamos em África, em que culturalmente o poder não se renuncia, arranca-se! Ainda acreditamos na teoria eclesiástica da predestinação, na qual o ser humano nasce com o destino traçado. Nela, a pobreza, a riqueza, o poder, são destinos que Deus supremo traçou para nós. E o que Deus dá, ninguém tira e não se renuncia.
As medidas do Governo obrigam-nos a um exame de consciência profundo, a uma reflexão séria sobre o que o Governo pretende com este país, onde estamos, e para onde vamos. Quando o Governo tomou as medidas de subsidiar quase tudo, muitos analistas, desde jornalistas até economistas, passando por políticos, questionaram a sustentabilidade dessas decisões. Ninguém disse ao Governo para subsidiar o pão, o combustível, os cereais. O que o povo exigiu por via da manifestação foi que o Governo devia tomar medidas visando conter a carestia de vida. E se o fez, é porque o povo vivia na expectativa de que o Governo cumpriria com as suas promessas de transformar o país num paraíso verde, através da Revolução Verde. As promessas foram gerando novas promessas. Os discursos de combate à pobreza multiplicaram-se, desde o nível central até aos povoados dos postos administrativos e localidades mais recônditas do país. Os chefes de postos administrativos, administradores, governadores, já não sabiam dizer outras coisas, senão “estamos a fragilizar a pobreza”, “estamos a combater eficazmente a pobreza absoluta”, “a pobreza está nas nossas mentes”, “três gerações, uma nação: a geração 25 de Setembro, 8 de Março e a de Viragem”. Falaram tanto que até se esqueceram de que havia necessidade de ir a acções e que o discurso não produzia comida, nem combatia a pobreza.
Estas medidas revelam que as despesas públicas são insuportáveis e o Governo excedeu os limites dos gastos. Sem estas medidas, o país torna-se ingovernável.
O ministro da Planificação e Desenvolvimento disse, em entrevista à Stv/O País, que “as medidas visam essencialmente redireccionar os subsídios para as pessoas mais desfavorecidas, e, no caso dos transportes, passar o subsídio aos transportados e não aos transportadores e seleccionar aqueles que realmente são vulneráveis”. Para a implementação dessas medidas, Aiuba Cuereneia apresenta critérios que ele mesmo está consciente da sua inaplicabilidade.
Disse, ainda, Aiuba Cuereneia, que “A partir de Abril, o que vai acontecer é o início de um aumento gradual dos preços de combustível, para que possamos chegar aos preços normais. Não serão aumentos mensais superiores a 10%, portanto, Abril, Maio, Junho, Julho e até ao mês de Agosto, estaremos dentro dos devidos patamares.(...)”. Ora, senhor ministro, não acha que essas medidas são um viveiro para revoluções sociais do tipo egípcias, tunisianas, líbias, entre outras? Não acha que isto pode criar condições para aproveitamentos políticos? Sabe o que representam aumentos mensais de 10% durante cinco meses para o bolso do pobre? O problema é que os nossos governantes pensam em função do nível de vida que levam e não em função do de um moçambicano que recebe 2 500 Mt (menos de 100 dólares, ao câmbio de 30 Mt/USD), 3 000 Mt (100 dólares), 5 000 Mt, 10 000 Mt, etc., com dois, três, quatro, seis, oito dependentes, e que reside – não na Sommerschield, Polana Cimento, Malhangalene, Alto-Maé – mas no Guava, em Marracuene, Manhiça, Mahlampswene, Boane, Khongolote, Xinonankila, etc.
Os nossos governantes não devem esquecer o que dizia o cardeal francês Retz, em homenagem à sua nova doutrina sobre paixões, que passo a citar: “(...) quando um conjunto de magistrados, e governantes, estão investidos de autoridade, confirmada pelo uso antigo e, apoiada, talvez, por uma força armada, não se pode esperar que o povo, sozinho e desorganizado, seja capaz de resistir à opressão de seus governantes; e o seu poder de se combinar para esse propósito depende muito de suas circunstâncias particulares. (...) Em grandes nações, onde o povo está disperso num largo território, este tem sido raramente capaz de (...) empenhos vigorosos. Vivendo em pequenas aldeias, distanciadas umas das outras, dispondo de meios de comunicação muito imperfeitos, são frequentemente bastante afectados pelas provocações que muitos dos seus compatriotas podem suportar, em decorrência da tirania do governo; uma eventual rebelião pode ser reprimida num dado ponto, antes que tenha tempo de irromper em outro...”. Mas quando há união “Entre esses, aparecem líderes que fornecem energia e direcção aos seus companheiros. O mais forte encoraja o mais fraco; o ousado anima o tímido; o resoluto convence o hesitante; e os movimentos da massa em seu conjunto procedem com a uniformidade de uma máquina, e com uma força que é frequentemente irresistível. Nessa situação, a cada descontentamento popular, uma grande proporção do povo é facilmente levantada, e pode unir-se com igual facilidade para exigir a reparação de agravos. O menor pretexto de reclamação, numa cidade, torna-se a ocasião de um motim; e as chamas da sedução, espalhando-se de uma cidade para outra, são insufladas até às proporções de uma insurreição geral”.
Fonte: O País online - 01.04.2011
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