(historiador Michel Cahen)
Acho que a solução angolana, na qual a morte de Jonas Savimbi significou a paz para o país não se aplica à situação de Moçambique. Apesar de Angola ser também geograficamente e etnicamente heterogênea, a riqueza da elite política angolana submete literalmente todas as pessoas. Mesmo com o advento da exploração de imensos recursos naturais em Moçambique, a elite política nunca terá dinheiro suficiente para subjugar a todos. De facto, há em Luanda uma piada que diz que “para ficares rico rapidamente, cria um partido político da oposição, que possa mais tarde ser comprado pelo regime”. É difícil ver essa máxima a aplicar-se ao caso moçambicano.
Hegemonia e homogeneidade são duas coisas diferentes. Num país tão heterogéneo como Moçambique, em termos geográficos e históricos, a hegemonia é menos provável e é indesejável. Apesar de que poderia trazer paz, aparentemente, seria o que chamaria “paz armada” e não uma democracia.
Tentaram e ainda tentam fazer isso. Isso seria mau. O que a maioria das pessoas ainda não entendeu é que dentro da Renamo, Afonso Dhlakama é um moderado. Há muitos dentro da Renamo que estão ansiosos em pegar em armas. Dhlakama é que tem evitado este caminho. Se Dhlakama morrer, quem é que vai assumir o poder? O filho de André Matsangaissa, que se diz ter voltado do Quénia e parece ser um bom militar? Será Ivone Soares?
Em qualquer cenário, se Dhlakama morre, uma ala mais radical da Renamo pode assumir o controlo. Talvez seja o que o Governo pretende, uma confrontação militar que a Frelimo acredita que pode ganhar. A Frelimo acredita que irá eliminar fisicamente Dhlakama e vencer militarmente a Renamo, porque ainda considera a existência da Renamo como resultado do apoio que recebeu do regime do “apartheid”. Uma vez que o regime do “apartheid” já não existe, a Frelimo acredita que a Renamo está fraca. É um grande erro, pensar assim. Contudo, a Frelimo não está a pensar na crise económica que está a conduzir o país para a recessão. A Renamo é muito diferente da UNITA. A UNITA era um exército convencional com batalhões, etc. A Renamo é um movimento de guerrilha mais flexível, o que torna mais difícil vencê-la. Mesmo a morte de Afonso Dhlakama pode não resolver o problema, até tendo em conta que o debate da sucessão já começou dentro do partido. Há actualmente, uma grande crise de representação política em Moçambique. A única coisa boa que podia ajudar Moçambique seria uma revolução social nas cidades.
As cidades são importantes bases de apoio à Frelimo e se a população exigir paz, a situação poderia potencialmente mudar…
Sou um historiador e não economista, mas não acredito que Nyusi possa resolver o desafio com eficácia. Para tal precisaria de obrigar as multinacionais a pagarem impostos. Elas entraram no pais favorecidas por regimes fiscais generosos, ao ponto de os trabalhadores moçambicanos pagarem mais impostos que estas empresas capitalistas. É certo que é uma situação clássica a nível mundial, mas é muito danoso para um país como Moçambique. Por outro lado, é preciso enfatizar que foi a burguesia da Frelimo que mais beneficiou destas dívidas, que criaram a crise económica. Sob pressão do FMI, Nyusi precisa definitivamente de empreender alguma acção, mas isto não irá resolver completamente a questão. No último encontro do Comité Central da Frelimo mais um vigoroso plano anti-corrupção foi acordado, como forma de convencer o público de que a corrupção está a ser tratada mais seriamente, quando, de facto, nada está a ser feito. Por exemplo, casos como a Ematum e Proindicus, a primeira acção seria a detenção do ex-presidente Armando Guebuza e o do ex-ministro das Finanças, Manuel Chang. Ambos estão por detrás da actual crise ao autorizarem e beneficiarem financeiramente dos títulos.
Acho que a actual situação em que os serviços de segurança tentam eliminar fisicamente quadros da Renamo é comparável com as ditaduras militares da América Latina dos anos de 1960 e 1970. Não é um legado histórico. Como historiador tenho de aplicar os conceitos muito bem e não posso ainda classificar o regime moçambicano como fascista, mas este comportamento é similar a uma ditadura militar de extrema-direita nos anos de 1960 e 70. Matar indiscriminadamente todos que são considerados subversivos.
Porque Moçambique é um país predominantemente rural, esta atitude vai fragilizar a Renamo, mas empurrará o movimento para o mato. O resultado será mais guerra civil. É importante não ignorar que a Frelimo pode estar a seguir esta estratégia, de modo a eliminar o líder da Renamo, como forma de parar ou evitar as negociações. Vemos isto no conflito entre Israel e a Palestina. Sempre que há uma tentativa de negociar, Israel expande os colonatos ou, a seguir a assassinatos selectivos, há uma óbvia retaliação por parte dos palestinos.
Isto demonstra, contudo, um lado sinistro dos serviços de segurança em Moçambique – assassinatos visando ganhos políticos. Há a crença de que se a Renamo expandir as suas acções militares, a guerra estará acabada em 15 dias, porque o Governo iria soçobrar facilmente, porque, apesar de extremamente violento, é internamente muito corrupto.
Não posso negar inteiramente que há uma atitude histórica de a Frelimo olhar para ela própria como se fosse a nação, e, neste contexto, a oposição é vista como ilegítima e deve ser eliminada. Contudo, esta postura é contra a Frelimo e contra a própria nação. Nessa perspectiva, você torna-se um inimigo e um alvo a abater. Há uma continuidade histórica, mas é importante sublinhar que, porque está a acontecer agora e não há cinco anos, indica que os serviços de segurança estão a empreender certos comportamentos similares aos usados historicamente pelos regimes de extrema--direita da América do Sul.
Fonte: Savana in Diálogo sobre Moçambique – 10.06.2016
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